Colaboração de Fernando
Alcoforado*
O mundo se
defronta na era contemporânea com várias crises, econômica, política,
social e
ambiental. A cada dia que se passa, essas crises se aprofundam, seja nos planos
nacionais, seja em escala planetária. Mas, a maior crise vivida hoje pela
humanidade é, sem sombra de dúvidas, a crise intelectual do pensamento que se
constitui no principal obstáculo à superação das demais crises e à construção
de uma nova sociedade e nova ordem mundial centradas no real progresso
econômico, político, social e ambiental. A crise intelectual do pensamento da
era contemporânea é que faz com que o mundo em que vivemos funcione de forma
caótica como uma nave à deriva rumo ao desastre.
O mundo
passa por um período conturbado na era contemporânea em que tudo é varrido pela
velocidade das mudanças nos campos econômico, político, social, tecnológico e ambiental.
Se por um lado existe otimismo com a perspectiva de avanço do progresso científico
e tecnológico, existe também um grande pessimismo diante da perda dos valores e
referenciais do passado e da falta de sentido da vida. Embora nos séculos XVIII
e XIX o progresso da civilização europeia despertasse entusiasmo, esse sonho se
dissipou ao longo do século XX que foi uma época devastada por guerras em
escala jamais vista, ditaduras, explosão populacional, vastas áreas de pobreza
extrema, entre outros problemas, que contribuíram para que fosse colocada em
xeque a ideia de progresso.
No século
XX, desapareceram as utopias como a da edificação de um mundo melhor, de uma
sociedade sem classes sociais com o fim da União Soviética, e em seu lugar surgiram
distopias como as do sociólogo Oswald Spengler com sua obra Le Déclin de L´Occident
(O declínio do Ocidente) (Paris:
Gallimand, 1976) que dizia no início do século XX
que o Ocidente já havia há muito atingido o seu apogeu e que, portanto, só lhe
restava o declínio e as de Aldous Huxley com sua obra Admirável mundo novo (Rio: Editora
Globo de Bolso, 2015) e George Orwell com sua obra 1984 (São Paulo: Companhia
das Letras, 2009) que vislumbravam um futuro sombrio para a humanidade.
Este clima
pessimista não se limitou à primeira metade do século XX se estendendo também
para o período posterior à Segunda Guerra Mundial. Embora neste período tenha
havido momentos de grande otimismo como durante os “anos gloriosos” das décadas de
1950 e 1960 de expansão da economia mundial que logo tenderam a se dissipar
em meio às sombrias décadas de 1970 e 1980 de declínio do sistema capitalista mundial
culminaram atualmente com a crise econômica mundial de 2008 e a escalada global
do terrorismo.
Na era
contemporânea, a razão e a ciência entraram também em crise profunda com a derrota
dos paradigmas do Iluminismo e da Modernidade na segunda metade do século XX
que foram substituídos pelo novo paradigma da Pós-Modernidade que, segundo seus
ideólogos, não existem verdades. Após declarar que todos os sistemas anteriores
estavam errados, o pós-modernismo chegou também à trágica conclusão de que nada
pode ser conhecido. Os pós-modernistas não acreditam na razão. Para os
pós-modernistas, mesmo a ciência seria apenas uma entre várias formas de se
conhecer a realidade, sem nada dizer respeito à verdade. O pensamento
pós-moderno é convergente com o niilismo do filósofo alemão Friedrich Nietzsche
que em sua obra, A Vontade de Potência (Petrópolis: Editora Vozes,
2011), afirmou que a solução para a crise estava na rejeição da razão e no
retorno dos profetas, que deveriam, não através da razão, mas da determinação,
fundar novos valores que iriam guiar os povos e erguer novas civilizações. É
preciso não esquecer que Nietzsche foi o grande ideólogo do nazismo.
Nietzsche
via como inevitável em um mundo relativista, a tolerância a todos os valores e modos de
vida, pois todos eram igualmente válidos. Esta visão é convergente com a opinião de
muitos autores pós-modernos que define a Pós-modernidade como a época das
incertezas, das fragmentações, das desconstruções, da troca de valores. Esta
nova interpretação
de Nietzsche está nas bases do pensamento do século XX. Desta forma, o irracionalismo
nietzscheano penetrou na sociedade contemporânea. Tudo leva a crer que prevalecendo
no mundo de hoje o pensamento niilista de Friedrich Nietzsche reforçado pelo
paradigma pós-moderno, a humanidade caminhará inevitavelmente para o desastre econômico,
político, social e ambiental que poderá ameaçar sua sobrevivência.
O
desaparecimento no mundo de hoje das ultimas reservas de racionalidade crítica preconizada
pelo Iluminismo e pela Modernidade, que se degradaram em sucessivos processos
de autodestruição ao longo do tempo do século XVIII aos tempos atuais, abriram
caminho para a Pós-Modernidade que representa uma gigantesca ameaça para o progresso
da humanidade. Ressalte-se que os ideólogos da Pós-Modernidade defendem a tese
de que, na construção de seu futuro, os povos do mundo inteiro devem se limitar
às seguintes alternativas: 1) capitulação/resignação/conformismo com a vitória
histórica do capitalismo globalizado neoliberal; ou então, 2) contestar a ordem
vigente, mas não a partir de uma perspectiva totalizante, global que leve à
substituição do capitalismo, mas sob uma ótica fragmentada de lutas. A postura
prática do pós-modernismo é de não contestar a lógica capitalista como ela é de
fato. Deliberadamente, a Pós-modernidade defende a tese de que é impossível
contestar um sistema vitorioso e que veio para ficar, o capitalismo neoliberal.
Pelo
exposto, trata-se de um imenso desafio para os pensadores contemporâneos estabelecer
novos paradigmas e novos valores de comportamento racional a serem formulados
para a sociedade humana na era atual visando derrotar a nefasta influência política
e ideológica da Pós-Modernidade que, do ponto de vista político, sustenta ideologicamente
o neoliberalismo e a globalização contemporânea. Não resta outro caminho para
os homens e mulheres de pensamento da era contemporânea senão reinventar o
Iluminismo ajustado aos tempos atuais para que ele possa indicar os caminhos
que a humanidade terá de trilhar visando a construção de um mundo melhor.
Os
pensadores contemporâneos precisam se mobilizar urgentemente na reinvenção do projeto
iluminista como fizeram os pensadores do século XVIII visando a construção de um
mundo novo que leve ao fim o calvário sofrido pela humanidade.
Sobre o
Iluminismo do século XVIII, é importante observar que seus ideólogos usaram valores da
ciência clássica para forjar uma nova visão de mundo, baseada na igualdade de todos
os seres humanos. Precisamos de um novo Iluminismo, para o século XXI. No centro do
novo pensamento, deve estar a proteção de todas as formas de vida e do planeta. O
único progresso humanamente relevante é o que contribui de fato para o bem-estar
de todos que os automatismos do crescimento econômico não bastam para assegurá-lo.
O progresso, nesse sentido, não deve ser visto como uma doação espontânea
da técnica, mas uma construção intencional pela qual a humanidade decide o que
deve ser produzido, como e para quem, evitando ao máximo os custos sociais e ecológicos
do capitalismo selvagem. Esse progresso não pode depender nem de decisões
empresariais isoladas nem das diretrizes burocráticas de um Estado centralizador,
e sim de decisões tomadas pela própria sociedade. O
Iluminismo do século XXI deve manter sua fé na ciência que precisa ser
controlada
socialmente
e que a pesquisa científica e tecnológica precisa obedecer a fins e valores estabelecidos
com base no consenso social, para que ela não se converta numa força cega, a
serviço da guerra e da dominação. Deve assumir sua bandeira mais valiosa que é a
dos direitos humanos, sem ignorar que só profundas reformas sociais e políticas podem
assegurar sua efetiva realização. Deve combater o poder ilegítimo, consciente
de que ele não se localiza apenas no Estado tirânico, mas também no seio da
sociedade.
Deve lutar
sem quartel pela liberdade e contra a opressão de qualquer espécie e edificar uma
nova ordem mundial que seja capaz de organizar não apenas as relações entre os homens
na face da Terra, mas também suas relações com a natureza. Deve elaborar um contrato
social planetário que possibilite o desenvolvimento econômico e social e o uso racional
dos recursos da natureza em benefício de toda a humanidade.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário
e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial,
planejamento regional e
planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora
Nobel, São Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel,
São Paulo, 1998), Um
Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken,
Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e
Editora, Salvador,
2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao
aquecimento global (Viena-
Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores
Condicionantes do Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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