Publicado em musica por Bia Lopes
Como Chico Anysio satirizou o tropicalismo, driblou a censura e entrou
para a história da música brasileira.
Que Chico
Anysio era um grande humorista, todo mundo já sabia. O que muita gente não sabe
é que ele era de uma polivalência artística incrível. Ator que deu vida a
tantos personagens, a maioria deles inesquecíveis, Chico era também escritor e
compositor, sendo autor de músicas gravadas por grandes nomes, como Maysa, por
exemplo (música Qualquer Madrugada escrita em parceria com
Hianto de Almeida).
Sabendo
compor e atuar tão bem, faltava para Chico apenas cantar. Mas não demorou para
que isso acontecesse. Ele uniu essas três habilidades e se juntou a outros dois
artistas, Arnaud Rodrigues e Renato Piau e, nos anos 70, criou o trio musical
Baiano e Os Novos Caetanos (cuja genialidade já começava pelo nome),
satirizando o conjunto Caetano e Os Novos Baianos. Além da paródia no nome,
havia também a semelhança no visual. A cabeleira de "Baiano", o
músico hippie criado por Chico, era totalmente inspirada na de Caetano versão
Londres e na de Moraes Moreira. O trio de Chico, além de ser uma sátira ao
Tropicalismo, também fazia uma crítica à ditadura diante do contexto político
da época.
A música
que abre o primeiro álbum, o samba-rock "Vô Batê Pa Tu", tornou-se um
clássico do trio. Nela estão versos sobre o regime militar colocado de maneira
a conseguir driblar o sistema e fazer o público cantar sem ser percebido pela
dura fiscalização, como no seguinte trecho: “O caso é esse/ Dizem que falam que
não sei o que/ Tá pá ‘pintá’ ou tá pá acontecer/ É papo de altas Transações/
Deduração, um cara louco/ Que dançou com tudo/ Entregação com dedo de veludo/
Com quem não tenho grandes ligações”.
Mas Chico
foi além. Com seu humor inteligente resolveu expor musicalmente sua visão sobre
a situação econômica do país, incluindo no mesmo álbum a música "Urubu Tá
com Raiva do Boi", que entre uma estrofe e outra expõe um desabafo de
Baiano para o personagem Paulinho (Arnaud Rodrigues), um reflexo do sentimento
geral do povo diante das dificuldades: "O medo, a angústia, o sufoco, a
neurose, a poluição, os juros, o fim... Nada de novo. A gente de novo só tem os
sete pecados industriais." "O norte, a morte, a falta de sorte... Eu ‘tô’
vivo, tá sabendo? Vivo sem norte, vivo sem sorte, eu vivo... Eu vivo, Paulinho.
Aí a gente encontra um cabra na rua e pergunta: 'Tudo bem? E ele diz pá gente:
'Tudo bem!' Não é um barato, Paulinho? É um barato..." E o contexto social
e político é ressaltado ainda no refrão: "Urubu tá com raiva do boi/ E eu
já sei que ele tem razão/ É que o urubu tá querendo comer/ Mas o boi não quer
morrer/ Não tem alimentação."
Além das
letras inteligentes, Baiano e Os Novos Caetanos tinha uma qualidade
instrumental inquestionável, que contava com arranjos de violões, sanfonas e
cavaquinhos. As músicas também ressaltavam a cultura nordestina e a religiosidade,
como "Folia de Reis" e "Ciranda". Assim, o que era pra ser
apenas uma divertida sátira tornou-se um trabalho de qualidade que rendeu o
volume dois e mais três álbuns, mostrando que, na tentativa de fazer humor, Chico Anysio fez história. E este é
apenas um de seus maravilhosos capítulos.
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