Fernando Alcoforado*
A Operação
Mãos Limpas foi uma investigação judicial de grande envergadura na Itália que
visava esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990. A partir da prisão de
um militante do Partido Socialista Italiano (PSI), Mario Chiesa, acusado de cobrar
propina na instituição que dirigia, desencadeou-se a megaoperação de investigações
criminais. Com a Operação Mãos Limpas foram condenados políticos, empresários
e agentes públicos e privados. O poderoso Bettino Craxi, principal líder do PSI e
ex-primeiro-ministro da Itália, foi punido por prática de corrupção e financiamento
ilegal de campanhas eleitorais. Pesou a confissão do empresário Salvatore
Ligresti de que sua empresa pagava propina ao PSI e ao próprio Craxi para conseguir
obras desde 1985 (Ver o artigo de Carlos Ramos, professor, consultor e doutor em
ciência política pela Universidade Federal de São Carlos – Ufscar, sob o título Resultados
da Operação Mãos Limpas publicado no website
<http://www.comerciodojahu.com.br/post?id=1319529&titulo=Resultados+da+Opera%
C3%A7%C3%A3o+M%C3%A3os+Limpas>).
No artigo
acima citado, Carlos Ramos afirma que ficou provado o tráfico de influência e corrupção
em contratos milionários envolvendo a ENI, a empresa petrolífera estatal italiana.
A Operação Mãos Limpas comprovou que a estatal petrolífera ENI funcionava como uma
das principais fontes para o financiamento ilegal de partidos e políticos italianos.
Florio Fiorini, diretor financeiro, e Gabriele Cagliari, presidente da ENI, confessaram
que durante anos a empresa efetuava pagamentos mensais aos principais partidos
políticos e seus líderes. Cagliari cometeu suicídio na prisão. Além dos
esquemas
de corrupção, a Operação Mãos Limpas revelou também as relações do Estado
italiano com o crime organizado. Giulio Andreotti, líder da Democracia Cristã (DC) e
ex-primeiro-ministro da Itália, foi também processado por associação com a máfia.
Segundo as investigações, Andreotti era ligado ao mafioso Salvatore “Totó” Riina, na
época o “chefe dos chefes” (“capo di tutti capi”) da Cosa Nostra, que segundo consta
negociava contratos e intermediava transações lícitas e ilícitas com o governo.
É muito
grande, portanto, a semelhança entre a Operação Mãos Limpas da Itália e a
Operação
Lava Jato do Brasil.
Da
Operação Mãos Limpas resultou a decadência política e eleitoral dos principais partidos
da época, o PSI (Parido Socialista) e o DC (Democrata Cristão). As forças políticas
que dominavam a Itália desde o pós-guerra viram seu poder ruir e desaparecer.
A força
dos acontecimentos foi tão grande que os historiadores consideram que a Operação
Mãos Limpas pôs fim à chamada Primeira República Italiana. Carlos Ramos, autor do
artigo acima citado, afirma que, da experiência italiana, pode-se aprender que
a deslegitimação do sistema político, por si só, não é capaz de provocar as
mudanças necessárias. É preciso, como houve por lá, participação efetiva da
opinião pública na luta contra a corrupção. Carlos Ramos ressalta o
posicionamento do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela operação Lava Jato
no Brasil, que em artigo por ele publicado em 2004 e no qual analisava a
Operação Mãos Limpas, afirmou que “(...) a ação judicial não pode substituir a
democracia no combate à corrupção. É a opinião pública esclarecida que pode,
pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da
corrupção”.
A operação
Mãos Limpas teve como saldo a investigação de 6.059 pessoas, dentre
eles 872 empresários, 1.978 administradores e 438 parlamentares, dos quais
quatro haviam sido primeiros-ministros. O Tribunal de Contas Italiano afirmou
que a corrupção dentro da gestão pública deste país alcançou 60 bilhões de
euros por ano com reflexos no mundo todo. A operação Mãos Limpas
alterou a correlação de forças na disputa política da Itália, reduzindo o poder
de partidos que haviam dominado o cenário político italiano. Todos os quatro
partidos no governo em 1992 - a Democracia Crstã (DC), o Partido Socialista
(PSI), o Social-Democrata
e o Liberal - desapareceram posteriormente. O Partido Democrático da Esquerda,
o Partido Republicano e o Movimento Sociale Italiano foram os únicos partidos
de expressão nacional a sobreviver. Apenas o Partido Republicano manteve a sua
denominação (Ver o artigo Corrupção na Itália publicado no website
<http://www.muco.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id
=483:corrupcao-na-italia&catid=45:corrupcao-pelo-mundo>).
No Brasil,
a Operação Lava-Jato, vem evoluindo a contento graças em grande parte aos movimentos
cuidadosos do juiz federal Sergio Moro, o grande responsável pela condução
do processo que investiga o mega esquema de corrupção na Petrobras. Desde
março do ano passado, ele autorizou 161 mandados de busca e apreensão, decretou
a prisão de sessenta pessoas e determinou o bloqueio de 200 milhões de reais em
contas bancárias de suspeitos – incluindo altos funcionários da estatal e
empresários poderosos (Ver o artigo Sergio Moro: O juiz que faz andar a
máquina em busca dos culpados pelo petrolão publicado no website
<http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tag/operacaomaos-limpas/>).
Defendidos pelos maiores advogados criminalistas do país, os acusados reagiram
de imediato. Só de pedidos de habeas corpus foram enviados ao Superior Tribunal
de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, pelo menos 37 – e apenas um vingou
até agora: o que permitiu a libertação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque
e que foi concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki.
As
tentativas de tirar o processo das mãos do juiz Sergio Moro resultaram em
fracasso.
Os
interessados em afastá-lo do caso percorreram todas as instâncias do Judiciário alegando
que ele não tinha competência legal para conduzir o processo porque com o envolvimento
de políticos no escândalo o “foro especial” de que dispõem, ou seja, o direito de
serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Alegaram também que as prisões
dos suspeitos foram abusivas e de que o caso deveria ser transferido de
Curitiba para o Rio de Janeiro, onde fica a sede da Petrobras. Nenhum
desembargador do Tribunal Regional Federal ou ministro do STJ ou do STF acatou
as contestações. Da mesma
forma como aconteceu na Itália seria desejável a condenação e prisão de todos
os
envolvidos na mega corrupção que atingiu a Petrobras e o desaparecimento de
todos os partidos políticos envolvidos na Operação Lava Jato. Adicionalmente,
deveria ser convocada nova Assembleia Constituinte para promover a reforma do
Estado e da Administração
Pública no Brasil.
É
imperiosa a reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil porque todo
o sistema
político e administrativo do País está contaminado pela corrupção e a máquina administrativa
do Estado é ineficiente e ineficaz. Para construir uma nova ordem política e
administrativa radicalmente democrática baseada na ética e no desenvolvimento
em benefício de toda a população, a nova Assembleia Constituinte deveria
considerar, entre outras medidas, o seguinte: 1) a substituição do regime presidencialista
pelo parlamentarista para assegurar a estabilidade político-institucional do
País com um renovado Supremo Tribunal Federal que atuaria como poder moderador;
2) os candidatos a cargos eletivos deveriam possuir “ficha limpa“ e deveriam
prestar contas sistematicamente do seu mandato a seus partidos e ao eleitorado;
3) os eleitores deveriam exercer tanto quanto os partidos políticos o controle
social dos eleitos, acionando os mecanismos institucionais necessários à
punição daqueles que eventualmente tenham traído o programa partidário e os
interesses do eleitorado se pronunciando sobre sua cassação ou não através de
plebiscito; 4) as decisões sobre questões de interesse fundamental para a
população deveriam ser objeto de decisão através de plebiscito ou referendo; e,
5) todos os detentores de cargos públicos deveriam celebrar com o Estado
contrato de gestão em que se comprometem a cumprir as metas estabelecidas que,
em caso de seu descumprimento, deveriam ser demitidos.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel,
São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento
Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.
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