Maquete do empreendimento
(Porto de Recife)
Mariana Martín – São Paulo/El
PAÍS – O JORNAL GLOBAL
Megaempreendimento de 13 torres na beira do mar é alvo da Justiça e dos
ativistas.
Opinião
do Blog do Facó
(Pela maquete (acima) do projeto, parece que
os arquitetos pretendem esconder a cidade ou aprisioná-la por detrás de um
gradil formado por edifícios, reveladores de uma concepção tediosamente vulgar e
despida de qualquer atrativo. A bela Recife merece poesia, adorno, jamais ser
enjaulada. É assim que as cidades veem apagados os seus registros históricos.
Elas sucumbem ao progresso, que incinera o passado, sem visualizar ou ter
esperanças quanto ao futuro. Aconteceu com Salvador – BA., e, Deus queira, não
seja assim com a gloriosa Recife. Não esperem uma solução vinda através do Instituto
de Patrimônio Histórico de Pernambuco (IPHAN). Em todo Brasil esse órgão é
tido e havido como o menos competente do país. Verdadeira sinecura do serviço
público.
MARÍA MARTÍN São Paulo 21MAY 2015
O cais José Estelita, no centro histórico de Recife. / DANIEL GUIMARÃES
Faz um ano
que algumas retroescavadeiras acenderam o pavio do movimento social mais
combativo da memória recente no Recife. Desde que um poderoso consórcio
imobiliário entrou, naquela madrugada de 21 de maio, no cais José Estelita,
para tentar demolir antigos armazéns e começar a construção de um
megacondomínio de 13 gigantescas torres na beira do rio, os recifenses
iniciaram uma agitada discussão sobre o modelo de cidade que estava dominando
Recife. A capital começou a ser alimentada agressivamente, até hoje, pela especulação
imobiliária. O movimento Ocupe Estelita, nascido dois anos antes, parou
aquelas máquinas, e resiste hoje, com suas últimas cartadas e seu exército nas
redes sociais, ao poder dos arranha-céus. Dentro de algumas semanas o consórcio
vai protocolar um novo desenho daquele macro condomínio residencial, hoteleiro
e comercial. Faltam apenas os detalhes mais técnicos. As alterações, que dão ao
exclusivo projeto uma cara mais amável com moradia social, área verde e
ciclovias, foram combinadas lado a lado
com a prefeitura (grifo do Blog).
Desde aquele dia das retroescavadeiras, prefeitura,
construtoras, ativistas, arquitetos, engenheiros e professores se enfrentam
para decidir qual é o melhor projeto para esse cais, um antigo armazém de
açúcar e vila ferroviária do século XIX que faz fronteira com o centro
histórico da cidade. "Foi consenso na cidade que o projeto original não
atendia às nossas necessidades, era um modelo esgotado e saturado”, lembra
Antônio Alexandre, o secretário de Desenvolvimento e Planejamento Urbano de
Recife. O consenso durou pouco e a batalha por esse terreno, que equivale a
cerca de 14 campos de futebol similar ao Maracanã, teve uma nova contenda no
dia 4 de maio deste ano.
O prefeito
Geraldo Júlio (PSB) sancionou, após uma tumultuada votação, um projeto de lei
que define as normas de construção daquela área e que vai permitir ao
consórcio Novo Recife construir, com algumas alterações sobre o projeto
inicial, 13 torres de até 38 andares na beira da Bacia do Pina. A Prefeitura e
o consórcio, que ostenta os grandes projetos da cidade e que colaborou
economicamente com as campanhas eleitorais do governo municipal e estadual do
PSB, defendem que a lei e o redesenho do projeto são fruto da conciliação dos
interesses empresariais com os dos cidadãos, mas a defensoria pública e os
ativistas estão revoltados.
O
Ministério Público de Pernambuco, que já tinha solicitado que a discussão
pública se reabrisse, pediu agora a nulidade da lei e que o município se
abstenha de conceder o alvará de construção para qualquer empreendimento
imobiliário na área. No Ministério Público Federal, o plano urbanístico
municipal é considerado "um completo absurdo". "Ele fixa
percentual de gabaritos [altura máxima dos prédios], de ocupação, mas não
contempla estudos de impacto ambiental ou social. E mais: se você pega o
projeto apresentado pelo consórcio e o plano da Prefeitura coincidem
perfeitamente. Apenas foi feito para dar uma aparência de legalidade a um
projeto polêmico", lamenta Mona Lisa Duarte, procuradora do Ministério
Público Federal. A oposição também pediu na Justiça a suspensão da lei.
"A
gente achou que abrir o debate era discutir o que a cidade queria nesse lugar,
mas a Prefeitura acabou fazendo um projeto de lei para viabilizar um projeto
que já existia. Fez a política pública ao contrário”, diz Ivan Moraes Filho, um
dos integrantes do Ocupe Estelita, movimento que, após meses de ocupações
e eventos culturais no cais, está agitando as ruas recifenses de novo. “Nós
queremos um projeto de bairro, não redesenhar o projeto de uma construtora”. O
prefeito Júlio, criticado por estar em São Paulo no dia de uma das votações mais
relevantes para o futuro da cidade, já começou a pagar o preço da insatisfação
cidadã com acampamentos e protestos na frente da sua casa e paródias nas
redes sociais. “Devemos fazer com que as decisões das pessoas que mandam nesta
cidade tenham um custo político. Seguir a cartilha das construtoras deve ter um
preço e deve ser caro”, afirma Filho.
A Prefeitura e o consórcio
defendem que a lei e o redesenho do projeto são fruto da conciliação, mas a
defensoria pública e os ativistas estão revoltados.
O
secretário Alexandre defende os avanços trazidos pela discussão com a sociedade
ao projeto imobiliário e afirma que era impossível contentar todo o mundo em um
"debate com tanta carga emocional". Ele argumenta que com as novas
diretrizes vai prevalecer a área pública e serão construídas moradias sociais,
além de se reduzir a altura dos prédios, e preservar a paisagem histórica.
"Conquistamos muitos avanços neste debate e incluímos na nossa cidade
princípios urbanísticos de mobilidade e da relação do espaço público e privado
que não existiam", celebra o secretário. Alexandre defende, diante as
críticas de trabalhar pelos interesses privados, a necessidade de garantir a
segurança jurídica do consórcio, ainda mais em época de crise.
Após a
aprovação do projeto de lei, o movimento Ocupe Estelita, braço do grupo
Direitos Urbanos, que luta por uma cidade onde o lazer e a convivência não se
limitem aos shoppings, levou uma petição ao Ministério da Cultura,
em Brasília, para o tombamento da paisagem do cais. É, junto à mobilização
social, a última cartada. “Isso não impede obras de urbanização, mas assegura a
preservação das características históricas, muda tudo”, explica Liana Cirne,
doutora em Direito Público e uma das lideranças dos ativistas. “A Prefeitura
diz que incorporou 80% das nossas contribuições, mas é mentira. É clara nossa
oposição ao gabarito dos prédios. Mais de cinco andares violentam nosso
patrimônio paisagístico, e essa era uma das nossas principais críticas”. Hoje,
o único instrumento que impede a demolição dos armazéns é um embargo de parte
do terreno pelo Instituto de Patrimônio Histórico de Pernambuco
(IPHAN) para elaborar um estudo arqueológico. Mas será liberado até final do
ano.
Em menos de 20
dias, o projeto de lei municipal já soma três ações no Tribunal de Justiça de
Pernambuco e o mega condomínio é investigado judicialmente em cinco processos.
Questiona-se da falta de estudos de impacto ambiental ou de vizinhança até a
necessidade de proteção do lugar como patrimônio histórico. As suspeitas
começaram já com o leilão do terreno em 2008 a preço de banana. O consórcio
formado pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão – envolvida na
operação Lava Jato –, G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos, foi o
único concorrente e pagou 55,4 milhões de reais, 554 reais o metro quadrado,
preço privilegiado em uma das áreas mais valorizadas da cidade. Os juízes,
menos rápidos que as burocracias municipais, ainda não se pronunciaram em
última instância.
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