*Fernão Lara Mesquita
Para
entender o que aconteceu em 64 é preciso lembrar o que era o mundo naquela
época. Um total de 30 países, parando na metade da Alemanha de hoje, havia sido
engolido pela Rússia comunista por força militar. Invasão mesmo, que instalava
um ditador que atuava sob ordens diretas de Moscou. Todos os que tentaram
escapar, como a Hungria em 56, a Checoslováquia em 68, a Polônia em 80 e
outros, sofreram novas invasões e massacres.
E tinha
mais a China, o Vietnã, o Camboja, a Coreia do Norte, etc., na Ásia, onde houve
verdadeiros genocídios. Na África era Cuba que fazia o papel que os russos
fizeram na Europa, invadindo países e instalando ditadores no poder.
As
ditaduras comunistas, todas elas, fuzilavam sumariamente quem falasse contra
esses ditadores. Não era preciso agir, bastava falar para morrer,
ou nem isso. No Camboja um quarto de toda a população foi executado pelo
ditador Pol Pot entre 1975 e 1979, sob os aplausos da esquerda internacional e
da brasileira.
Os países
onde não havia ditaduras como essas viviam sob ataques de grupos terroristas
que as apoiavam e assassinavam e mutilavam pessoas a esmo detonando bombas em
lugares públicos ou fuzilando gente desarmada nas ruas.
As
correntes mais radicais da esquerda brasileira treinavam guerrilheiros em Cuba
desde antes de 1964. Quando João Goulart subiu ao poder com a renúncia de Jânio
Quadros, passaram a declarar abertamente que era nesse clube que queriam enfiar
o Brasil.
64 foi um
golpe de civis e militares brasileiros que lutaram na 2.ª Guerra Mundial e
derrubaram a ditadura de Getúlio Vargas, para impedir que o ex-ministro do
Trabalho de Vargas levasse o País para onde ele estava prometendo levá-lo,
apesar de se ter tornado presidente por acaso. Tratava-se, portanto, de evitar
que o Brasil entrasse num funil do qual não havia volta, e por isso tanta gente
boa entrou nessa luta e a maioria esmagadora do povo, na época, a apoiou.
A proposta
do primeiro governo militar era só limpar a área da mistura de corrupção com
ideologia que, aproveitando-se das liberdades democráticas, armava um golpe de
dentro do sistema para extingui-las de uma vez por todas, e convocar novas
eleições para devolver o poder aos civis.
Até outubro
de 65, um ano e meio depois do golpe, seguindo o combinado, os militares tinham-se
limitado a cassar o direito de eleger e de ser eleito, por dez anos, de 289
pessoas, incluindo 5 governadores, 11 prefeitos e 51 deputados acusados de
corrupção mais que de esquerdismo.
Ninguém
tinha sido preso, ninguém tinha sido fuzilado, ninguém tinha sido torturado. Os
partidos políticos estavam funcionando, o Congresso estava aberto e houve
eleições livres para governador e as presidenciais estavam marcadas para a data
em que deveria terminar o mandato de Jânio Quadros.
O quadro só
começou a mudar quando em outubro de 65, diante do resultado da eleição para
governadores, o Ato Institucional n.º2 (AI-2) extinguiu partidos, interferiu no
Judiciário e tornou indireta a eleição para presidente. Foi nesse momento que o
jornal O Estado de S. Paulo, que até então os apoiara, rompeu com os militares
e passou a combatê-los.
Tudo isso
aconteceu praticamente dentro de minha casa, porque meu pai, Ruy Mesquita, era
um dos principais conspiradores civis, fato de que tenho o maior orgulho.
Antes mesmo
da edição do AI-2, porém, a esquerda armada já havia matado dois: um civil, com
uma bomba no Cine Bruni, no Rio, que feriu mais um monte de gente; e um militar
numa emboscada no Paraná. E continuou matando depois dele.
Ainda
assim, a barra só iria pesar mesmo a partir de dezembro de 68, com a edição do
AI-5. Aí é que começaria a guerra. Mas os militares só aceitaram essa guerra
depois do 19º assassinato cometido pela esquerda armada.
Foi a
esquerda armada, portanto, que deu o pretexto para a chamada "linha
dura" militar tomar o poder e a ditadura durar 21 anos, tempo mais que
suficiente para os trogloditas de ambos os lados começarem a gostar do que
faziam quando puxavam gatilhos, acendiam pavios ou aplicavam choques elétricos.
A guerra é
sempre o paraíso dos tarados e dos psicopatas e aqui não foi diferente.
No cômputo
final, a esquerda armada matou 119 pessoas, a maioria das quais desarmada e que
nada tinha que ver com a guerra dela; e os militares mataram 429
"guerrilheiros", segundo a esquerda, 362 "terroristas",
segundo os próprios militares. O número e as qualificações verdadeiras devem
estar em algum lugar no meio dessas diferenças.
Uma boa
parte dos que caíram morreu atirando, de armas na mão; outra parte morreu na
tortura, assassinada ou no fogo cruzado.
Está certo:
não deveria morrer ninguém depois de rendido, e morreu. E assim como morreram
culpados de crimes de sangue, morreram inocentes. Eu mesmo tive vários deles
escondidos em nossa casa, até no meu quarto de dormir, e já jornalista contribuí
para resgatar outros tantos. Mas isso é o que acontece em toda guerra, porque
guerra é, exatamente, a suspensão completa da racionalidade e do respeito à
dignidade humana.
O total de
mortos pelos militares ao longo de todos aqueles 21 "anos de chumbo"
corresponde mais ou menos ao que morre assassinado em pouco mais de dois dias e
meio neste nosso Brasil "democrático" e "pacificado" de
hoje, onde se matam 50 mil por ano.
Há, por
enquanto, 40.300 pessoas vivendo de indenizações por conta do que elas ou seus
parentes sofreram na ditadura, todas do lado da esquerda. Nenhum dos parentes
dos 119 mortos pela esquerda armada, nem das centenas de feridos, recebeu nada
desses R$ 3,4 bilhões que o Estado andou distribuindo.
Enfim, esse
é o resumo dos fatos nas quantidades e na ordem exatas em que aconteceram, do
que dou fé porque estava lá. E deixo registrado para os leitores que não
viveram aqueles tempos compararem com o que andam vendo e ouvindo por aí e
tirarem suas próprias conclusões sobre quanto desse barulho todo corresponde a
sentimentos e intenções honestas.
*Fernão Lara
Mesquita é jornalista.
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