quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A CRÔNICA DA GALINHA

 Colaboração de Conrado Matos – Psicanalista


Quando menino em Nossa Senhora de Lourdes em Sergipe, ganhei de uma criadora de galinhas, uma franga ou pinta, como chamavam por lá uma galinha muito nova que ainda não dava nenhum ovo.

Ao receber da criadora de galinha aquela franguinha, fiquei feliz e agradeci pelo presente que ganhei - uma galinha que fez o quintal da minha casa florescer de tantos pintinhos que foram crescendo e crescendo cada vez mais.


Quando a franguinha começou a pôr seus primeiros ovinhos fiquei muito feliz. Resolvi não vender seus ovinhos, e guardei em um balaio. Esses ovos seriam um presente que eu estava ganhando daquela franguinha que chocava, nascendo tantos pintinhos que fizeram daquele grande quintal o lugarzinho querido da galinhada, que só esperava pelas rações de Maria Gorda


A fama dessa franguinha poedeira foi crescendo naquele quintal, e resolvi colocar um nome nessa galinha, e passei a chama-la de Maria Gorda, pois já estava ficando cansada de tanto agasalhar pintinhos, com suas asas de galinha que não deixava de acolher seus necessitados, colocando em seus biquinhos tão famintos aquela ração que alimentava todos que se encontravam tão carentes.


Maria Gorda sempre foi uma boa mãe, bondosa, doava de si o quanto podia para ajudar seus filhinhos famintos, que se conformavam com restos que a mamãe lhes dava.


Passado algum tempo, o meu avô paterno percebeu que Maria Gorda já estava ficando velha, já andava se cambaleando pelo quintal, não ciscava tanto, como antes. Não dava mais aquelas quantidades de ovos, e só fazia comer muita ração durante o dia. Algumas pessoas que frequentavam a minha casa olhavam para o quintal e diziam: essa galinha não é mais a mesma, porque não faz um ensopado dela. Já está na hora de levar essa galinha para o fogo. Não dá para ficar admirando o tempo todo uma galinha que foi a mãe desse galinheiro. Essa galinha já deu o que deu.

As pessoas não sabiam o quanto eu e meu avô tínhamos de amor e respeito por essa galinha, que fez a primeira história do galinheiro do quintal. A galinha era tão especial para nós, que não tínhamos a coragem de leva-la para o fogo. Essa galinha tinha exemplo a dar, fez história e passou por experiências difíceis. Teve que agasalhar seus pintinhos em noite de frio e chuva. Mas, nada disso conseguiu evitar que a galinha Maria Gorda fosse se parar na panela. E foi o que ocorreu. Meus familiares, em uma votação unânime, concordaram em levar Maria Gorda para panela.

Mas, o que quero dizer com tudo isso? Quantas Marias Gordas se foram, fizeram história e não foram reconhecidas? São as Marias Gordas que passam por nós, que trabalharam tanto, são honestas e estão velhinhas. Essa Maria Gorda um dia poderá ser você, que fez tanto por alguém e não é reconhecido, e hoje está aposentada. Ou já foi um desses jogadores de futebol, que tanto fez a torcida se alegrar, mas que caiu no esquecimento. Quantas horas curtimos alguém, amamos, namoramos, nos casamos, e a vida continua a mesma de sempre, parece que estancou no tempo. É uma água fria que nunca esquenta. Quantos idiotas não aproveitaram a vida, não deram o valor que deviam dar, e só fizeram maltratar, espancar e explorar. Só mesmo os idiotas é que não sabem amar, e só acham que só eles existem.

O amor não é só expressão, mas é a prática, o cuidar e a compreensão pelo outro. O amor não é só para ser entendido como ligação umbilical, mas como o significado da benfeitoria humana e colaboração contínua. Mais ação e menos ignorância. Mais paciência e menos estupidez. Mais compreensão e menos intolerância. Quem sabe se você um dia não venha ser uma Maria Gorda que se foi, mas que fez história. Aproveite a vida, porque esta é muito curta. 

Conrado Matos é Psicanalista, Educador e Escritor.
E-mail: psicanaliseconrado@hotmail.com – Tels: 71-9910-6845/8717-3210.

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