sábado, 7 de março de 2015

MEDIDAS LEGAIS CONTRA A MOROSIDADE DA JUSTIÇA

                                    Raymundo Pinto


Há, sem dúvida, uma quase unanimidade na sociedade em entender que o Poder Judiciário, no nosso País, costuma atuar com excessiva morosidade. Muitos estudos e trabalhos de gente capacitada se debruçaram em analisar as principais causas desse grave problema. É inegável – e reconhecível pelos mais lúcidos – que concorrem para tanto um complexo de fatores. Existem desde razões históricas e culturais até outras atuais que envolvem questões estruturais, de limitação de recursos públicos, de deficiência da formação profissional dos operadores do Direito, etc. Embora não se possa eleger um fator predominante, com frequência surge a opinião de que a situação poderia melhorar consideravelmente “se não fossem tantos os recursos”

Em 2010, o eminente Ministro do STF Cezar Peluso (hoje aposentado), em entrevista a um jornal paulista, sustentou uma tese radical e revolucionária, pregando que, contra decisões desfavoráveis em primeira instância, a parte sucumbente deveria ter direito a um único recurso. Segundo ele, é um absurdo que, no Brasil, os processos tenham possibilidade de percorrer nada menos do que quatro instâncias (vara, tribunais estaduais ou regionais, STJ ou TST e STF). Aos que alertavam para um possível aumento das injustiças, ele argumentou que caberiam aos Tribunais Superiores reformar as decisões equivocadas, ilegais ou injustas, porém o fariam mediante ações rescisórias, começando, de imediato, a execução da denominada “coisa julgada”. O novo CPC – Código de Processo Civil, já aprovado no Congresso Nacional e apenas esperando a sanção da presidente Dilma, infelizmente não adotou as ideias de Peluso. Juristas e parlamentares não tiveram a coragem de “ousar” tanto. No entanto, deve-se reconhecer que existe um esforço em aprovar leis e emendas constitucionais na tentativa de, ao menos, diminuir os efeitos negativos da verdadeira avalanche de recursos que inundam nossos tribunais. Em apertada síntese, tentaremos informar a seguir, ao público leigo de jornal, as principais medidas legais que vêm sendo implementadas.


Um primeiro passo importante com vistas a simplificar a tramitação dos recursos veio com a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, que implantou a Súmula Vinculante no STF. Bem antes, diversos tribunais adotavam a aprovação de súmulas, ou seja, consagrar num enunciado claro e preciso um entendimento jurídico que se tornou predominante na jurisprudência, tornando-o um paradigma para futuros julgamentos. Leis dificultaram o andamento de certos recursos impetrados contra decisões contrárias às súmulas, mas faltava algo para terem mais força. Quando expedidas pelo STF – por serem vinculantes – obrigam todos os magistrados do país e também a administração pública. Outro avanço foi a Lei n. 11.418, de 2006, que acrescentou os arts. 543-A a 543-C ao CPC, determinando que o Supremo somente conheça os recursos extraordinários que venham a receber a classificação de “repercussão geral”. Isso significa que, não tendo a questão constitucional relevante interesse econômico, político, social ou jurídica, tais recursos não serão sequer apreciados. Também a repercussão geral será proclamada na hipótese em que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência predominante do Tribunal. Negada a repercussão, os recursos sobre matéria idêntica serão sempre indeferidos liminarmente. Essa providência legislativa diminuiu bastante o abuso com expedientes protelatórios mediante os recursos extraordinários.

O novo CPC vem trazendo mais uma novidade com a mesma finalidade. Introduziu o chamado “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”. Pelo vigente CPC, tanto o STF como o STJ podem julgar em conjunto recursos em que há “multiplicidade” deles, desde que fundamentados em idêntica controvérsia ou idêntica questão de direito. É comum que determinadas graves questões jurídicas nacionais controvertidas tomem grande vulto e gerem uma quantidade enorme de ações. Reunindo-as para um julgamento único, os processos tornam-se mais céleres, mas o sistema atual tem limitações. O novo CPC, que entrará em vigor após um ano de publicação da respectiva lei, regula melhor a matéria e até determina que, julgado o incidente, a tese jurídica resultante será aplicada a todos os processos, presentes e futuros, que versem sobre idêntica questão de direito.

Na esteira dessas medidas, a Justiça do Trabalho também dispõe agora de legislação sobre o assunto. Aprovada em julho/14 (com vigência 60 dias depois), a Lei n. 13.015 alterou vários artigos da CLT para, principalmente, adotar o julgamento único dos recursos de revista repetitivos em moldes bem semelhantes aos previstos no novo CPC. A mesma lei modificou outras normas referentes a recursos. O Ministro baiano Cláudio Brandão, membro daquela alta Corte, acaba de brindar os profissionais do Direito com uma excelente obra intitulada “Reforma do Sistema Recursal Trabalhista – Comentários à Lei n. 13.015/2014”, que, desde já, se tornou um guia imprescindível de consulta para que sejam entendidas e aplicadas as modificações introduzidas pela recente lei.

Como se observa, este despretensioso artigo teve por finalidade apenas dar um sucinta notícia do que, em termos de mudança de legislação, tem-se realizado para combater a morosidade da Justiça, simplificando e racionalizando a tramitação dos recursos. O caminho a trilhar ainda é muito longo, mas – reconheça-se – passos iniciais e firmes estão sendo dados.
- - - - - -
Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário