Raymundo Pinto
é desembargador aposentado do TRT,
escritor, membro da Academia de Leras
Jurídicas da Bahia
e da Academia Feirense de Letras.
Depois de mais de dois anos da entrada em vigor da
Emenda Constitucional n. 72, que ampliou os direitos dos empregados domésticos,
somente há pouco tempo o Legislativo cuidou de finalizar a regulamentação, na
sua totalidade, das vantagens criadas. No momento em que escrevo este artigo
(terça, dia 19), o Senado já havia cumprido a última parte da tramitação do
projeto no Congresso Nacional e enviado para a presidente Dilma, que poderá, ao
sancionar a lei, vetar alguns pontos. Acredita-se que a versão definitiva, no
essencial, será quase igual à que foi aprovada pelos senadores. É possível,
assim, tecer algumas considerações sobre a nova legislação que trata dos
trabalhadores cuja atividade se desenvolve a serviço das famílias no âmbito dos
lares.
Como a CLT na origem os excluía, os domésticos só
tiveram seus primeiros e mínimos direitos reconhecidos com a Lei 5.859, que é
de 1972. A Constituição de 1988 concedeu-lhes maiores benefícios (parágrafo
único do art. 7º) e duas leis posteriores – 10.208/01 e 11.324/06 – acrescentaram
outras vantagens. Até então, essa categoria de trabalhador fazia jus, em
especial, a: salário mínimo, 13º salário, repouso semanal remunerado, férias,
licença à gestante, licença-paternidade, aviso-prévio, vale-transporte,
contribuição à Previdência Social e aposentadoria. O recolhimento do FGTS, pelo
empregador, era facultativo e o seguro-desemprego seria apenas para os que
tivessem os depósitos efetivados na conta respectiva. A EC n. 72 aprovou, para
vigência imediata, entre outras medidas, a jornada de trabalho máxima de 08
horas diárias e 44 semanais, permitida a compensação, sendo de 50% (sobre a
hora normal) o adicional incidente no caso de horas
extras.
A regulamentação que será oficializada nos próximos
dias entrará em vigor 120 dias após a publicação da lei. As principais
inovações são: a) o FGTS passa a ser obrigatório; b) adicional noturno (20%),
na hipótese de trabalho das 22h às 05h do dia seguinte; c) seguro-desemprego;
d) salário-família; e) seguro contra acidente do trabalho e multa no caso de
despedida sem justa causa (obrigações a cargo do empregador). No tocante à
compensação da jornada, foi permitido o chamado “banco de horas” e autorizado o
sistema de 12 horas de labor por 36 de descanso.
Desde a referida EC, causou muitas preocupações e
dúvidas, entre os empregadores domésticos, a necessidade de controlar a jornada
de trabalho de seus empregados. Como a legislação antiga não previa o pagamento
de horas extras, era desnecessário esse controle e, em consequência, ficou
difícil introduzir a observância de uma exigência considerada “burocratizante”.
Por outro lado, vão crescer os encargos dos patrões. Sua parte na contribuição
ao INSS baixou de 12 para 8% sobre o salário, porém a diferença será
substituída pelos 3,2% que irá compor um fundo que passa a ser do empregado
quando dispensado sem justa causa e por 0,8% do seguro contra acidente do
trabalho. Sendo obrigatórios os depósitos do FGTS, é inevitável o acréscimo de
8% nas obrigações do empregador, sem contar diversas outras que a nova lei
criou.
É natural que muita gente esteja comemorando mais
uma conquista da classe trabalhadora. Mesmo enfrentando a ameaça de ser tido
como “atrasado” ou “conservador”, convoco as pessoas mais equilibradas e
isentas de fanatismos ideológicos para meditar sobre as consequências, no dia a
dia, da aplicação da EC e da lei reguladora, notadamente na atual fase de grave
crise econômica vivida pelo Brasil. Vangloriam-se os recentes governos petistas
de terem ampliado a classe média. Vimos a confirmação disso na prática, com
muito mais gente comprando carro, viajando de avião e aumentando, enfim, as
despesas supérfluas. Entretanto, já se registram vários indicativos de que a
“festa” tende a esfriar: a inflação se mostra fora de controle, a indústria –
em especial a automobilística e a da construção civil – sofre queda acentuada
e, sobretudo, o desemprego sobe a níveis preocupantes. Num cenário tão negativo
como esse, é óbvio que a classe média terá de fazer drásticos cortes em seu
orçamento, incluindo desfazer-se de auxiliar da casa. Pobre não tem condição de
manter domésticos e os ricos são minoria. Em suma, diante do aumento excessivo
dos encargos para o empregador doméstico, o(a) humilde trabalhador(a) de
afazeres do lar sentirá, com certeza, a inevitável redução das oportunidades de
trabalho. Houve precipitação em ampliar direitos dos domésticos na presente
conjuntura. Era preciso esperar a melhoria das condições gerais do país, uma
vez que, nestes tempos de crise, contratar empregados da indicada categoria
passou a ser um verdadeiro luxo, principalmente para a classe média, que é, sem
dúvida, a que mais os admite.
Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é
escritor, membro da Academia de Leras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense
de Letras.
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