segunda-feira, 2 de março de 2015

OPERAÇÃO LAVA JATO TERÁ O MESMO DESTINO DA OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS DA ITÁLIA?

Fernando Alcoforado*

A Operação Mãos Limpas foi uma investigação judicial de grande envergadura na Itália que visava esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990. A partir da prisão de um militante do Partido Socialista Italiano (PSI), Mario Chiesa, acusado de cobrar propina na instituição que dirigia, desencadeou-se a megaoperação de investigações criminais. Com a Operação Mãos Limpas foram condenados políticos, empresários e agentes públicos e privados. O poderoso Bettino Craxi, principal líder do PSI e ex-primeiro-ministro da Itália, foi punido por prática de corrupção e financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Pesou a confissão do empresário Salvatore Ligresti de que sua empresa pagava propina ao PSI e ao próprio Craxi para conseguir obras desde 1985 (Ver o artigo de Carlos Ramos, professor, consultor e doutor em ciência política pela Universidade Federal de São Carlos – Ufscar, sob o título Resultados da Operação Mãos Limpas publicado no website
<http://www.comerciodojahu.com.br/post?id=1319529&titulo=Resultados+da+Opera% C3%A7%C3%A3o+M%C3%A3os+Limpas>).

No artigo acima citado, Carlos Ramos afirma que ficou provado o tráfico de influência e corrupção em contratos milionários envolvendo a ENI, a empresa petrolífera estatal italiana. A Operação Mãos Limpas comprovou que a estatal petrolífera ENI funcionava como uma das principais fontes para o financiamento ilegal de partidos e políticos italianos. Florio Fiorini, diretor financeiro, e Gabriele Cagliari, presidente da ENI, confessaram que durante anos a empresa efetuava pagamentos mensais aos principais partidos políticos e seus líderes. Cagliari cometeu suicídio na prisão. Além dos
esquemas de corrupção, a Operação Mãos Limpas revelou também as relações do Estado italiano com o crime organizado. Giulio Andreotti, líder da Democracia Cristã (DC) e ex-primeiro-ministro da Itália, foi também processado por associação com a máfia. Segundo as investigações, Andreotti era ligado ao mafioso Salvatore “Totó” Riina, na época o “chefe dos chefes” (“capo di tutti capi”) da Cosa Nostra, que segundo consta negociava contratos e intermediava transações lícitas e ilícitas com o governo. É muito grande, portanto, a semelhança entre a Operação Mãos Limpas da Itália e a
Operação Lava Jato do Brasil.


Da Operação Mãos Limpas resultou a decadência política e eleitoral dos principais partidos da época, o PSI (Parido Socialista) e o DC (Democrata Cristão). As forças políticas que dominavam a Itália desde o pós-guerra viram seu poder ruir e desaparecer.

A força dos acontecimentos foi tão grande que os historiadores consideram que a Operação Mãos Limpas pôs fim à chamada Primeira República Italiana. Carlos Ramos, autor do artigo acima citado, afirma que, da experiência italiana, pode-se aprender que a deslegitimação do sistema político, por si só, não é capaz de provocar as mudanças necessárias. É preciso, como houve por lá, participação efetiva da opinião pública na luta contra a corrupção. Carlos Ramos ressalta o posicionamento do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela operação Lava Jato no Brasil, que em artigo por ele publicado em 2004 e no qual analisava a Operação Mãos Limpas, afirmou que “(...) a ação judicial não pode substituir a democracia no combate à corrupção. É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção”.

A operação Mãos Limpas teve como saldo a investigação de 6.059 pessoas, dentre eles 872 empresários, 1.978 administradores e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. O Tribunal de Contas Italiano afirmou que a corrupção dentro da gestão pública deste país alcançou 60 bilhões de euros por ano com reflexos no mundo todo. A operação Mãos Limpas alterou a correlação de forças na disputa política da Itália, reduzindo o poder de partidos que haviam dominado o cenário político italiano. Todos os quatro partidos no governo em 1992 - a Democracia Crstã (DC), o Partido Socialista (PSI), o Social-Democrata e o Liberal - desapareceram posteriormente. O Partido Democrático da Esquerda, o Partido Republicano e o Movimento Sociale Italiano foram os únicos partidos de expressão nacional a sobreviver. Apenas o Partido Republicano manteve a sua denominação (Ver o artigo Corrupção na Itália publicado no website
<http://www.muco.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id
=483:corrupcao-na-italia&catid=45:corrupcao-pelo-mundo>).

No Brasil, a Operação Lava-Jato, vem evoluindo a contento graças em grande parte aos movimentos cuidadosos do juiz federal Sergio Moro, o grande responsável pela condução do processo que investiga o mega esquema de corrupção na Petrobras. Desde março do ano passado, ele autorizou 161 mandados de busca e apreensão, decretou a prisão de sessenta pessoas e determinou o bloqueio de 200 milhões de reais em contas bancárias de suspeitos – incluindo altos funcionários da estatal e empresários poderosos (Ver o artigo Sergio Moro: O juiz que faz andar a máquina em busca dos culpados pelo petrolão publicado no website <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tag/operacaomaos-limpas/>). Defendidos pelos maiores advogados criminalistas do país, os acusados reagiram de imediato. Só de pedidos de habeas corpus foram enviados ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, pelo menos 37 – e apenas um vingou até agora: o que permitiu a libertação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e que foi concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki.

As tentativas de tirar o processo das mãos do juiz Sergio Moro resultaram em fracasso.
Os interessados em afastá-lo do caso percorreram todas as instâncias do Judiciário alegando que ele não tinha competência legal para conduzir o processo porque com o envolvimento de políticos no escândalo o “foro especial” de que dispõem, ou seja, o direito de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Alegaram também que as prisões dos suspeitos foram abusivas e de que o caso deveria ser transferido de Curitiba para o Rio de Janeiro, onde fica a sede da Petrobras. Nenhum desembargador do Tribunal Regional Federal ou ministro do STJ ou do STF acatou as contestações. Da mesma forma como aconteceu na Itália seria desejável a condenação e prisão de todos
os envolvidos na mega corrupção que atingiu a Petrobras e o desaparecimento de todos os partidos políticos envolvidos na Operação Lava Jato. Adicionalmente, deveria ser convocada nova Assembleia Constituinte para promover a reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil.

É imperiosa a reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil porque todo o sistema político e administrativo do País está contaminado pela corrupção e a máquina administrativa do Estado é ineficiente e ineficaz. Para construir uma nova ordem política e administrativa radicalmente democrática baseada na ética e no desenvolvimento em benefício de toda a população, a nova Assembleia Constituinte deveria considerar, entre outras medidas, o seguinte: 1) a substituição do regime presidencialista pelo parlamentarista para assegurar a estabilidade político-institucional do País com um renovado Supremo Tribunal Federal que atuaria como poder moderador; 2) os candidatos a cargos eletivos deveriam possuir “ficha limpa“ e deveriam prestar contas sistematicamente do seu mandato a seus partidos e ao eleitorado; 3) os eleitores deveriam exercer tanto quanto os partidos políticos o controle social dos eleitos, acionando os mecanismos institucionais necessários à punição daqueles que eventualmente tenham traído o programa partidário e os interesses do eleitorado se pronunciando sobre sua cassação ou não através de plebiscito; 4) as decisões sobre questões de interesse fundamental para a população deveriam ser objeto de decisão através de plebiscito ou referendo; e, 5) todos os detentores de cargos públicos deveriam celebrar com o Estado contrato de gestão em que se comprometem a cumprir as metas estabelecidas que, em caso de seu descumprimento, deveriam ser demitidos.

* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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