Literatura
Publicado em sociedade por André Camargo,
em obviusmagazine
A maior das tragédias não é morrer, mas desperdiçar a própria vida. Acorde!
O que você está fazendo com a sua vida?
Vocês veem esta
taça? – perguntou Ajahn Chah, segurando um copo. – Para mim, este vidro já está
quebrado. Eu usufruo dela, eu bebo dela. Ela contém a minha água de forma
admirável, algumas vezes até reflete o sol, em lindos padrões. Se eu bater de
leve nela, ressoa com um bonito som. Mas quando a coloco na prateleira e o
vento a derruba, ou meu cotovelo esbarra derrubando-a da mesa, ela cai no chão
e se estilhaça. Então eu digo “É claro”. Quando compreendo que este copo já
está quebrado, cada momento com ele se torna precioso. - Mark Epstein
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Ainda
me lembro da sensação inebriante de ter a vida inteira pela frente. Todas as
portas abertas. Quando comecei a faculdade de Psicologia, primeiro e segundo
anos, quase dava para sentir no ar: um acreditava, no íntimo, que se tornaria o
novo Freud; outro, o novo Piaget.
Aí,
o tempo vai passando, conflitos, filhos e tals, e você tem dificuldade até de
descolar um troco para o basicão. A gente vira uma esquina e, de repente, a
realidade implacável coloca você no lugar.
Outro
dia, participei de uma aula experimental de teatro. No final, fui bater papo
com a professora. Levava uma vida confortável como advogada, tinha dinheiro e
prestígio, só que detestava.
O
Chamado para que mudasse de vida chegou da forma mais trágica: a morte de uma
filha pequena, alguns anos antes. Contou-me, ainda com lágrimas nos olhos, que
só então caiu a ficha: a vida era frágil e preciosa demais.
Não
dava mais para adiar o encontro com a própria Verdade. Abandonou a vida
sofisticada, mas inautêntica, e seguiu o que fazia seu coração vibrar. Teatro.
Na
primeira metade da vida, que é tempo de expansão, subimos a longa encosta de
uma colina. Quando olhamos para a frente, ao caminhar, é sempre o céu azul,
amplo e sem limites, que se estende diante de nós. Tão logo atingimos o cume,
porém, iniciamos a descida. Um dia nos damos conta de que, ao olhar para a
frente, não mais o céu, não mais o azul. A partir da meia-idade, nos despedimos
daquela sensação de que temos a vida inteira pela frente. Mergulhamos, cada vez
mais, em um tempo de síntese e recolhimento.
Nosso
tempo de vida, no fundo, é tipo um final de semana na praia: no sábado,
desfazemos as malas; no domingo, já nos preparamos para partir.
Agora,
na verdade, a gente não sabe. São histórias que contamos a nós mesmos para dar
sentido às coisas. Não há hora certa para morrer. Pode acontecer daqui a
cinquenta anos - ou daqui a duas horas. É imprevisível. Ainda que seja longa,
porém, segundo os hindus, a vida humana é tão breve quanto um piscar dos olhos
de Brahman. Para os budistas, é como o vôo de uma bolha de sabão.
A
língua inglesa tem uma expressão preciosa, de difícil tradução: to take
for granted. Eu traduzo por “tomar algo por certo”. Quando a gente faz de
conta que a morte só existe para os outros, que é como lidamos coletivamente
com a realidade do próprio fim, a gente vive como se tivesse todo o tempo do
mundo. Como se a vida fosse algo garantido.
Mas
não; a vida é frágil e preciosa.
Semana
passada, a sub-síndica do condomínio onde moro, jovem e querida por todos, mãe
de dois filhos adolescentes, saiu para trabalhar e teve um AVC. À noite, estava
morta. De uma hora para outra, sem aviso e sem sinais.
Todos
nós estamos mortos. Você já parou para pensar? Ninguém sai vivo deste filme. O
destino do copo é se quebrar. Não há saída possível, não há alternativa, é
inegociável. Só o que nos separa do fim é o tempo - uma duração incerta.
Elimine o fator tempo, e já estamos mortos.
Não
importa a sua idade, se está começando uma faculdade ou embarcando na
aposentadoria, você não tem todo o tempo do mundo. Dê-se conta, porém: neste
preciso momento, você respira - está vivo/a! Quão extraordinário isso é? A vida
existe e você foi selecionado/a!
Segundo
Winnicott, um incrível pediatra e psicanalista inglês, já falecido, pior do que
morrer é não ter nascido. Ele não se referia apenas ao nascimento biológico,
mas ao doloroso processo de amadurecimento que nos permite nascer para a
própria verdade. É quando nos sentimos mais vivos e reais.
Não
sabemos quanto tempo irá durar a história de cada um. Esboçamos um novo
parágrafo a cada respiração. O único tempo que temos disponível, de fato, é o
Agora, até que em algum momento a luz se apague. Então vá, pare de desperdiçar
seu tempo com distrações, como um bom emprego, uma casa segura e prazeres
líquidos: busque o que enche a sua vida de sentido e faça o seu coração vibrar.
© obvious: http://obviousmag.org/andre_camargo/2015/03/nao-voce-nao-tem-todo-o-tempo-do-mundo.html#ixzz3WFj45LYZ
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