Em
homenagem a todas as mulheres no dia Internacional mulher
“Não existiam prédios e não havia aterro na
Enseada de Botafogo quando, do alto dos seus 12 anos, ela entrou no coração de
Joaquim Nabuco, o futuro gigante do abolicionismo, e para sempre permaneceu lá:
sem casamento, por desejo da própria Eufrásia, mas com paixão carnal e
intelectual, brigas e uma coleção de cartas, que, segundo a lenda, ela levou
para o túmulo. Com o corpo feito para o pecado – e livremente usado para isso –
e uma cabeça boa para negócios, foi morar em Paris, onde aumentou a fortuna familiar
como investidora profissional e ficou conhecida como a dama dos diamantes.”
Eufrásia Teixeira
Leite (Vassouras, 1850 — Rio de Janeiro, 1930) foi
uma investidora financeira
e filantropa brasileira. Deixou em testamento uma
fortuna que poderia comprar 1.850 quilos de ouro, aos preços da época, e cuja maior parte foi
legada a instituições assistenciais e educacionais da cidade de Vassouras. Sozinha, Eufrásia multiplicou várias vezes a
fortuna da família e seria bilionária,
nos padrões atuais.
Era filha caçula do Dr. Joaquim José Teixeira Leite e Ana Esméria
Correia e Castro, sendo neta paterna do barão de Itambé, neta materna do barão de Campo Belo, sobrinha do barão de Vassouras e sobrinha-neta do barão de Aiuruoca. Tinha uma
única irmã, Francisca Bernardina Teixeira Leite (1845-1899), e um
irmão que morreu na infância.
A família de seu
avô paterno já era muito rica quando se mudou de Conceição da Barra de Minas para Vassouras. Seu pai e
seu tio barão de Vassouras se estabeleceram como capitalistas, fundando,
no Rio de Janeiro, a empresa "Casa
Teixeira Leite & Sobrinhos", que emprestava dinheiro a juros e
realizava intermediações financeiras com os prósperos fazendeiros de café. Por
outro lado, a família de sua mãe era composta somente por ricos plantadores
de café, sendo ela
membro da tradicional família Correia e Castro.
Recebeu uma
educação aristocrática na escola de moças de madame Grivet, que existia na
localidade de Comércio, hoje Sebastião Lacerda, Vassouras. Além do ensino básico, aprendeu boas maneiras, a falar
fluentemente o francês e a
tocar piano.
Com a morte de seus
pais, em 1872, Eufrásia
e sua irmã herdaram uma fortuna de 767:937$876 réis (767 contos, novecentos e
trinta e sete mil, oitocentos e setenta e seis réis), o que equivalia na época
à dotação pessoal do imperador D. Pedro II ou a 5% das exportações brasileiras.
Logo depois, em 1873, morreu
sua avó, a baronesa de Campo Belo, e as irmãs
receberam, como herança, mais
106:848$886 (cento e seis contos, oitocentos e quarenta e oito mil e oitocentos
e oitenta e seis réis) na forma de títulos e escravos, que logo foram vendidos.
Na época, a região
de Vassouras entrava em decadência, devido ao esgotamento do solo e ao
envelhecimento dos escravos, mas os bens das irmãs não eram fazendas de café;
elas possuíam apólices de títulos da dívida pública do Empréstimo
Nacional de 1868, ações do Banco do Brasil, depósitos
bancários, títulos de crédito de pessoas, apenas 12 escravos, uma casa no Rio de Janeiro e uma grande propriedade urbana em Vassouras,
atualmente conhecida como Casa da Hera ou Chácara da Hera, onde residiam com seus pais.
Jovens e solteiras,
as irmãs venderam ações, títulos e a casa do Rio de Janeiro, cobraram créditos, alforriaram os
escravos, fecharam a casa da chácara, deixando dois empregados incumbidos de sua conservação,
e partiram, em 1873, para
residir em Paris.
Eufrásia, além de inteligente e hábil com negócios, foi uma
mulher muito bela, como mostram diversos quadros e retratos.
Quando viajou para
a Europa, conheceu no navio o diplomata Joaquim Nabuco e
iniciou um namoro com ele. As cartas amorosas
que recebeu de Joaquim Nabuco foram, diz a tradição, por expressas instruções
dela, encerradas em seu caixão. Já as
cartas e bilhetes que enviou a Joaquim Nabuco, estão guardadas no Instituto
Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, em Recife. Algumas
dessas cartas sugerem que algo muito íntimo, para além dos padrões da época,
teria ocorrido entre os dois.
Joaquim
Nabuco
A maior parte do
romance ocorreu na Europa, onde Eufrásia tinha interesses financeiros e
mundanos. Joaquim Nabuco, porém, tinha ambições políticas no
Brasil. O romance durou de 1873 até 1887, quando
Eufrásia remeteu a última carta para Joaquim Nabuco. Dois anos depois, ele se
casou com Evelina Torres Soares Ribeiro. Eufrásia jamais se casou.
Eufrásia tinha o espírito empresarial da família e investiu sua fortuna
e a da irmã em vários países europeus, comprando ações de empresas que
produziam com as novas tecnologias da Segunda Revolução Industrial e participando da internacionalização de
capitais que ocorria na época. Consta ter sido a primeira mulher a entrar no
recinto da Bolsa de
Valores de Paris.
Instalou-se em
Paris, residindo depois de 1884 com a
irmã em um hôtel particulier de cinco andares, na rua Bassano 40, 8ºarrondissement, próximo ao Arco do Triunfo, endereço
sofisticado até os dias atuais. As irmãs viviam uma vida recatada, mas
participavam da vida social parisiense. Eufrásia integrou o círculo das
amizades mais próximas de Dona Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, quando esta
estava já no exílio na França.
Sua irmã, Francisca
Bernardina, tinha uma séria deformação na bacia e
morreu em 1899, em Paris, sem ter
se casado. Assim, Eufrásia herdou também a fortuna da irmã.
Entre 1874 e 1928 veio
somente duas vezes ao Brasil, mas
viajou para diversos outros países. Viu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
na Europa e lamentou os danos causados aos prédios.
Eufrásia
Teixeira Leite
Foto do obituário publicado em jornais.
Foto do obituário publicado em jornais.
Retornou
definitivamente para o Brasil em 1928 e
passou temporadas na Casa da Hera, em Vassouras.
Mantinha-se quase como reclusa, tanto que até comprou, em 1924, a chácara
do Dr. Calvet, ao lado da chácara da Hera, apenas para manter-se longe dos vizinhos.
Viveu seus últimos anos no Rio de Janeiro, em um
apartamento em Copacabana, cercada de empregados fiéis, excêntrica e
solitária. Queria retornar para Paris, mas tinha problemas renais que a impediram
de viajar.
Sem
"descendentes nem ascendentes", seu primeiro testamento legava toda a
sua fortuna para o Instituto das Missionárias do
Sagrado Coração de Jesus, instituição católica com sede em Roma, mas que
geria diversos estabelecimentos de instrução no Brasil. Um segundo
testamento, feito as vésperas de sua morte, legou praticamente toda a sua
fortuna para obras de caridade, a serem realizadas por instituições da cidade
de Vassouras.
Foi enterrada
no Rio de Janeiro. Posteriormente, seu corpo foi exumado e enterrado no mausoléu de seu avô, o primeiro barão de Itambé, em Vassouras. No local
não há lápide que indique a sepultura de Eufrásia.
No dia da sua
morte, um primo distante de Eufrásia, Antônio José Fernandes Júnior,
praticamente furtou o original do seu testamento da cabeceira da sua cama a fim
de evitar que o documento fosse extraviado por outros parentes.
Foram nomeados
quatro inventariantes para
o espólio de
Eufrásia, porém um deles morreu logo depois, e outro pediu para que se
retirasse seu nome. Restaram apenas os irmãos Antônio José Fernandes Júnior, que
inventariou os bens do Brasil, e Raul Fernandes, que
inventariou os bens do exterior.
O testamento foi
contestado judicialmente pelas primas Umbelina Teixeira Leite dos Santos
Silva, baronesa de São Geraldo, Cristina Teixeira
Leite d´Escragnolle Taunay, viscondessa de Taunay, e Francisca Teixeira Leite Brhuns. A elas
juntaram-se outros primos do lado paterno de Eufrásia, representados por
advogados que também eram da família Teixeira Leite. Os advogados desses
herdeiros deserdados alegaram a insanidade de Eufrásia devido a "uma
moléstia crônica [de rins (sic)], de natureza gravíssima, que se veio
processando com lentidão, aniquilando a paciente não só fisicamente como também
mentalmente". Entretanto, as cartas que Eufrásia escreveu
pessoalmente, nos meses que antecederam sua morte, provam que ela se mantinha,
aos 80 anos, completamente lúcida e ainda gerindo seus negócios.
Em um confronto
judicial que durou seis anos, os herdeiros da família Teixeira Leite foram
afinal derrotados pelos inventariantes, Antônio José Fernandes Júnior e Raul
Fernandes, que eram advogados.
Em agosto de 1937, quando os
herdeiros deserdados da família Teixeira Leite tentaram reabrir o processo
judicial de impugnação do testamento, a população de Vassouras revoltou-se,
fechou o comércio, cercou o fórum durante as audiências e ameaçou os advogados.
A polícia foi chamada pelo juiz, mas o delegado disse que os policiais tinham
saído da cidade. Os advogados fugiram pelos fundos do fórum, e os
incidentes pararam aí. Um decreto presidencial, feito em plena ditadura
de Getúlio Vargas, determinou que, em todos os casos, somente podiam
herdar os parentes colaterais até segundo grau, o que então calou parte dos
herdeiros deserdados.
Apesar disto, os
primos do lado materno, os Correa e Castro, conseguiram obter uma parte da
herança, com base no testamento de D. Ana Esméria, mãe de Eufrásia, feito
em 1872. Segundo o
documento, se Eufrásia e a irmã morressem solteiras e sem filhos, uma parte dos
bens de D. Ana Esméria, anexados à herança das filhas, deveria passar para
algumas de suas sobrinhas. Com isto, a Justiça decidiu pela distribuição de
valores da herança de Eufrásia para os inúmeros herdeiros descendentes destas
primas Correa e Castro.
Durante mais de
vinte anos, os irmãos Antônio José e Raul Fernandes atuaram como testamenteiros.
O documento resultante abrange 30 volumes de manuscritos que estão depositados
no Centro de Documentação Histórica de Vassouras.
Busto de
Eufrásia Teixeira Leite nos jardins do
Colégio Sul-fluminense de Aplicação
Colégio Sul-fluminense de Aplicação
A fortuna que
Eufrásia tinha herdado dos pais, da avó e da irmã tinha crescido muito com seus
investimentos, apesar da grande depressão de 1929 e das perdas
com empresas russas confiscadas pela revolução comunista de 1917. Era tão grande
que o atestado de óbito de Eufrásia registra que exercia a profissão de
"milionária".
O espólio tinha um
valor estimado em 37 milhões de réis, o que poderia comprar 1.850 quilos de
ouro na época. Em sua maior parte, constituía-se de ações de 297 empresas, de dez países diferentes,
além de títulos de dívidas de governos. Partes menores eram a casa em Paris (que
na época valia 2 milhões de francos e atualmente valeria mais de 10 milhões
de euros) e um
loteamento de 49 terrenos na atual rua Pompeu Loureiro, em plena época de
crescimento imobiliário de Copacabana. O
menos valioso dos bens imóveis legados foi provavelmente a Casa da Hera, com seus móveis, decoração e utensílios
domésticos, avaliada em 96:700$000 (noventa e seis contos e setecentos mil
réis), cuja área tinha sido aumentada com a compra da chácara do Dr. Calvet,
avaliada em 44:050$000 (quarenta e quatro contos e cinquenta mil réis).
Os principais
herdeiros de Eufrásia foram a Santa Casa de Misericórdia de Vassouras, o
Instituto das Missionárias do Sagrado Coração e o Colégio Salesiano de Santa
Rosa de Niterói. Os
dois últimos deveriam fundar dois colégios para meninas e meninos pobres, cada
um mantendo cinquenta órfãs e órfãos, e outros estudantes pagantes. O Colégio
Salesiano de Santa Rosa de Niterói recusou
a incumbência e sua parte, conforme o testamento foi passada para a Santa Casa
de Misericórdia de Vassouras.
Valores menores
foram legados para a Fundação Osvaldo Cruz, para o agente de Eufrásia em Paris, para alguns
primos e empregados domésticos. Dinheiro em espécie foi destinado aos pobres
de Vassouras e aos
mendigos que moravam na rua em que Eufrásia residira em Paris.
As cartas que
enviava para seus empregados mostram que eram bastante autoritária e detalhista
nos seus pedidos, mas que, entretanto, pagava a todos muito bem. Todos os seus
empregados receberam boas doações em vida ou legados no seu testamento. Para um
ex-escravo, doou em vida uma casa no Rio de Janeiro. A filha
deste escravo, Cecília Bonfim, que também foi sua empregada, afilhada e
herdeira, repetiu o seu gesto e deixou um testamento legando seus bens aos
pobres de Vassouras.
Nos terrenos
deixados por Eufrásia, em Vassouras, foram construídos o Instituto Feminino
para moças pobres, o Colégio Regina Coeli para moças, o SENAI, o atual fórum,
delegacia e muitos outros prédios. O Hospital Eufrásia Teixeira Leite foi
construído com os recursos que legou.
O testamento de
Eufrásia tem várias exigências que prejudicaram o atingimento dos seus
objetivos devido a fatos posteriores imprevisíveis. Todos os bens foram legados
sob cláusulas de inalienabilidade e da insubrogabilidade que deviam
protegê-los. Os valores obtidos com as vendas das ações foram aplicados
em apólices do Tesouro Nacional, cujos
juros deveriam financiar as instituições criadas, como o Instituto Feminino e o
hospital. Entretanto, a hiperinflação brasileira
destruiu o valor original das apólices do Tesouro. Como resultado, a Santa Casa
de Misericórdia de Vassouras e o
Hospital Eufrásia Teixeira Leite passam hoje por séria crise financeira.
Uma das cláusulas
do testamento de Eufrásia pedia "conservar a Chácara da Hera com tudo que nela existisse no mesmo estado
de conservação, não podendo ocupar ou permitir que fosse ocupada por
outros". Assim, a residência
de seus pais em Vassouras é
hoje o Museu Casa da Hera, considerada
o melhor exemplo preservado de habitação urbana de famílias ricas do vale
do Paraíba do Sul no século XIX.
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