Com cortes, pasta não teve aumento em relação ao que foi investido no
ano passado
Gestores já temem não conseguir cumprir as metas para a área pactuada em
2014
Sem aulas e dinheiro, universidades são nova faceta da crise no Brasil
TALITA BEDINELLI São Paulo
EL
PAÍS – O JORNAL GLOBAL
Professores protestam em Curitiba, em 5 de maio./ / WILSON DIAS (AGÊNCIA BRASIL/FOTOS
PÚBLICAS)
Depois de
anunciar que o lema de seu novo mandato seria "Pátria Educadora", a
presidenta Dilma Rousseff deu à educação um dos maiores cortes globais no
anúncio do ajuste fiscal feito nesta sexta-feira. A área terá
9,4 bilhões de reais a menos para investir neste ano. A verba da área para as
despesas discricionárias (que não são obrigatórias, como a folha de pagamento,
por exemplo) caiu de 48,81 bilhões para 39,38 bilhões de reais -valor similar
ao gasto no ano passado e 15 bilhões acima do mínimo constitucional
obrigatório.
Se por um
lado isso era esperado, já que a pasta tem o segundo maior Orçamento da União,
por outro, a situação gera um grande incômodo: a falta de aumento nos
investimentos pode representar uma ameaça ao cumprimento do Plano
Nacional de Educação (PNE), aprovado no ano passado em meio a comemorações
do próprio Governo e que tem algumas metas a vencer já no ano que vem.
"É
preciso ver com atenção onde serão os cortes dentro da pasta. A preocupação é
que os prazos do plano já estão chegando e isso exigirá um esforço
adicional", afirma Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral da ONG
Todos pela Educação. O Governo ainda não anunciou ao certo o que será
cortado em cada área, mas o mais provável é que as novas obras sejam as mais
afetadas.
O problema
é que esse "esforço adicional", ao qual Velasco se refere,
também tem sido difícil, já que Estados e municípios, que injetam a outra parte
do dinheiro necessário para a área, têm sofrido com a queda em suas próprias
arrecadações. Por lei, eles são obrigados a gastar 25% das receitas em educação
-quando as receitas caem, a verba aplicada na área também cai. Em muitos
locais, o cenário já é composto por obras paradas, salários de professores
atrasados (e docentes em greve) e até mesmo falta de verba para comprar papel
higiênico ou cortar a grama com a mesma regularidade de sempre.
“Desde o final do ano passado a arrecadação já
começou a diminuir. Todo mundo teve que se reorganizar e fazer os primeiros
cortes. Os municípios têm segurado seus investimentos, e, na maioria deles,
obras novas não estão sendo feitas”, afirma Cleuza Repulho, secretária da
Educação de São Bernardo do Campo (Grande SP) e presidenta da União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Isso
impacta, por exemplo, a construção de novas creches e coloca em risco o
cumprimento da primeira meta do plano, que prevê que até o ano que vem todas as
crianças de 4 e 5 anos e pelo menos metade das crianças de até três anos
estejam na escola. “Como vou construir uma nova creche? Cada vez que uma nova
unidade fica pronta há um aumento de quadro de funcionários. É um conjunto de
profissionais que vai entrar na rede e não vai sair. A despesa com o custeio é
uma grande preocupação”, diz a secretária.
A
construção de novas creches é, geralmente, um investimento compartilhado entre
municípios e o Governo federal. Por isso, bastaria apenas uma das partes fechar
a torneira para os projetos demorarem mais para sair do papel. Foi o
que aconteceu no município de São Paulo, que desde o início da gestão Fernando
Haddad (PT) tem enfrentado dificuldades para aumentar a arrecadação
como planejava, apesar de ter aumentado em 8% as receitas entre 2013 e 2014.
Com menos dinheiro para arcar com sua parte nas obras, já anunciou, por
exemplo, que dificilmente conseguirá construir todas as creches prometidas. No
município, 106.000 crianças aguardam uma vaga nesta etapa de ensino, segundo os
últimos dados oficiais. Das 243 unidades anunciadas, apenas 147 devem sair do
papel até 2016. O município agora tentará parceria com entidades privadas para
acelerar obras e garante que, mesmo sem todas as unidades, atenderá mais
100.000 crianças até o ano que vem -o mais provável é que coloque mais alunos
por salas.
Na gestão
estadual paulista, a verba de investimento para a educação também será reduzida
em 5% neste ano, segundo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que anunciou um
corte de 2 bilhões de reais no Orçamento global do Estado. “Há uma deterioração
da economia nacional, nós temos que ter cautela”, justificou o governador à
imprensa. No final do ano passado, a área já deixou de receber verbas para a
compra de materiais de escritório e de limpeza, segundo os gestores. O Governo
nega.
“O dinheiro
que estava na conta da escola foi confiscado em 30 de outubro e, depois, não
veio mais verba até o início do ano. Não tínhamos como comprar nem papel
higiênico”, conta a diretora de uma escola na Grande São Paulo que não quer se
identificar. “Também começamos o ano letivo com carteiras e cadeiras em número
insuficiente porque não teve reposição e tivemos que buscar a sucata de escolas
vizinhas para os alunos sentarem”, diz. Os recursos de manutenção voltaram a
ser pagos nesse ano, mas em valor menor que no ano anterior. O Governo, que
nega o atraso no ano passado, diz que reduziu em 16% as verbas de manutenção
após "um gerenciamento eficiente dos gastos". "Todas as unidades
têm verbas suficientes para a manutenção", disse, em nota. A Secretaria da
Educação também diz que reduziu 11% dos cargos comissionados (sem concurso) e
cessou as gratificações a professores em órgãos centrais (como coordenadorias,
por exemplo), economizando mais 3 milhões ao ano.
As escolas
estaduais paulistas também estão em greve desde 13 de março porque os
professores pedem um reajuste de 75% para que o salário dos professores se
equipare ao das demais categorias com nível superior, como determina a meta 17
do Plano Nacional de Educação, que vence em seis anos. Segundo eles, o Governo
paulista propôs discutir os reajustes apenas em julho. A pasta disse que já
reajustou os salários em 45% nos últimos quatro anos e, de acordo com o Plano
Estadual de Educação, que divulgou na última sexta, afirma que vai equiparar os
salários em tempo.
A falta de
reajuste salarial também é motivo de greve em outros Estados e municípios, como
Paraná, onde professores foram agredidos pela Polícia Militar,
e Mato Grosso do Sul, onde os docentes aprovaram o início de greve para a
próxima quarta. Na capital sul-matogrossense, Campo Grande, a gestão
municipal também enfrenta problemas. Os professores devem entrar em paralisação
na próxima segunda-feira. Procurado, o município não respondeu até a publicação
desta reportagem.
No início
de maio, a secretária de Educação do município, Angela Maria de Brito, pediu
demissão ao lado de seu secretário-adjunto. “Houve cortes de 50% na carga
horária de professores, o que limitou tecnicamente o trabalho. Tivemos que
cancelar uma série de oficinas do programa que mantém as escolas abertas aos
finais de semana. A gente tinha um carinho enorme por eles porque se comprovou
que a criminalidade diminuiu nos bairros onde ele foi implementado", conta
ela. "Também prejudicou o trabalho que tínhamos com crianças com dificuldade
de aprendizado. Para trabalhar frustrada, preferi sair", diz.
Queda livre
“Se Estados
e municípios investem 25% da arrecadação na educação, certamente a educação vai
ser atingida em todos os níveis quando a arrecadação cai. Aqui no Amazonas, a
arrecadação diminuiu 11%. A nossa economia é muito baseada na Zona Franca de
Manaus, que sofre quando há a retração do consumo. Se diminui o poder de
compra, as pessoas vão preferir pagar o aluguel e comer ou comprar televisão?”,
explica Rossieli Soares da Silva, secretário estadual de Educação do Amazonas e
vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação
(Consed). “Nem na crise de 2009 tivemos diminuição no número de postos de
trabalho. Neste primeiro trimestre tivemos não apenas isso como parada de
produção. Tudo isso traz reflexos para o Estado.”
Para
mitigar os efeitos da queda da arrecadação, a secretaria refez a licitação de
alguns serviços e diminuiu outros. “Fizemos coisas como deixar de capinar
quatro, cinco vezes as escolas por ano, e vamos fazer três, duas. Estamos
relicitando serviços com peso importante na folha, como vigilância e serviços
gerais, para buscar no mercado quem faça o mesmo trabalho por menos”, explica.
Mas, segundo ele, também houve a necessidade de reprogramar obras de novas
escolas. “Temos obras que pararam em dezembro porque não veio recurso federal.
Dez centros de educação de tempo integral inaugurariam no primeiro semestre,
mas agora estamos reprogramando a abertura para o início do ano de 2016.” A
meta seis do PNE prevê que os Estados e municípios ofereçam educação em tempo
integral em pelo menos metade das escolas.
“O Plano
Nacional de Educação foi discutido numa base de crescimento de financiamento e
muito baseado nos recursos do pré-sal. O que vemos agora é desmoronar a queda
do preço do barril do petróleo e é insustentável fazer a exploração com o preço
atual”, afirma o secretário, em referência à lei aprovada em 2013 pela presidente
Dilma Rousseff (PT), que previa que metade dos recursos do pré-sal seriam
destinados para a educação. “Não vamos conseguir cumprir as metas do PNE se não
tivermos mais recursos. Como vou universalizar o atendimento no ensino médio
até 2016 se a verba não aumentou?”
T.B.
Maior investimento da União, a área da saúde, que já sofre com a falta
de financiamento, também perdeu 11,77 bilhões de reais neste ano, valor quase
exato ao que ganhou em emendas parlamentares quando o Orçamento foi votado no
Congresso no início deste ano. Como não foram divulgados ainda quais programas
serão os mais afetados, não é possível saber se a maior perda foi, de fato, nas
propostas acrescentadas pelos deputados e senadores.
A área, foco das queixas mais recorrentes da população, terá
91,5 bilhões para investir. O valor deixou o Orçamento da área 3 bilhões de
reais acima do mínimo constitucional obrigatório, formado pelo cálculo do valor
empenhado no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto do
país. O valor, entretanto, é considerado baixo para especialistas da área, que
estimam que ao menos 50 bilhões a mais precisariam ser investidos.
“O que é aplicado hoje é muito pouco. O volume dos recursos já não dá
conta das demandas que o país tem. Qualquer corte é bastante problemático”,
afirma Ronald dos Santos, coordenador nacional do Movimento Saúde Mais Dez, que
reúne mais de cem entidades do setor e defende que o país gaste ao menos 10%
das Receitas Correntes Brutas com o sistema. Entre 1995 e 2001, essa
porcentagem chegava a 8,4%. De 2000 para 2009, caiu para 7,1% e, no ano
passado, ficou em torno de 7,6%.
A proposta,
entretanto, foi enterrada pelo Congresso, que aprovou há dois meses a Proposta
de Emenda à Constituição do Orçamento Impositivo, que prevê que ao longo de
cinco anos o Governo federal deverá que investir 15% da receita corrente
líquida na área. No ano que vem, o valor chega a 14,1%. “Os cálculos que
fizemos até agora mostram que essa nova regra trará um valor ainda inferior
para a área”, completa o coordenador do movimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário