Por ARIADNE
ARAÚJO – JORNAL DO POVO, CEARÁ
Final de A
Guerra da Borracha e o capítulo Seca & Migração
Antes disso
acontecer, no entanto, os EUA tinham feito alguns esforços para evitar um
possível desastre. Alarmados pela extensão e intensidade do conflito no
Pacífico e temendo um colapso civil e militar, os EUA intensificaram o seu
programa de procura e compra da borracha. A iniciativa aumentou o estoque,
principalmente através de permutas com a Inglaterra. O negócio era trocar
borracha crua por produtos agrícolas, como algodão. O embaixador inglês Lord
Halifax tinha motivos suficientes para satisfazer as necessidades de borracha
da indústria americana.
Primeiro a
Inglaterra precisava de divisas para enfrentar a guerra. Em segundo lugar, os
ingleses tentavam evitar com isto que os americanos montassem uma poderosa
indústria de borracha sintética. Também estava em jogo um possível apoio à
causa anglo-francesa. Mas, apenas três meses após o ataque a Pearl Harbour -
Porto das Pérolas -, no Hawai, os EUA proibiam a venda de pneus. Fora da
ocupação japonesa, os Aliados ainda tinham como alternativas a Índia, Ceilão,
Libéria, África e América Latina.
Confusão e
tumulto. As repartições do governo americano começaram a se abarrotar de
sugestões de especialistas. Eram dezenas de planos e projetos para procura e
produção de borracha. Foi em meio ao desespero como esse que os americanos se
depararam com a Amazônia, de longe o maior depósito de borracha natural. A
Rubber Development Corporation assumiu, então, o comando da orientação e
organização de planos do governo americano para obtenção do látex amazônico. E
a história do Exército da Borracha começa a ser desenhada. (AA)
O inventor
americano Charles Goodyear resolveu o problema em 1839: o ponto ideal de
elasticidade e impermeabilidade. Ou melhor, a vulcanização. O processo tornava
a borracha resistente às variações de temperatura e abria os caminhos para a
indústria do processamento da borracha. De um lado a outro do Atlântico
surgiram correias, mangueiras, calçados, pisos, artigos esportivos, vestimentas
impermeáveis, equipamentos cirúrgicos e elásticos.
A invenção
do pneumático (1888), o aparecimento do automóvel (1895) e a massificação da
bicicleta como veículo de transporte causaram o surto da borracha nos mercados
mundiais. De todas as áreas onde se operava a extração do látex, a Amazônia era
a que oferecia maior segurança e amplas possibilidades: quantidade quase
ilimitada de seringueiras e gomais e boa produtividade das árvores. Mas, no
final do século passado, o Norte do Brasil era ainda a região de cacauais,
cafezais, dos engenhos, das lavouras e do pastoreio.
Tarde demais
para tanta paz. Começava a desenfreada corrida rumo aos seringais. A Amazônia
transforma-se na região das héveas, do ouro negro, dos pioneiros, dos
seringueiros, dos patrões, dos aviadores. No início, na chamada fase cabocla,
os seringais foram explorados por mão-de-obra local: mestiços ou tapuios. O
boom da borracha, no entanto, chamou a atenção de trabalhadores do outro lado
País. O historiador Celso Furtado estima em 500 mil o número de nordestinos que
se retiraram para a Amazônia nesse primeiro ciclo da borracha.
Os
seringalistas ou patrões sabiam onde procurar operários. Em Fortaleza, Recife e
Natal, eles encontravam desempregados e refugiados, fugitivos da seca e da
miséria no sertão. A arregimentação tinha uma propaganda forte. Trazia a ilusão
de enriquecimento rápido, de trabalho autônomo, de liberdade, do El Dorado. De
1850 a 1900 a população do Vale Amazônico aumentou dez vezes. No livro História
Econômica do Ceará, Raimundo Girão calcula: das 300.902 pessoas que emigraram
do Ceará, no período de 1869 até o final do século, 225.526 se destinaram para
a Amazônia.
Era difícil
imaginar que aquela euforia fosse passageira. O Brasil dominava o mercado
mundial e tinha o maior reservatório de seringueiras do Planeta. A economia da
borracha se expandiu entre 1880 e 1920. Em 1913, por exemplo, a borracha
responde por 20% da exportação total do País. A riqueza da região parecia
inesgotável. Mas a prosperidade do Vale Amazônico estava com seus dias
contados. Na Inglaterra, um plano bem articulado estava sendo traçado. A idéia
era roubar o ouro branco do Brasil.
O
aventureiro inglês Henry Wickham fez o trabalho sujo ``nas barbas'' do governo
brasileiro. Ele chegou à Amazônia em 1876 como um excêntrico colecionador de
orquídeas, à procura de tubérculos raros. Às margens do Tapajós, ele iniciou
suas experiências. Plantou uma grande quantidade de seringueiras e, logo logo,
produziu as cobiçadas sementes. Um navio de Sua Majestade Britânica, o
Amazonas, levou o contrabando como se fossem preciosos pacotes de orquídeas. Na
verdade, eram milhares de sementes da árvore da borracha a caminho das estufas
londrinas e depois para o Ceilão. Estava preparada a surpresa.
Fraude ou
contrabando? Enquanto o Brasil ainda comentava o farto banquete oferecido em
Belém aos tripulantes do navio de Sua Majestade a Rainha da Inglaterra, as
sementes roubadas davam início ao cultivo de seringueiras nas colônias
britânicas do Oriente. Sem tecnologia, com um sistema arcaico na extração do
látex, baixa produtividade e elevados custos, o sistema extrativista da
Amazônia não resistiu. A concorrência era organizada, trabalhava com pesquisa e
cultivo racional. Estava quebrado o monopólio brasileiro.
Quebradeira
geral. Falências e concordatas. Seringais desativados. Esse foi o calamitoso
ano de 1913. Sem esperanças, Epitácio Pessoa resolve fornecer passagens aos
nordestinos para que regressem às suas regiões. Uma corrente migratória em
sentido contrário. Trinta anos depois, em plena Segunda Guerra Mundial, o sonho
do El Dorado volta a mexer com a cabeça dos brasileiros. Os nordestinos já
sabem o caminho. É o mesmo que levou e trouxe avós e pais. (AA)
Eles fizeram
esta história
Esperança de
voltar - A venda de picolés é o complemento da aposentadoria de João Vitorino
Bezerra, 65. Quando chegou à Amazônia, foi trabalhar em um seringal próximo aos
índios urubus-araras. ``Chorei muito de saudade da minha terra, no Ceará. O meu
sonho, estar perto de meus pais na hora da morte deles, eu não realizei. Mas
continuo sonhando em voltar à minha terra''. Na festa do Soldado da Borracha,
João Vitorino não perdeu a chance: levou o carrinho de picolé. Dois coelhos com
uma cajadada: rever amigos e ganhar uns trocados para sustentar os netos.
Medo da
polícia - Benedito Ferreira, 84, nasceu em Riacho do Sangue, na região do
Jaguaribe, no Ceará. Só a oração de Santa Luzia era garantia de proteção contra
os perigos da selva ou mau patrão. Mesmo depois de tanto tempo, o aposentado
ainda tem um medo da época de seringueiro: que a polícia venha prendê-lo por
uma briga que acabou mal em meio à floresta. O rival foi ferido de morte? Ele
não sabe, mas, por via das dúvidas, é melhor prevenir. Além de um problema na
perna que o impede de andar direito, ele traz outra herança: o castelhano.
``Aprendi a falar espanhol com os bolivianos''.
Amuleto da
sorte - Uma bola de borracha. Fui tudo o que sobrou da lembrança da época de
seringueiro. Filho de paraibano, José Correa dos Santos, 58, conta que tudo era
difícil para o soldado da borracha. Em Cruzeiro do Sul, município do Acre,
próximo à fronteira com o Peru, ele hoje é proprietário de um pequeno comércio
de secos e molhados. O dinheiro para montar o próprio negócio ele conseguiu
porque deixou a vida de seringueiro e foi ``regatear'', ou melhor, comerciar pelos
rios do Acre. Hoje, um quilo de borracha pendurado por um cordão funciona como
um amuleto de sorte na entrada do comércio. ``Só venci porque deixei a vida de
soldado da borracha''.
PERCURSO DA
BORRACHA PELO MUNDO
Acordos de
Washington - Sem estoques de borracha e diante de um colapso da principal
matéria-prima para a indústria bélica, os Estados Unidos assinaram os Acordos
de Washington com o Brasil. O objetivo era extrair da Amazônia, o maior
reservatório de látex do Planeta, 100 mil toneladas de borracha por ano. Por
causa disso, um plano de atração de mão-de-obra foi colocado em ação. Cerca de
55 mil nordestinos foram levados pelo Governo Federal para trabalhar na
floresta.
Monopólio -
Em 1876, a Inglaterra iniciou o cultivo de seringueiras em bases racionais nas
colônias do Oriente, como a Malásia. As sementes, roubadas da Amazônia por um
aventureiro, Henry Wickman, foram levadas para estufas inglesas e, anos depois,
deram origem a um novo mercado fornecedor de borracha. O Brasil perdia o
monopólio para a Inglaterra.
El Dorado -
A partir de 1943, a Amazônia viveu um novo El Dorado. A corrida em busca do
ouro branco que, no século passado, já havia provocado um processo migratório
do Nordeste para o Norte do País, voltou a acontecer. Segundo um boletim
divulgado pelo Governo Federal, a extração da metade da borracha disponível na
Amazônia já resolveria a crise da borracha em que se achavam os Aliados.
Alternativa
- Os ingleses temiam que os americanos montassem uma poderosa indústria de
borracha sintética. Três meses após o ataque a Pearl Harbour, no Hawai, os EUA
já proibiam a venda de pneus. O mercado alternativo para compra da matéria
prima pelos Aliados era formado pela Índia, Ceilão, Libéria, África e América
Latina
Cultivo
racional - Na Malásia, as sementes de seringueiras, roubadas do Brasil, foram
cultivadas de forma racional. Nas plantações do Oriente, ao contrário do
Brasil, a distância entre as árvores era a mínima necessária, sob orientação de
pesquisas. Na Amazônia, os seringueiros tinham que se embrenhar na floresta à
procura do látex. Isso significava perda de tempo e de produção. Principalmente
por causa disso, a seringa da Malásia conquistou o mercado internacional.
A origem da
minha viagem
A esta santa
terra
É porque em
quarenta e três
O Mundo
estava em guerra
Foi a causa
de tudo
Que nesta
História se encerra
Raimundo de
Oliveira (RO), cordelista e soldado da borracha
Eu já ia
para a guerra
Já estava
sorteado
Mas havendo
necessidade
Para a
borracha fui tirado.
O bem da
Pátria também era
Um bom
serviço prestado.
(RO)
Dinheiro
fácil. A promessa atraiu milhares de nordestinos para o Exército da Borracha.
No trabalho de arregimentação de voluntários, o Governo Federal pediu ajuda a
padres, médicos, enfermeiras. Nos alojamentos, construídos para receber os
soldados, problemas com a comida, surtos e motins.
Uma calça de
mescla azul, uma blusa de morim branca, um chapéu de palha, um par de
alparcatas de rabicho, uma caneca de flandre, um prato fundo, um talher, uma
rede e uma carteira de cigarros Colomy. No lugar da mala, um saco de estopa. O
enxoval do soldado da borracha era o presente do presidente Getúlio Vargas aos
voluntários do Inferno Verde, como ficou conhecida a Amazônia posteriormente.
Melhor que isso, só a promessa de dinheiro fácil estampada em cartazes de propaganda
do Governo Federal. Difícil resistir. Principalmente para quem vive no Sertão
em um ano de muita miséria. Na seca de 1942, cerca de 55 mil nordestinos se
alistaram para a Batalha da Borracha.
Ou corre ou
morre. Joaquim Moreira de Souza, de Russas, oeste do Ceará, explica: a seca me
cutucou. A ameaça de inclusão na Força Expedicionária Brasileira, que lutava na
Itália, foi o empurrão que faltava. Mas na inauguração da Campanha Nacional da
Borracha, Getúlio Vargas empolgou os indecisos. ``Brasileiros! A solidariedade
dos vossos sentimentos me dá a certeza prévia da vitória''. Pra completar, um
prêmio para o seringueiro campeão. O maior fabricante de borracha durante o ano
levaria 35 mil cruzeiros. Isso e mais vantagens: uma viagem grátis, ou quase,
de caminhão, trem e navio por mais de cinco mil quilômetros até o “El Dorado''.
Só em
Fortaleza, no Ceará, a Campanha da Borracha encontrou 30 mil flagelados à
espera de ajuda. No Interior do Estado (Sobral, Iguatu e Crato), o Governo
Federal também abriu postos de arregimentação. Um exame físico e a assinatura
de contrato selavam o compromisso. Os voluntários passavam a empregados de
imediato. Com direito ao salário de meio dólar por dia e alojamento até a
partida, a tropa vivia sob firme disciplina militar. Para abrigar tanta gente,
às vezes mil em um único dia, o jeito foi construir uma hospedaria modelo, de
nome Getúlio Vargas, perto da igreja São Judas Tadeu, no bairro Olavo Bilac,
zona Oeste de Fortaleza.
Além de
aliciadores profissionais, a mando dos patrões - donos de seringais no Amazonas
-, o trabalho de convencimento era feito por padres, médicos, advogados. A
promessa era de que os voluntários voltariam como heróis da Pátria, sob total
apoio do Governo Federal, e ficariam ricos na extração da borracha. O que não
foi dito, milhares de nordestinos tiveram que descobrir depois, quando já era
tarde demais para voltar. De livres, passaram a escravos. No coração da selva,
isolamento e solidão. Eles trabalhariam para pagar uma dívida econômica e moral
com o patrão. De lá, não se podia escapar.
A prisão
pela dívida. O soldado já chegava devendo. Um patrão ou seringalista anotava o
débito em sua conta e ele trabalhava para pagar. Um novelo de linha que nunca
tinha fim. Havia sempre mais dívidas a pagar: a comida, a roupa, a arma, o
material de trabalho, o remédio. Tudo era vendido, a preços dobrados, por uma
única pessoa. E ela não tinha pressa, nunca, em dar baixa naqueles números
infindáveis. Algemas invisíveis para um exército enganado. Os nordestinos descobriam,
então, o que era o Inferno Verde.
Para muitos,
foi como uma condenação à morte. O mundo dos cavalos, bois, safras de arroz e
feijão, sol e terra, secas e flagelos se acabou. Agora eram canoas e barcos,
onças pintadas, estranhas moléstias, florestas e rios tortuosos. A população da
Amazônia reparou no espanto. Assim, a patente era de soldado e o apelido de
passarinho. Os migrantes eram como a pequena ave de arribação, o arigó, típica
do Nordeste, que vaga de uma lagoa a outra. Mas os problemas começavam antes da
chegada à Amazônia. Promessas mirabolantes eram chamariz para os desavisados.
A
parafernália de organizações estrangeiras e brasileiras, envolvidas na operação
de guerra, não se entendia. Do lado americano, a Board of Economic Warfare hostilizava
a Reconstruction Finance Corporation. A Rubber Reserve Company não se
comunicava com a Defense Supllies Corporation. Do lado brasileiro, o Serviço de
Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), a Superintendência para o
Abastecimento do Vale Amazônico (Sava), o Serviço Especial de Saúde Pública
(Sesp), o Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará
(Snapp) pareciam não falar a mesma língua.
A Torre de
Babel podia ter rendido pelo menos um conto: O Caso do Sumiço das Mulas. Em
1942 pelo menos 1.581 mulas se perderam entre São Paulo e Acre. A última
notícia que se teve dos animais é que, depois de quatro meses, não haviam
chegado ainda a Cuiabá. Ou então a importação de 5 mil toneladas de farinha de
trigo por conta de um erro na tradução português-inglês. Nesse caso, tudo o que
os soldados da borracha queriam era a velha farinha de mandioca. O alfaiate
João Rodrigues Amaro, 72 - na época com 17 anos -, não achou graça desses e de
outros enganos na Campanha da Borracha.
Alistado em
Sobral, norte do Ceará, ele conta que a comida nos pousos, ou seja,
alojamentos, era péssima. Muitas vezes o cozinheiro levava na cara o prato de
alimento. Na água e no sal, o feijão, arroz, farinha e charque. Pra evitar a
reclamação, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
contratou três nutricionistas e alardeou a notícia pelos jornais do Rio de
Janeiro e São Paulo. Marta Novais Filho, por exemplo, tinha a tarefa de
padronizar a bóia dos amarelados guerreiros da borracha, como diz o jornal
Suplemento Econômico (Rio de Janeiro, em 1942).
Milhões de
moscas perseguiam os homens nos refeitórios, dormitórios, recreios. No
alojamento de Belém, um surto de meningite matou pelo menos 12 pessoas. A
assistência médico-sanitária era precária. O mês em que não havia óbito era
comemorado. O exames de rotina se limitavam a diagnosticar se o soldado havia
ou não contraído doenças sexualmente transmissíveis. No ato da admissão, banhos
e raspagem de cabelo. Os incapazes e doentes eram dispensados. Sair dos
alojamentos, só com autorização da chefia e mesmo assim com hora pra voltar.
Com o passar
do tempo, cercados de arames e vigias, os alojamentos começaram a parecer
campos de concentração. Sem trabalho ou tarefa fixa, sem atividade esportiva ou
um simples aparelho de rádio, migrante brigava com migrante ou com a guarda.
Para o Departamento Nacional de Imigração, esses conflitos tinham jeito de
motim. Para a população, de arruaça. Soltos, andavam ao léu pelas ruas e as
brigas se multiplicavam. Os arigós, enquanto aguardavam transporte para a
viagem, eram chamados de vagabundos, de come-e-dorme, temidos, com suas
peixeiras e, mais tarde, facas jebond. (Ariadne Araújo)
Arte de
Chabloz mobiliza soldados
Uma
procissão se aproxima. Homens, mulheres e crianças se arrastam pela estrada.
Uma nuvem de poeira toma conta do ar. Para Jean-Pierre Chabloz, uma acidental
testemunha da seca de 1943 no Ceará, aquele era um cenário saído de um campo de
concentração. Fantasmas, mais que seres humanos. Em uma rede suspensa por um
pau, uma criança morre de fome. A visão é de desastre. Vales descarnados. Nos
arbustos, apenas uma ou duas folhas prestes a cair. Tudo sob o peso de um
rigoroso racionamento. Extensões queimadas e requeimadas, fazendas sonolentas e
aquela infindável multidão de retirantes.
Em 1942, O
artista plástico suíço Pierre Chabloz se apaixonou pelo Ceará ainda na estrada,
durante uma viagem de 24 horas de São Luis (MA) a Fortaleza (CE). Ele vinha
contratado pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a
Amazônia (Semta). Era o novo chefe da Divisão de Desenhos Publicitários na
Campanha Nacional da Borracha. A primeira tarefa: criar quatro grandes cartazes
para incentivar a produção de látex. Depois, vários mapas de biótipos de
nordestinos, que ajudariam na seleção dos candidatos. Por último, a decoração
publicitária dos caminhões que, periodicamente, levariam as turmas contratadas
até metade do caminho.
As peças
publicitárias da Campanha da Borracha foram enviadas para todo o Norte e
Nordeste do País. Para fazer o trabalho, Pierre Chabloz teve que viajar em um
pequeno avião até Belém, no Pará. A idéia era ver pessoalmente a extração de
látex para reproduzir. Também de São Luís veio a sede do Semta. No Maranhão a
arregimentação caminhava de forma lenta. Os candidatos não apareciam. A notícia
de milhares de flagelados no Ceará, em busca de ajuda na Capital, quase foi
comemorada. Não por Chabloz, que se admirou com a força que viu nos retirantes.
As
impressões do artista plástico foram anotadas em um diário escrito em francês.
Hoje, todo o detalhamento do trabalho do Semta - desenhos, explicações
minuciosas sobre os alojamentos, passeatas, transporte -, está a salvo no
arquivo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc). Pierre
Chabloz também guardou exemplares dos cartazes e fotos raras da época, feitas
por ele, para ilustrar suas explicações particulares. (AA)
Campanha era
puro engodo
Tudo pela
vitória comum. Um trabalho de brasilidade. A propaganda dirigida e veiculada
nos meios de comunicação fazia cada novo trabalhador na seringa se sentir um
genuíno soldado de um novo front, a Amazônia. No discurso, eles eram tão
importantes quanto os aviadores e marinheiros que lutavam no litoral contra a
pirataria submarina ou ainda os soldados das Nações Unidas. Contribuição
anônima de trabalhadores admiráveis. Sacrifício e labor incansável. Ainda por
cima, ``dinheiro a rodo''.
Puro engodo.
A mais chocante das mentiras era a forma de apresentar a coleta do látex. Nas
esquinas, retratos de seringueiros em meio a infindáveis tambores carregados
por caminhões ou jeeps. É claro que não se tratava dos seringais da Amazônia,
mas das plantações da Firestone na África ou da Malásia e Ceilão. A persuasão
ideológica gastou milhões de dólares na imprensa, rádio e cinema.
Outra
campanha de persuasão abarcava todos os brasileiros. Ainda na política de boa
vizinhança, o Brasil foi invadido por jornalistas, radialistas, editores,
professores, cientistas, artistas, escritores, músicos, diplomatas,
empresários, técnicos, estudantes e pesquisadores de mercados do Norte do
Continente. Eles traziam o american way of
life. O ministro Oswaldo Aranha, numa tirada de bom humor, explicou:
mais uma missão de boa vontade e declaramos guerra aos EUA. (AA)
Eles fizeram
esta história
Favela e
palafita - Lá é cavalo. Aqui é canoa. A diferença até hoje não sai da cabeça de
Lourenço Canário da Silva, 75. No bairro da Lagoa, no igarapé São Salvador, em
Cruzeiro do Sul, no Acre, ele mora com a mulher em uma palafita. A comunidade,
cerca de 380 famílias, compõe uma grande favela às margens do braço do rio
Juruá. Um cenário muito diferente do que Lourenço conheceu em Aracoiaba, no
Ceará, onde nasceu. ``Ganhei uma passagem de Getúlio Vargas e em troca dei
minha vida. Tudo mudou''. Como soldado da borracha ele conseguiu uma
aposentadoria de dois salários mínimos. É o que sustenta a casa.
Cordel e
turismo - Um ex-seringueiro, Raimundo Nonato da Silva, 66, ganha a vida hoje
contando a história da campanha da borracha para os turistas. No Museu da Borracha,
em Rio Branco, no Acre, ele recebe os visitantes e mostra um pouco da vida na
floresta, na extração do látex. ``Meu pai era cearense. Eu era pequeno, mas via
o que os patrões faziam com os seringueiros. Eles amarravam as pessoas, metia a
peia e botava pimenta nas feridas. Era preciso ser muito homem''. O sofrimento
dele e do pai estão nos versos de cordéis que ele escreve. Uma poesia que veio
como herança dos antepassados do Ceará.
Saúde
comprometida - O boato de ficar rico fez Joaquim Evangelista Pontes, 78, deixar
o emprego de entregador de pão em Russas, no Ceará, para ser seringueiro em Rio
Branco, no Acre. ``Escapei foi por aqui''. Um companheiro de profissão,
Sebastião Simão, 90, teve menos sorte. ``A vista enfraqueceu de tanto trabalhar
no escuro, pela madrugada a dentro, atrás da borracha''. Simão veio do Rio
Grande do Norte, na época da II Guerra, e hoje suas lembranças são de tristeza
e de doenças. ``Até hoje tenho dor de cabeça e esmorecimento de tanta picada de
mosquito que levei. Passei muito tempo em hospital. Quase morri''.
Sou filho do
nordestino,
Natural do
Ceará; vim embora para
O Acre para
a seringa cortar, produzir
Borracha,
ganhar dinheiro, para a sua
Terra de
origem um dia poder voltar.
Raimundo
Nonato (RN), cordelista e soldado da borracha)
Saindo lá do
Nordeste onde
Morava no
sertão, deixando lá os seus
Pais, junto
com seus irmãos, para
Vir morar
nas matas do Acre, no
Seringal do
patrão.
(RN)
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