segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A POESIA DE VIRGÍNIA ANDRADE, UMA DAS MAIS FECUNDAS E PROFUNDAS POETAS DA BAHIA

 

Foi uma brilhante poeta baiana. Íntegra, corajosa, desafiadora. Sobre ela, leia aqui, Casulo Azul, Crônica de Luiz Carlos Facó.


É HORA DE ANOITECER

É hora de anoitecer, Ave Maria!
É hora dos loucos, da agonia.
É hora de sair do sereno
E afastar as muriçocas,
Hora de banho e de aconchego
E do nó na garganta indefinível.
O tempo para um pouco indeciso
Mas o dia morre sem perdão.

PEQUENO ESPAÇO

Pequeno momento de paz, pequeno espaço,
Em que preenchemos tanto seus segundos
Que já não cabe qualquer dúvida, qualquer susto.
Adia-se a audiência com os cuidados
Enquanto as mãos tecem ideias boas na cabeça.

ESPERO


A noite é grande, é maior que eu.
E a distância prende o instante perpétuo.
Espero.
É muda a paisagem que me observa da janela.
Não há pecado mais justo que o cansaço.
Registro.

EU MEREÇO

Eu mereço
Cada passo desta dor que me embaraça.
Embaralho fato a fato computado
Em inúteis anotações dentro de mim.
Somo, desconto, conto, aumento pontos,
Resta nada.
O nada que mereço e construí.

Pela pele antes estivemos lado a lado
Perto o mais perto da distância um do outro
Que pé ante pé tentamos penetrar.
Pele ante pele,  travou-se o corpo a corpo.
Ficam no silêncio da noite que se impõe
Cinzas nos cinzeiros, restos de café,
O frio a habitar a casa vazia.
O vazio que aconchega o corpo quente.

PEITO ABERTO

Gosto de ser secreta.
Por isso deposito sentimentos em plena rua.
Solene ante o ato acumulado
Pecados postos à visitação pública.

Prende-se nas vitrines avenidas
Que disfarce não há melhor que a verdade.
Por isso, de tão tímida,
Atiro pela janela que se abre
Para as tantas distâncias de outros mundos,
O peito aberto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário