Colaboração de Fernando
Alcoforado
Pode-se
afirmar que a humanidade evoluiu até o presente momento do estágio de
selvageria ao de barbárie. Selvageria é um estágio característico das
sociedades primitivas ou povos primitivos, que são normalmente associados com
os povos indígenas. O termo barbárie tem dois significados distintos, mas
ligados entre si: falta de civilização e crueldade de bárbaro. Eric Hobsbawm
observa que a barbárie significa uma ruptura com os padrões morais que regulam
a vida em sociedade e os controles sociais tradicionais dando lugar à violência
desenfreada e o desprezo pelo ser humano (Ver La barbarie: guia del usuário no
site ). O grande desafio da era contemporânea é fazer a humanidade evoluir do
estágio de barbárie em que se encontra no momento ao de civilização.
Civilização
é considerado o estágio mais avançado de determinada sociedade humana. Existem
alguns elementos geralmente aceitos por todos sobre o que tornaria uma
sociedade civilizada: 1) oferecer segurança garantida para todos os cidadãos
que não devem temer a perda de suas vidas ou ter danos físicos; 2) prover
assistência médica da melhor qualidade possível para todos os membros da
sociedade; 3) conceder acesso à comida e água para todos os cidadãos de modo
que nenhuma pessoa passe fome ou sede; 4) prover as condições básicas de
habitação para todos os cidadãos; 5) possuir um sistema legislativo democrático
cujas leis sejam estabelecidas para preservar o bem estar da população; 6)
prover um sistema educacional que garanta igualdade de acesso à educação de
alto nível para todas as pessoas visando tornar sua população altamente
educada; e, 7) assegurar para a população a liberdade de pensamento, crença,
religião, afiliação e expressão e o direito de participar das decisões de
governo.
Segundo Eric
Hobsbawn, nos últimos 150 anos, a barbárie tem aumentado permanentemente. Ano a
ano, década a década, a violência e o desprezo pelo ser humano têm aumentado
parecendo não haver um limite para este fenômeno. Algo muitíssimo pior: os
homens e mulheres se acostumaram com a barbárie já não existindo espanto,
estranheza, nem horror frente aos atos desumanos. Marx escreveu em 1847 esta passagem
surpreendente e profética: "A barbárie reapareceu, mas desta vez ela é
engendrada no próprio seio da civilização e é parte integrante dela. É a
barbárie leprosa, a barbárie como lepra da civilização" (Ver Barbárie e
modernidade no século 20 de Michael Lowy, publicado no Brasil pelo jornal
"Em Tempo"- emtempo@ax.apc.org e, originalmente em francês, na
revista "Critique Communiste" nº 157, hiver 2000).
A Primeira e
a Segunda Guerra Mundial estabeleceram uma nova forma de barbárie eminentemente
moderna, bem pior em sua desumanidade assassina do que as práticas guerreiras
dos conquistadores "bárbaros" do fim do Império Romano. Segundo Eric
Hobsbawn, a Grande Guerra (1914-1918) abre a etapa mais sanguinária da história
mundial. 1914 começa com os sacrifícios ilimitados no afã de eliminar o
inimigo. Sacrifício este que incorpora a própria população civil. 1914 começa
com a era da guerra total, a ausência de distinções entre combatentes e não
combatentes (Ver o artigo de Eric Hobsbawn sob o título La barbarie: guia del
usuario no site ). De 1914 a 1990, morreram 187 milhões de pessoas, em atos
bélicos ou extermínio sistemático.
A despeito das reiteradas intenções de todos
os países do globo em manter a paz mundial, o Século XX foi palco de duas
grandes guerras. Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), morreram cerca de 9
milhões de pessoas. Apenas vinte anos depois, eclodia a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), que matou entre 40 e 52 milhões de pessoas. Além disso, a
violência dos conflitos em nossa época não tem paralelo na história. As guerras
do século XX foram “guerras totais” contra combatentes e civis sem
discriminação. O historiador Eric Hobsbawm (A Era dos Extremos, Companhia das
Letras, 2008) complementa: "Sem dúvida ele foi o século mais assassino de
que temos registro, tanto na escala, frequência e extensão da guerra que o
preencheu, mal cessando por um momento na década de 20, como também pelo volume
único das catástrofes humanas que produziu, desde as maiores fomes da história
até o genocídio sistemático".
A tragédia das guerras no século XX atingiu a
maioria das famílias ao longo de duas, três ou quatro gerações. O apelo às
armas levou milhões de filhos, maridos, pais e irmãos para o campo de batalha,
e milhões não voltaram. O genocídio nazista contra os judeus, ciganos e
comunistas, o uso da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, o Goulag
stalinista, a guerra do Vietnã, o ataque terrorista ao World Trade Center em
New York, as duas guerras do Iraque, a guerra do Afeganistão, as guerras civis
recentes da Líbia e da Síria e a violência indiscriminada praticada pelo Estado
Islâmico exemplificam de maneira mais acabada a barbárie que caracteriza o
mundo em que vivemos. Nesse quadro de perspectivas sombrias, urge atacar o mal
da barbárie pela raiz com a construção de uma nova ordem mundial civilizada em
substituição à ordem capitalista dominante geradora dos atentados à Civilização
em todos os quadrantes da Terra que se registram há mais de 500 anos.
* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de
Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a
Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o
Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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