Colaboração de Conrado Matos –
Psicanalista
Quando menino em Nossa Senhora de Lourdes em
Sergipe, ganhei de uma criadora de galinhas, uma franga ou pinta, como chamavam
por lá uma galinha muito nova que ainda não dava nenhum ovo.
Ao receber da criadora de galinha aquela franguinha, fiquei feliz e agradeci
pelo presente que ganhei - uma galinha que fez o quintal da minha casa
florescer de tantos pintinhos que foram crescendo e crescendo cada vez mais.
Quando a franguinha começou a pôr seus primeiros ovinhos fiquei muito feliz.
Resolvi não vender seus ovinhos, e guardei em um balaio. Esses ovos seriam um
presente que eu estava ganhando daquela franguinha que chocava, nascendo tantos
pintinhos que fizeram daquele grande quintal o lugarzinho querido da galinhada,
que só esperava pelas rações de Maria Gorda
A fama dessa franguinha poedeira foi crescendo naquele quintal, e resolvi
colocar um nome nessa galinha, e passei a chama-la de Maria Gorda, pois já
estava ficando cansada de tanto agasalhar pintinhos, com suas asas de galinha
que não deixava de acolher seus necessitados, colocando em seus biquinhos tão
famintos aquela ração que alimentava todos que se encontravam tão carentes.
Maria Gorda sempre foi uma boa mãe, bondosa, doava de si o quanto podia para
ajudar seus filhinhos famintos, que se conformavam com restos que a mamãe lhes
dava.
Passado algum tempo, o meu avô paterno
percebeu que Maria Gorda já estava ficando velha, já andava se cambaleando pelo
quintal, não ciscava tanto, como antes. Não dava mais aquelas quantidades de
ovos, e só fazia comer muita ração durante o dia. Algumas pessoas que
frequentavam a minha casa olhavam para o quintal e diziam: essa galinha não é
mais a mesma, porque não faz um ensopado dela. Já está na hora de levar essa
galinha para o fogo. Não dá para ficar admirando o tempo todo uma galinha que
foi a mãe desse galinheiro. Essa galinha já deu o que deu.
As pessoas não sabiam o quanto eu e meu avô
tínhamos de amor e respeito por essa galinha, que fez a primeira história do
galinheiro do quintal. A galinha era tão especial para nós, que não tínhamos a
coragem de leva-la para o fogo. Essa galinha tinha exemplo a dar, fez história
e passou por experiências difíceis. Teve que agasalhar seus pintinhos em noite
de frio e chuva. Mas, nada disso conseguiu evitar que a galinha Maria Gorda
fosse se parar na panela. E foi o que ocorreu. Meus familiares, em uma votação
unânime, concordaram em levar Maria Gorda para panela.
Mas, o que quero dizer com tudo isso? Quantas
Marias Gordas se foram, fizeram história e não foram reconhecidas? São as
Marias Gordas que passam por nós, que trabalharam tanto, são honestas e estão
velhinhas. Essa Maria Gorda um dia poderá ser você, que fez tanto por alguém e
não é reconhecido, e hoje está aposentada. Ou já foi um desses jogadores de
futebol, que tanto fez a torcida se alegrar, mas que caiu no esquecimento.
Quantas horas curtimos alguém, amamos, namoramos, nos casamos, e a vida
continua a mesma de sempre, parece que estancou no tempo. É uma água fria que
nunca esquenta. Quantos idiotas não aproveitaram a vida, não deram o valor que
deviam dar, e só fizeram maltratar, espancar e explorar. Só mesmo os idiotas é
que não sabem amar, e só acham que só eles existem.
O amor não é só expressão, mas é a prática, o
cuidar e a compreensão pelo outro. O amor não é só para ser entendido como
ligação umbilical, mas como o significado da benfeitoria humana e colaboração
contínua. Mais ação e menos ignorância. Mais paciência e menos estupidez. Mais compreensão
e menos intolerância. Quem sabe se você um dia não venha ser uma Maria Gorda
que se foi, mas que fez história. Aproveite a vida, porque esta é muito
curta.
Conrado
Matos é Psicanalista, Educador e Escritor.
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