segunda-feira, 9 de março de 2015

DO TRENZINHO DE CORDA AO COMPUTADOR SOFISTICADO

 

Crônica de Luiz Carlos Facó
em agradecimento ao compadre Hélbio Palmeira
  

 Assuntei, coligi vocábulos, formei orações, dias e dias seguidos para dar forma a este texto. Contudo ele não saía. Não fluía da maneira como desejava. Havia sempre um travo, um óbice a emperrá-lo. O maior deles não era conseguir o tom apropriado para revelar toda a minha emoção e o meu agradecimento pelos sentimentos que pouco antes experimentara. Muitas vezes eu achava que as cores ali empregadas apresentavam-se tíbias, mornas, quase desbotadas. Outras tantas as considerei como pouco representativas do meu estado d’alma. Texto para mim tem de ser forte. Vestir-se com a força do meu interior e adornar-se com a alegria do espírito.

Nesse lapso de tempo de luta com as ideias e palavras, quase ensarrilhei as armas. Depus a caneta. Rasguei os papéis. Deliguei o computador, novinho em folha, cheio de efes e erres.
Acho que era desse choque de que eu necessitava. Porque, a partir daí, as ideias me vieram maciças, brilhantes como relâmpagos em noites de tempestade, fortes como maçaranduba, madeira de dar em doido, ternas e envolventes como canções de ninar.

Quando criança, o meu maior desejo era ter um trenzinho elétrico. Igual àqueles que apareciam nos filmes americanos, manipulados por crianças saudáveis, louríssimas, filhas, talvez, de um rico industrial, um importante comerciante ou de um milionário excêntrico. Semelhantes aos expostos nas vitrines do magazine Duas Américas. Lembram-se? Constituído de uma locomotiva puxando vagões de passageiros e cargas, percorrendo metros e metros de trilhos, soltado fumaça, apitando com estridência, atravessando cidades, pontes, túneis, vales, montanhas, margeando plantações e pastos onde o gado ruminava bocados de capim, dando-me a impressão de possuir a paciência de Jó. Essa quimera jamais pude ver realizada. Meu pai, servidor público, ganhando o mínimo indispensável para sobreviver – o tempo passa, os problemas continuam os mesmos – não se podia dar ao luxo de presentear-me com um brinquedo tão custoso. Contudo, num Natal que jamais esquecerei, recebi dele, vestido de Papai Noel, com barba branca, capuz vermelho, um trenzinho de corda – locomotiva e quatro composições – capaz de percorrer um metro e meio de trilhos.


Para quem sonhara receber tanto e ganhara tão pouco, poderia a muitos parecer frustrante. No entanto, para mim, aquele foi o mais belo e instigante presente recebido em toda a minha vida. Tanto que meu coração estremecia, rateava – parecia carro enguiçado pegando no tranco. As lágrimas teimavam em cair dos olhos, como as águas caem de uma cachoeira volumosa, sem que pudesse detê-las. A voz me negava tartamudear um obrigado, desaparecida como estava naquele emaranhado de aprazíveis sentimentos. Felizmente, em agradecimento – os gestos e atitudes não me faltaram – consegui dar um abraço no velho Noel e um beijo em minha mãe.

Durante uns dois anos ou três, senti-me o mais próspero e venturoso dono de ferrovia na face da terra. Sem ser um Phileas Fogg ou um Passapartout, personagens de Júlio Verne, em a Volta do Mundo em Oitenta Dias, naquele metro e meio de trilhos dei milhares de voltas em torno da Terra. Fui ao Oeste americano e vi a odisseia dos índios, lutando contra os invasores de suas terras. Estive perto dos irmãos Jassie e Frank James, facínoras que assaltavam diligências e trens. Cheguei a Pequim e pude ver a Cidade Proibida. No Japão, conheci os samurais. Hiroshima e Nagasáqui prostradas pela insensatez humana. Na Índia, participei da proclamação da república. Acompanhei a caminhada, sem violência, ideada e liderada por Gandhi. Vi Paul Gauguin pintando seus quadros no Taiti. Nas estepes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, conheci os gulacs. Na Europa, castigada pelos bombardeios da II Grande Guerra, vi cidades arrasadas, enfrentando novas lutas para reerguerem-se. No Egito, muito mais que as Pirâmides e as Esfinges, vi o carisma do líder nacionalista, Abdel Gamal Nasser,  lutando pela independência do mundo árabe. Foram tantas aventuras quantas pude naqueles momentos imaginar.

Périplos maravilhosos, que me deixam saudades.
Agora, vivendo os juros que a vida graciosamente me concede, sem muita fé no futuro, experimento, novamente, aquela mesma sensação do dia em que recebi aquele trenzinho.  E a possibilidade de poder continuar a viajem interrompida. Não naquele trenzinho, que aposentei antes do início da minha adolescência. Mas pelas ondas da internet a partir do computador incrementadíssimo, cheio de programas sofisticados, que ainda não sei utilizar, que vocês me deram, você, meu compadre Hélbio Palmeira e Meivinha. Capazes de levar-me a lugares inimagináveis. Fazendo-me ultrapassar fronteiras terrestres, lançando-me às portas das galáxias, dos buracos negros, dos astros, estrelas e satélites. Dos sóis de primeira à última grandeza.  Essas ondas restituem-me a curiosidade e a imaginação do desbravador aventureiro que fui, julgadas perdidas.

Debito a vocês, queridos amigos, que vivem em meu coração como meu pai e minha mãe, que me presentearam com aquele trenzinho encantado, transformado pela misteriosa e pródiga varinha de condão que vocês empunham, neste computador – de não sei quantos megas – em que registro este agradecimento.

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