Fernando Alcoforado*
A crise
econômica do sistema capitalista mundial que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos
levou a União Europeia à estagnação econômica com graves consequências políticas
e sociais. Esta crise deu origem ao fortalecimento de partidos políticos de extrema
direita e extrema esquerda em vários países. A ascensão dos partidos de extrema
direita acontece em boa parte da Europa. O resultado das eleições para o Parlamento
Europeu de 2014, que aconteceram em maio e cuja nova legislatura começa em
julho, confirmou essa tendência e lançou um alerta: o crescimento expressivo da
extrema direita e dos eurocéticos (que são contra a existência da União
Europeia) no continente.
Os
partidos de extrema direita da Europa diferem entre si em poucas posições. Com inclinações
nazifascistas ou nacionalistas, a maioria defende o fim da União Europeia, o fim do
euro, o fortalecimento da unidade e identidade dos países, políticas mais
radicais contra imigrantes, criticam o resgate financeiro de países em crise,
são contra direitos de homossexuais, aborto, liberalismo e globalização, e
combatem o que chamam de islamização. Suas principais legendas: Partido
Nacional Democrata Alemão (NPD), Partido dos Verdadeiros Finlandeses
(Finlândia), Aurora Dourada (Grécia), Partido da Independência do Reino Unido
(UKIP), Frente Nacional (França), Partido da Liberdade da Áustria (Áustria),
Jobbik (Hungria), Partido Popular da Dinamarca (Ver o artigo Extrema
direita: Eleições no Parlamento Europeu refletem avanço do conservadorismo publicado
no website
<http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/extrema-direitana-europa-resultado-das-eleicoes-no-parlamento-europeu-reflete-avanco-doconservadorismo.
htm>).
Um detalhe
importante é que alguns desses novos partidos compõem o que especialistas chamam
de nova extrema direita que não buscam se associar à extrema direita fascista.
Com os
resultados das eleições deste ano, os partidos de centro-direita vão compor a maior
bancada no parlamento europeu. Os principais motivos da ascensão dos partidos de
extrema direita seriam o declínio do estado de bem-estar social, que constituiu
uma espécie de identidade comum europeia após a 2ª Guerra Mundial, a atual
crise financeira, a existência de mais de 25 milhões de desempregados no
continente, o ressentimento e a descrença da população nos políticos aliado à
vontade de mudanças.
O que
chama atenção é a crescente adesão dos jovens europeus a movimentos nacionalistas,
principalmente através da internet. Os jovens revelam-se cada vez mais críticos
para com os seus governantes e a União Europeia, preocupados com o futuro (emprego e
educação), a identidade cultural e a influência islâmica na Europa. Além da
ascensão dos partidos de extrema direita, ocorre também a dos partidos de extrema
esquerda. As eleições legislativas antecipadas se aproximam na Grécia, e o partido da
esquerda radical Syriza, que promete cancelar o programa de austeridade e
anular a
dívida pública, está muito próximo do poder. Na Espanha, o partido de extrema esquerda
Podemos está se preparando para as eleições legislativas de 2015, com chances
de vitória. Em Portugal, no Chipre e na Irlanda, os movimentos de extrema esquerda
também têm atraído eleitores cansados do rigor econômico imposto "de
cima" pela União Europeia e nostálgicos de um Estado de Bem Estar Social
generoso. Seria o início de uma revolução? Seria mais uma reação de fúria,
encarnada em uma crítica radical do sistema capitalista que faz parte dessa
ascensão populista que vem crescendo no Velho Mundo?
Na Grécia,
o programa eleitoral do Syriza é centrado na recuperação econômica do país e no
fim do programa de austeridade econômica. O programa do Syriza prevê um corte da
maior parte da dívida pública que é considerada impossível de pagar
preconizando a adoção de medidas que não prejudiquem os povos europeus, além de
propor uma conferência europeia sobre a dívida. Após quatro anos de
austeridade, a Grécia está devastada não só economicamente, mas socialmente com
a existência de pessoas sem abrigo e sem segurança social, elevado nível de
desempregados, casas sem aquecimento, etc. Mesmo que o Syriza ganhe as
eleições, dificilmente terá a maioria no parlamento da Grécia. Enfim, o Syriza
não tem aliados. Vai ser complicado superar a crise da Grécia.
Na
Espanha, Uma nova forma de organização democrática está a agitar o mapa
político espanhol.
A plataforma Podemos ameaça diretamente o tradicional bipartidarismo PP (Partido
Popular) e PSOE (Partido Socialista) que se revezam no poder na Espanha há vários
anos. A plataforma Podemos preconiza a derrogação do Tratado de Lisboa
de 2007, a
saída do euro, a suspensão do pagamento da dívida pública (default), a nacionalização
da banca e de quase todos os setores estratégicos da economia, quer o voto das
pessoas humildes que historicamente depositavam sua confiança no PSOE e se sente
muito decepcionada porque há uma distância enorme entre o que o PSOE propõe e o
que depois faz. O sucesso do Podemos assenta na mobilização do que resta do movimento
dos “indignados” e, sobretudo, na penetração no eleitorado socialista. Propõe-se
transformar a indignação em mudança política.
Os
partidos de extrema esquerda como o Podemos na Espanha se formaram focando na luta
contra a opressão exercida pela União Europeia e pelo FMI contra o Estado de
Bem Estar Social e na defesa do bem-estar dos trabalhadores. Na Espanha, o
Podemos se alimenta também de uma oposição à uma Alemanha superpotente que
estaria tentada a "colonizar" Madri. O programa político do Podemos
propõe uma estratégia unificada com outros países do Sul da Europa, que estão
numa situação similar, considera que o Euro não serve ao país e o que interessa
é a reestruturação da dívida. Esses partidos de extrema esquerda têm prosperado
seguindo uma retórica abandonada pela esquerda moderada de luta por um projeto
de emancipação econômica coletiva rejeitando uma simples adaptação ao sistema
neoliberal. Em muitos países paira o sentimento de que os socialistas se
venderam ao neoliberalismo como ocorreu na França de François Hollande e no
Brasil com os governos do PSDB e do PT e que fracassaram na realização das
mudanças econômicas e sociais prometidas. Para enfrentar os problemas gerados
pelo neoliberalismo, os partidos de esquerda constituíram uma espécie de união sagrada
com os de direita para aprovar medidas impopulares cuja eficácia ainda não foi comprovada.
É
importante observar que são de esquerda, em princípio, partidos e movimentos
que se identificam com os interesses das classes subalternas. Diante do
fracasso na construção do socialismo no mundo e da impossibilidade de sua
realização no momento atual, vários partidos de esquerda, sobretudo os que
conquistaram o poder político em vários países, aderiram ao que é designado
como social-liberalismo. Michel Löwy, pensador marxista brasileiro radicado na
França, onde trabalha como diretor de
pesquisas
do Centre National de la Recherche Scientifique, afirma que o espírito
do
social-liberalismo
– e os governos do PT no Brasil o representam muito bem – é o seguinte:
“vamos fazer tudo o que pudermos pelos pobres com a condição de não mexer nos
privilégios dos ricos”. Essa é a fórmula do social-liberalismo, com variantes.
Cada país tem uma forma diferente de social-liberalismo, mas o funcionamento
fundamental é esse (Ver o artigo 2014: o fim das ilusões desenvolvimentistas
publicado no website <http://www.correiocidadania.com.br/index>).
Na Grécia,
em Portugal e na Espanha, por exemplo, seus governantes socialdemocratas não
aderiram sequer ao social- liberalismo abraçando, ao contrário, inteiramente as
teses neoliberais, em nome do pragmatismo, com base nas quais assinaram os
acordos de austeridade econômica com a União Europeia e o FMI que contribuíram
para a estagnação econômica e o aumento do desemprego nesses países. Além
disso, houve os escândalos de corrupção que, ao mancharem os partidos do
governo, estão incitando os eleitores desgostosos a votarem em movimentos
"antissistema". Os partidos da esquerda radical Syriza na Grécia e do
Podemos na Espanha têm por objetivo romper com as teses neoliberais
devastadoras da situação econômica e social desses países e de não adesão ao
social-liberalismo que, em última instância, significa a manutenção do neoliberalismo
com a concessão de “migalhas” aos mais pobres, como acontece no Brasil. Ao
contrário da extrema direita que preconiza destruir a União Europeia, os partidos
de extrema-esquerda buscam transformá-la. Não são contra a União Europeia, mas,
sim, são a favor de uma União Europeia diferente Os partidos de
extrema-esquerda se descrevem como antiliberal e pró-social (Ver o artigo Partidos
radicais de esquerda preocupam Bruxelas publicado no website <http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2014/12/27/partidos-radicais-deesquerda-
preocupam-bruxelas.htm>).
A raiz
histórica da esquerda radical é o internacionalismo ao contrário da direita
radical que tem
uma raiz mais estrutural associada ao nacionalismo. Em escala europeia, a direita
tem mais aceitação porque seu discurso é mais simples, ou mais simplista. Segundo
analistas políticos, a adesão ao internacionalismo poderia condenar a extrema
esquerda a ter um sucesso efêmero. Há quem admita que, para sobreviver, os
partidos da esquerda radical em breve poderão, cedo ou tarde, ficar tentados a
flertar com as ideias nacionalistas. O que alimenta o avanço da
extrema-esquerda é a tendência de que o império das ideias que glorificavam o
livre mercado parece estar no fim com o fracasso do neoliberalismo. O
neoliberalismo enriquece ainda mais os ricos e condenam os trabalhadores à
miséria em todo o mundo. O avanço dos partidos de extrema direita e extrema
esquerda na Europa coloca na ordem do dia a necessidade de a União Europeia
reformular sua política econômica que só beneficia a Alemanha e compromete a
economia dos demais países dela integrantes com a política de austeridade sem a
qual levará ao fim do bloco econômico.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des) ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case
of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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