Luiz Carlos Facó
O tempo é
inimigo da perpetuidade. Só a admite se convém para si mesmo. Por causa disso,
faz desaparecer até as mais comezinhas criações humanas: ritos, usos e
costumes, sobremodo, os folguedos urdidos para celebrar a alegria das pessoas.
Sou
passageiro da nau da vida, desde o finalzinho da década de trinta, do século
passado. Êta! Tempo bom, sem desprezar o atual, apesar do ônus pesado que nos
cobra por suas concessões.
Vivi, sem
conhecer os eventos carnavalescos da cidade do Salvador, entre a infância e a
adolescência, à época, denominados entrudos. Era refém de meus pais, em sua
casa de Mar Grande, na Ilha de Itaparica, em gozo de férias, entre os meses de
janeiro a março, de cada ano.
O carnaval
que conhecia era o dos “caretas” margrandenses, os banhos de mar à fantasia, e
as festas infantis promovidas pelo Clube dos Vinte, local, animadas por uma orquestra
“mequetrefe”, cujo único instrumento de sopro era uma velha tuba, que, numa
banda marcial, em desfile, ocupa o derradeiro lugar. Além, é verdade, das
composições do carnaval do ano, ecoadas pelas emissoras de Salvador, ouvidas,
ocasionalmente, quando a bateria do nosso rádio estava carregada. Na localidade,
não existia energia elétrica.
Só aos
quinze anos, tomei contato com o carnaval soteropolitano. E, me encantei.
Jamais vira a cidade tão bonita como estava. Cheia de bandeirolas, de
gambiarras donde brilhava um luzeiro acachapante, enormes quantidades de
serpentinas multicoloridas, passeios de ambos os lados de toda Av. Sete de
Setembro – do Forte de São Pedro à Basílica de São Bento – tomadas de
cadeirinhas e bancos, ali postadas pelas famílias desejosas em melhor apreciar
os bons momentos momesco. E, eram muitos.
Pela manhã a
passarela era tomada pelos mascarados. Chistosos, irreverentes, críticos, as
mais das vezes, inconvenientes, quando já se podia sentir o cheirinho
característico saído dos tubos dos
lança-perfumes, Rodouro e Colombina. À tarde, passavam as escolas de samba, os
cordões de índios,
Grupo de “caretas”
batucadas,
blocos e, por fim, acontecia o desfile dos grandes Clubes Carnavalescos: o Cruz
Vermelha, o Fantoches da Euterpe e o Inocentes em Progresso. Com direito a
príncipes, princesas, arautos, carros alegóricos, numa profusão de riqueza,
cores e mulheres bonitas, capazes de embasbacar qualquer vivente.
A essa
romaria de alegria, sucedia o famoso corso. Quem tinha limusines, sem capotas,
na cidade, saía para exibir-se, levando consigo o carro todo enfeitado entupido
de gente fantasiada, pulando e dançando numa alegria sem par, e sem hora para
acabar. Dali partiam para as festas dos
grandes clubes da elite baiana: Associação Atlética, Iate Clube e Baiano de
Tênis.
Era, aos
meus olhos de púbere, o maior espetáculo da terra.
Hoje,
passados sessenta anos, constato consternado, que o carnaval baiano deixou de
ser uma festa democrática. Da mistura de ricos, remediados e pobres, de negros,
brancos, pardos e mulatos. E os segregaram. Cada qual ficou no seu canto. Os
ricos e remediados, participando de Trios Elétricos acordoados e guardados por
severos vigilantes, e, os pobres, acompanhando-os do lado de fora. Como meros
“pipocas”, os que pulam fora das cordas.
Decepção
maior reside no constatar que acabaram com os blocos críticos sociais: “Cada
Ano Sai Pior”, “Mudança do Garcia”, “As Costureiras”, “Elas Vêm Aí”, com as
escolas de samba, “Filhos de Amaralina”, “Sem Tirar Nem Pôr” e outros tantos,
sobremodo, dos divertidos “caretas” e dos desfiles das grandes sociedades
carnavalescas.
O tempo
matou-os e, como sempre, fez valer sua máxima: aqui na terra o imortal sou eu.
AS SOCIEDADES
CARNAVALESCAS:
Corso
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