Mesmo sem uma denúncia formal, a empreiteira brasileira terá de dar
explicações ao STF
AFONSO BENITES São Paulo
0A obra da refinaria Abreu e Lima, no Pernambuco. / ODEBRECHT – DIVULGAÇÃO
Novembro de
2014. Um grupo de policiais federais cumpre mandado de busca e apreensão em uma
das sedes da Odebrecht, no Rio de Janeiro. A suspeita é que a empresa seja uma
das 23 empreiteiras que fazem parte de um cartel criado para fraudar a
Petrobras, desbaratado pela operação Lava Jato.
Maio de
2015. Seis meses após levantadas as suspeitas contra a maior empreiteira do
país, nenhuma acusação formal é feita. Nenhum dirigente da Odebrecht interrogado.
Ainda que paire mais de uma dezena de acusações e interrogações feitas por
delatores do esquema criminoso (alguns de outras empreiteiras que tinham 59
bilhões de contratos com a petroleira) e por policiais que fazem parte das investigações.
Desde o
início das apurações, há um ano, houve 28 denúncias por parte do Ministério
Público Federal contra 128 pessoas. Há ainda ao menos outros 40 suspeitos com
investigações em aberto, boa parte deles é de políticos. Nesse período, quase meio
bilhão de reais foi restituído aos cofres públicos e descobriu-se um rombo de 6
bilhões de reais no cofre da Petrobras. Dinheiro esse que saía das empreiteiras
e era usado para sustentar, segundo o Ministério Público, dirigentes da
petroleira, partidos e políticos corruptos.
Nesse cenário, hoje, a Odebrecht é uma empresa que
tem pressa. A mesma pressa que teve para erguer a sede de sua holding em São
Paulo – um moderno prédio de 16 andares de escritório, quatro de garagens e um
subsolo na beira do poluidíssimo rio Pinheiros, construído no prazo quase
recorde de quatro anos –, é a que tem para tentar se livrar do lamaçal em que
se viu envolvida com o escândalo da Petrobras. Até agora, ela foi uma das
poucas construtoras que não tiveram executivos presos, ao contrário de
suas concorrentes OAS, Camargo Corrêa, UTC e Queiroz Galvão.
Nos últimos
meses, os advogados da Odebrecht já enviaram ao menos dois ofícios para o juiz
responsável pelo caso, Sérgio Moro, pedindo que seus executivos fossem ouvidos.
A “pressão jurídica” é para aliviar a “pressão política” que sofrem e que a
empresa possa se manifestar antes de que alguma acusação seja oficialmente
apresentada. Apesar de dizer que jamais pagou propina a políticos nem fez parte
do cartel que está sendo investigado, a cúpula da empreiteira já prepara sua
defesa, antevendo a abertura de processos.
E por qual
razão a Odebrecht está na mira dos investigadores e pode ser a próxima
denunciada no esquema? Mesmo sem querer dar uma resposta oficial para essa
dúvida enviada pela reportagem, policiais, membros do Ministério Público e
empreiteiros citaram algumas hipóteses:
Se conseguíssemos provar tudo o que falam da Odebrecht, comprovaríamos o
envolvimento de metade do Governo, diz um policial
1)
Pagamentos de propinas – dois réus confessos das fraudes e ex-dirigentes da
Petrobras disseram ter recebido dinheiro ilegal da Odebrecht. O ex-gerente
Pedro Barusco, que era um “peixe-pequeno” na organização criminosa, falou que
caiu em sua conta cerca de 1 milhão de dólares (cerca de 2,9 milhões de reais
nos valores de hoje) por meio de uma offshore usada pela Odebrecht. Já o
ex-diretor Paulo Roberto Costa, um dos operadores do esquema, afirma que
recebeu diretamente da empreiteira, sem o intermédio de políticos, cerca de
31,5 milhões de dólares (94,1 milhões de reais) como “política do bom
relacionamento”. O dinheiro seria para garantir que a empreiteira vencesse
algumas disputas por obras da Petrobras;
2) Relação
política – como é uma perene doadora de campanhas eleitorais, a empresa costuma
ser vista como uma influenciadora das eleições. Só no pleito passado, foram
45,8 milhões de reais, a quinta maior doadora em 2014. Além disso, o fácil
acesso que seus dirigentes têm ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para
quem já pagaram viagens ao exterior, e à presidenta Dilma Rousseff, sempre a
coloca como uma possível beneficiada nos negócios com o Governo federal. A
suspeita de que empreiteiras se beneficiam de contratos governamentais já
fora levantada pelo pesquisador, Pedro Henrique Pedreira Campos, da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em seu livro “Estranhas
Catedrais”. Para ele, o regime militar brasileiro (1964-1985) impulsionou
vários dos esquemas ilícitos que sobrevivem até os dias de hoje;
3) Líder de
um cartel – A Odebrecht é a maior das empreiteiras do Brasil. Sua receita
líquida de 32,2 bilhões de reais é quase igual à soma das outras nove maiores
empreiteiras do país (juntas, elas faturam 37,2 bilhões de reais). Entre 2001 e
2014 foi convidada a participar de 1.100 concorrências na Petrobras, disputou
120 e ganhou cerca de 10% desse total. Um dos delatores do esquema, o
presidente da empreiteira Camargo Corrêa, Dalton Avancini, diz que a Odebrecht
capitaneava o “clube das empreiteiras”, o apelido dado para as 23 empresas que
se reuniram para montar um cartel contra a Petrobras. “A tese de cartel não
existe sem a maior de todas”, diz um graúdo dirigente da Odebrecht. Isso
explica a persistência da força tarefa em encontrar um elo que ajude a fechar o
cerco sobre o setor.
4) Obras
suspeitas – A refinaria de Abreu e Lima, no Pernambuco, e a refinaria de
Pasadena, que passaria por obras, estão sob suspeita de irregularidades que
também envolveriam a empreiteira. No primeiro caso, o Tribunal de Contas da
União apontou que haveria sobre preço e desvios de recursos no contrato de 429
milhões de reais para terraplanagem.
Todos esses
fatores transformaram a Odebrecht, que está presente nas principais obras do
país, na joia da coroa das empreiteiras. “Se conseguíssemos provar tudo o que
falam da Odebrecht, comprovaríamos o envolvimento de metade do Governo [nas
irregularidades da Petrobras]. E não só desse, dos anteriores também. O duro é
que as coisas parecem muito bem feitas há décadas”, diz um obstinado policial
que participa das apurações.
Um dos elos
entre o Governo e a empreiteira seria a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR),
ex-chefe da Casa Civil no primeiro mandato de Dilma, que recebeu doações da
empresa para sua campanha em 2010. Hoffmann, a única mulher na lista de
políticos investigados pela Lava Jato, é apontada pelo ex-diretor Paulo Roberto
Costa, como receptora de 1 milhão de reais da Petrobras - o dinheiro teria sido
entregue a um emissor da sua campanha em 2010. A senadora se defende dizendo
que pediu diretamente ao presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, recursos para
campanha.
Em nome
dessa investigação, no último dia 4, o ministro do Supremo Teori Zavascki
acatou o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de colher o
depoimento do corpo diretivo da empresa, incluindo seu presidente, Marcelo
Odebrecht. Assim, se não ganharam espaço com Moro e sua equipe para apresentar
sua defesa, os executivos o farão agora no STF.
Sentimento
de vingança
Citada por
ao menos três delatores na operação Lava Jato, a Odebrecht nega que pague
propina, que participe de cartel ou que suas doações eleitorais foram todas
dentro do que prega a legislação brasileira. É fato que já receberam ofertas de
pagamento propina, um procedimento quase normal, segundo a fonte da companhia.
Mas que todo pedido ilícito, segundo ele, é negado. Em abril, Fernando
Santos-Reis, presidente de uma das divisões do grupo, a Odebrecht Ambiental, já
falava sobre a expectativa de que a empresa pise em falso em algum momento.
“Tem gente que diz: 'vocês ainda não foram pegos'. Não fomos pegos porque não
fizemos nada errado”, disse ele em entrevista à Folha de S. Paulo.
O depoimento
na semana passada do dono da UTC, Ricardo Pessoa, também teria frustrado a
força-tarefa da Lava Jato. Pessoa não relatou vínculo nas ações da sua empresa
com a Odebrecht, segundo a Folha.
Em nota ao
EL PAÍS, a empreiteira argumenta ainda que ao menos um dos depoimentos, o do
presidente da Camargo Corrêa, Avancini, por exemplo, está tomado por um
sentimento de vingança. “Sempre foram públicas as desavenças entre a Camargo
Corrêa e a Odebrecht na disputa de importantes contratos, o que não surpreende
que o presidente da Camargo, sentindo-se obrigado a prestar declarações para se
livrar da prisão, o faça motivado por um sentimento de vingança concorrencial”.
As duas empresas já tiveram mais de uma dezena de desavenças judiciais e mantêm
uma rivalidade histórica, ainda que já tenham se unido em alguns negócios. Uma
das brigas mais barulhentas ocorreu em 2008 quando ambas se acusaram mutuamente
de desrespeitar editais das hidrelétricas Jirau (onde a Camargo atuava) e Santo
Antônio (Odebrecht), em Rondônia.
Em sua
defesa, a Odebrecht alega também que não há a possibilidade de existir um
cartel dentro da Petrobras porque, pela forma de concorrência, é a própria
estatal que define o preço que está disposta a pagar pelo serviço. A lógica é
que, como a Petrobras é um monopólio na área de petróleo, cabem aos seus
fornecedores se adequarem a suas regras porque não têm opção para fornecer para
outras petroleiras. Ou seja, as empreiteiras, em tese, não teriam como se unir
para definir quanto cobrariam por determinado serviço. “As disputas [entre as
empreiteiras] parecem uma guerra”, alerta um dos executivos da Odebrecht.
Sobre as
doações eleitorais feitas nos últimos anos, a empreiteira diz que se baseia em
uma “visão democrática e em respeito à legislação”, que não adota posição
partidária nem ideológica e que todas são feitas de forma pública e
transparente. Mas nem sempre foi assim. Na mesma entrevista concedida à Folha,
Santos-Reis, da Odebrecht Ambiental, diz que a companhia aprendeu muito com
erros do passado, como no escândalo dos anões do Orçamento, de 1993. Naquela
época, foi descoberto um esquema de empreiteiras, entre elas a Odebrecht, que
pagavam propina a um dos deputados (João Alves) para que ele facilitasse a
liberação de obras.
A Odebrecht é quase 'onipresente' quando se trata de obras de
infraestrutura no Brasil. Metrôs, rodovias, aeroportos, estádios, tudo que
demande concreto e cimento, a empresa está junto. Das dez obras mais
importantes para a Copa do Mundo do ano passado e Olimpíadas 2016, a Odebrecht
estava envolvida com ao menos oito. No anúncio dos 35 acordos assinados entre o
Brasil e a China, durante a passagem do primeiro-ministro Li Keqiang, na semana
que passou, a Odebrecht também foi beneficiada. A empresa assinou um memorando
com a China Electronics Corporation e o banco ICBC para desenvolver o
Programa de Integração da Amazônia Legal, um investimento de 3 bilhões de
dólares.
Fundação: 1944
Ramos de atuação: Construção Civil, Indústria Naval, Óleo e Gás, Meio Ambiente,
Defesa e Tecnologia.
Extensão: Presente em 21 países com 170.000 funcionários.
Receita bruta: 10,7 bilhões de reais
Destaque: É a maior empreiteira do Brasil e 45ª maior empresa nacional
Principais obras:
Estádio Itaquerão – São Paulo
Reforma do Maracanã - Rio de Janeiro
Comperj - Rio de Janeiro
Polo Petroquímico de Triunfo - Rio Grande do Sul
Porto de Suape - Pernambuco
Refinaria Abreu e Lima - Pernambuco
Porto de Mariel – Cuba
Aeroporto José Martí – Cuba
Malha metroviária de Miami – Estados Unidos
Linhas 4 e 5 do metrô de Caracas – Venezuela
Linha 1 do metrô da
Cidade do Panamá - Panamá
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