Internacional
A Capital Verde Europeia de 2014 possui uma política ambiental defendida
por todos.
COPENHAGUE a capital mais
verde (em espanhol)
GUILLERMO ALTARES 13 JUN 2015
El País – O JORNAL GLOBAL
Copenhague, a cidade mais verde da Europa / EL PAÍS TV
Uma colina inesperada ergue-se no coração de Nørrebro, um distrito
de Copenhague com forte concentração de imigrantes que passa por um rápido
processo de gentrificação. A elevação, insólita numa cidade assustadoramente
plana, é rodeada por edifícios do século XIX, mas também por construções
modernas. A grama está cuidadosamente cortada, e duas estudantes conversam
tranquilamente deitadas sobre uma manta numa tarde instável de primavera. O
campo não tem árvores, apenas arbustos. Mas a colina é uma ilusão de ótica, não
existe: na verdade, é o teto de um ginásio e foi construída dentro de um plano
da capital da Dinamarca para criar a maior quantidade possível de jardins e
terraços – seja como parques, para plantar hortas urbanas ou para aproveitar a
água da chuva, com o objetivo de refrigerar os edifícios no verão.
Escolhida
três vezes consecutivas pela revista britânica de tendências globais Monocle a cidade
mais habitável do planeta, eleita Capital Verde Europeia 2014 e designada por
uma pesquisa da The Economist Intelligence Unit como a capital
mais sustentável da Europa, Copenhague está imersa numa revolução verde que
afeta todos os aspectos de sua vida urbana. Uma das escolas financeiras mais
prestigiosas do mundo, a London School of Economics, publicou recentemente um
estudo sobre o processo que levou Copenhague a se transformar na
"líder mundial em economia verde”. O relatório conclui que a redução de
emissões e a aposta em políticas ambientais não apenas são positivas para o
planeta, mas também se transformaram num belo negócio para o país nórdico. A
cidade dinamarquesa pretende se tornar a primeira capital neutra em emissões de
carbono até 2025. E seus habitantes estão certos de que vão conseguir: houve
uma redução de 40% nas emissões desde 1990, e a partir de 1980 o PIB da
Dinamarca cresceu 80%, enquanto o consumo energético se manteve estável.
“O que estamos fazendo aqui é novo, ocorre pela
primeira vez”, explica em seu gabinete o ministro dinamarquês de Clima, Energia
e Construção, Rasmus Helveg Petersen, de 46 anos. A inclusão dessas três pastas
num só Ministério é uma verdadeira declaração de princípios. “Há 20 anos, a
Dinamarca era famosa pela indústria pornô e pelo bacon. Hoje, é conhecida pela
transição rumo a uma economia sustentável”, diz esse político do centrista
Partido Social Liberal. Em seu escritório com uma vista magnífica para os
canais do centro de Copenhague, Petersen mostra um mapa da Groenlândia,
território ártico pertencente à Dinamarca. “Se esse gelo derretesse, a água
inundaria toda a nossa cidade. É uma questão de bom senso, mas também é algo
bom para a economia do país.”
Consenso
político sobre o meio ambiente
Tanto no
Parlamento nacional como na Prefeitura da capital, o consenso sobre a política
ambiental supera quase 90% e abrange todos os partidos. A batalha se concentra
na imigração e na integração – sobretudo após o duplo atentado islâmico de
fevereiro, contra um café onde era realizado um debate sobre a liberdade de
expressão e uma sinagoga, que deixou dois mortos –, bem como na capacidade para
manter o Estado de bem-estar e nos efeitos da crise. Seja quem for o vencedor
das eleições de 18 de junho, a aposta ambiental não mudará porque foi objeto de
consenso em 2012 até 2025. Tanto a Prefeitura como o Governo são regidos por
coalizões dirigidas pelos sociais-democratas. As coalizões agrupam vários partidos
que representam uma parte considerável do espectro político, da centro-direita
à esquerda. Nas questões ambientais, o consenso também inclui a oposição. Não
se trata apenas de uma aposta dos partidos: é uma exigência social.
“Por acaso
podemos esperar os políticos? Todas as grandes mudanças vieram de baixo. É
muito importante pensar no que você pode fazer, em qual pode ser a sua
contribuição”, afirma o cozinheiro Flemming Schiøtt Hansen, de 42 anos. Seu
negócio é um restaurante no terraço de um feio edifício de concreto
no bairro de St. Kjeld, uma zona residencial situada no noroeste da cidade. O
acesso é feito por uma intrincada e vertiginosa escada em caracol. A maioria
dos produtos que ele serve foi cultivada no próprio terraço, que é uma granja
urbana com uma superfície plantada considerável, três favos de mel e um
galinheiro. O restaurante foi aberto há um mês (funciona só com reserva e tem
poucos lugares), mas a ideia central veio da horta. “Somos os primeiros a fazer
isso na Dinamarca”, diz Lívia Urban Swart Haaland, de 25 anos, promotora do
projeto. “Por que não devolver à terra o espaço ocupado por este edifício?” O
dono não cobra aluguel – é a sua forma de contribuir com o projeto. “São ideias
que vêm das pessoas, não da Prefeitura”, acrescenta.
St. Kjeld
está em pleno processo de transformação. Será o primeiro bairro do mundo
preparado para a mudança climática, com a construção de jardins com depósitos
subterrâneos de água e calçadas mais permeáveis. Tempestades inusitadas
atingiram Copenhague nos últimos dois anos, e os cientistas acreditam que a
mudança climática trará muitas outras. Os danos provocados pelas duas chuvas
torrenciais chegaram a milhões de reais. No caminho do centro até St. Kjeld, é
possível ver vários projetos similares. E o objetivo é que esse tipo de
reformas englobe todo o espaço urbano. “Analisamos todos os aspectos da cidade
e vemos como podemos otimizá-los do ponto de vista ambiental”, explica Jørgen
Abildgaard, diretor do Projeto de Mudança Climática da Prefeitura de
Copenhague.
Visita de
2.600 delegações do mundo inteiro
A capital
dinamarquesa está na moda por abrigar o famoso restaurante Noma, eleito
várias vezes o melhor do mundo e cuja influência se traduziu numa revolução da
gastronomia escandinava. O desenho nórdico; as marcas de roupa cada vez mais
presentes nas lojas de meio mundo; o novo enfant terrible da
arquitetura, Bjarke Ingels; e séries que se passam na cidade, como “Borgen” e
“Forbrydelsen” (“The Killing – A História de um Assassinato”) também colocaram
Copenhague no mapa. Mas seu grande negócio agora é a exploração de um modelo de
crescimento ecológico. O interesse despertado por esse setor fez com que,
somente em 2014, 2.600 delegações do mundo todo visitassem o State of
Green, o órgão metade público metade privado encarregado de promover as
soluções verdes que a cidade oferece. A sede fica a poucos passos da
Prefeitura.
Esta praça
do centro da cidade está preparada para fortes chuvas. / MARTIN DYRLOV
“Muitas
dessas ideias poderiam funcionar em outros países”, afirma Iver Høj Nielsen,
responsável pela comunicação do State of Green. “A água é um problema crescente
em todo o planeta. No nosso caso, porque temos chuvas de intensidade insólita.
Outros lugares, megalópoles como São Paulo e Los Angeles, sofrem com
graves secas. É preciso buscar soluções para encontrar e usar melhor a água de
que dispomos”, diz Nielsen.
“O modelo é
perfeitamente exportável. A maioria das cidades europeias poderia fazer o
mesmo. É uma questão de prioridade, de vontade política”, diz o diretor para
Assuntos Técnicos e Ambientais da Prefeitura de Copenhague, Morten Kabell, de
44 anos, membro da ala esquerda da coalizão que governa a cidade. “Não se pode
copiar porque é preciso se adaptar à estrutura de cada sociedade, mas é um
modelo que pode funcionar na Espanha ou na Grécia. Todo mundo pode fazer isso.”
Kabell é um homem cordial, que diz que há alguns anos participou de um programa
de troca de casas para visitar Madri. Mas ele não deixa de lançar dardos contra
o Governo quando lhe perguntam se na Dinamarca estão sendo tomadas as mesmas
medidas que na capital. “Os Governos falam, as cidades agem. O padrão se repete
em todos os lugares: os Estados fazem grandes discursos, mas depois não tomam
medidas. E são as cidades, não importa se estamos falando de Denver o
Copenhague, que realizam as políticas concretas. As cidades levam o assunto
muito mais a sério porque estamos muito mais perto dos cidadãos. É uma questão
de vontade política, de realmente tomar medidas que são necessárias. Além
disso, é bom para a economia. O relatório da London School of Economics
certifica que a aposta na eficácia ecológica foi boa para a economia da cidade.
Copenhague nunca esteve em recessão – o que, segundo o relatório, deve-se à
aposta verde.”
“Se fosse
político, você seria louco se não tomasse esse tipo de medida”, afirma Helle
Søholt, de 40 anos, sócia fundadora da Gehl Architects, explicando o
imenso apoio social à luta contra a mudança climática. O estudo pode servir
para resumir a pujança dinamarquesa na economia verde, mas também a sua longa
relação com as políticas ambientais. Nos anos setenta, por exemplo, o país foi
o primeiro a ter um ministro de Meio Ambiente. Outro fundador da empresa, Jan
Gehl, é o guru do planejamento urbano, da luta para transformar as cidades em
lugares mais habitáveis e do estudo da relação dos tecidos urbanos com as
pessoas. Copenhague foi uma das primeiras cidades do mundo a criar calçadões em
grandes partes do centro nos anos sessenta. E, como explica Helle Søholt, Gehl
forneceu dados à Prefeitura “que lhe deram coragem para seguir em frente com
medidas que na época eram muito discutidas.”
“Copenhague
nunca teve um plano geral. Foi ganhando espaços para os moradores. Nesses
últimos anos aconteceu uma grande mudança cultural, as pessoas estão voltando
ao centro da cidade, mas pedem um maior acesso às ruas, aos espaços verdes”,
continua Helle Søholt, que fundou o estúdio junto com Jan Gehl no ano 2000,
quando ela tinha 25 anos e ele, 65. Agora, o escritório ocupa uma magnífica e
labiríntica cobertura em uma rua comercial de edifícios dos anos 60 da capital,
tem 60 funcionários, escritórios em Nova York e São Francisco, e realiza
projetos em todo o mundo. De seu estúdio de madeiras claras e móveis de puro
design dinamarquês, mas sobretudo da rua, em uma conversa constante com seus
habitantes, realizaram reformas em cidades como Nova York, onde dirigiram a
transformação de Times Square em um calçadão, ou em São Paulo, onde estão
reformando todo o centro urbano para devolvê-lo aos moradores. O documentário A
Escala Humana, dirigido em 2012 por Andreas Dalsgaard, resume o trabalho
desse estúdio, que também inspirou a revolução verde de Copenhague. “A questão
é como você convence as pessoas, como as envolve, porque é impossível
forçá-los. Às vezes, é preciso tomar medidas drásticas: é importante
identificar quais são os problemas e agir a partir daí”, afirma a arquiteta.
Uma mudança
que começou nos anos 70
No caso da
capital dinamarquesa, a mudança começou nos anos setenta, quando, durante a
crise do petróleo de 1973, os moradores exigiram que seus representantes
apoiassem uma nova forma de transporte urbano: a bicicleta. Hoje continua sendo
o sinal mais evidente da transformação da cidade: as bicicletas estão por todos
os lados. O objetivo das autoridades municipais é que no final de 2015, 50% dos
deslocamentos urbanos sejam feitos nesse veículo. Noventa por cento dos pais
levam seus filhos ao colégio de bicicleta ou caminhando. No centro, habitado
por cerca de 700.000 pessoas, a bicicleta já é usada em 63% dos deslocamentos,
mas o objetivo é que isso se generalize na grande Copenhague, onde vivem dois
milhões de pessoas – a população total da Dinamarca é de 5,6 milhões. Para isso
construíram autoestradas para ciclistas que unem os bairros periféricos com o
centro. Mas foram tomadas mais medidas: faixas para bicicletas cada vez mais
amplas com um sistema, chamado Onda Verde, que sincroniza os semáforos nas
horas de pico de tal forma que se os ciclistas circularem a 20 quilômetros por
hora, todos os sinais estarão verde. Em vários pontos da cidade, painéis
automáticos contam o número de bicicletas que passam: no final do dia são
dezenas ou centenas de milhares, depende do ponto. E quando neva, ninguém tem
dúvida: primeiro são liberadas as faixas de bicicleta e depois, se der tempo e
muitas vezes depois da hora pico, as ruas.
Mas as
dezenas de projetos que estão transformando Copenhague não estão focadas
somente em duas ou quatro rodas, isso já é terreno conquistado: estão os
jardins nos terraços e a construção de uma nova incineradora para aquecer a
cidade com biomassa e lixo orgânico que terá uma pista de esqui em cima. Como
em muitos países do norte da Europa, o aquecimento é urbano e alcança 98% das casas.
Esse projeto, que vai custar 460 milhões de euros, é obra do estúdio de Bjarke
Ingels e pode ser visto da zona portuária, que vive também um grande processo
de renovação. As novas pontes que unem esses bairros com o centro da cidade são
apenas para bicicletas. Os caminhões de distribuição estão começando a ser
equipados com um sistema de GPS que, em troca de circular a menor velocidade
(e, portanto, produzir menos emissões), oferece rotas com todos os semáforos
verde. A cidade também assinou um acordo com a Hitachi para cruzar os dados
urbanos e aplicar técnicas de big data à eficiência ecológica.
A nova
ponte que cruza o porto é só para bicicletas, que têm preferência em toda a
cidade. / MARTIN DYRLOV
No porto,
entre edifícios futuristas que receberam as críticas de alguns moradores pelos
altos preços dos apartamentos, podem ser vistos no horizonte as pás dos moinhos
de vento para a produção de energia eólica, que se transformaram em um dos
símbolos do país – atualmente representa 20% do total das exportações da
Dinamarca. Podem ser vistos no mar quando o avião se aproxima de Copenhague,
mas também em diferentes pontos da cidade. A lei obriga que 50% da propriedade
dos parques eólicos seja de uma cooperativa, de tal forma que os moradores
estejam envolvidos nos projetos. Atualmente, 33% da energia é produzida por
renováveis, embora o objetivo é que em 2020 seja de 50%.
É possível
exportar o modelo para outras cidades?
No entanto,
a possibilidade de exportar todos esses projetos gera certo ceticismo pelas
características especiais de Copenhague: é uma cidade ideal para as bicicletas
porque é muito plana; tem muita água e, portanto, é fácil manter as áreas
verdes; o aquecimento central da cidade, que nasceu como uma parte do Estado de
Bem-Estar, agora é um instrumento muito útil para reduzir as emissões; tem
muito vento, o que ajuda na aposta eólica; está no mar... E, sobretudo, é a
capital de um país rico. Apesar de ter sido sacudida pela crise, sua renda per
capita foi, em 2014, de 60.000 dólares (entre as mais altas da UE, depois de
Luxemburgo e da Suécia, e quase o dobro da espanhola), com um enorme
investimento em educação (com 7,8% do PIB é o segundo país da UE que mais
investe nesse setor). Por outro lado, se a Dinamarca não conseguir exportar seu
modelo, seu esforço será insuficiente, já que é responsável por apenas 0,1% das
emissões do mundo. “Não tem a ver com ser rico ou pobre”, afirma o
vice-prefeito Kabell respondendo a essas dúvidas. “É uma responsabilidade
global, porque não podemos esquecer que a maioria das emissões são produzidas
pelos países ricos. Estudamos todas as áreas da sociedade e vemos quais
soluções podemos oferecer”. O ministro do Meio Ambiente se pronuncia no mesmo
sentido: “Colaboramos com muitos países. Mas, acima de tudo, é uma estratégia
política: é um problema com o qual não podemos viver, não podemos olhar para
outro lado. Temos condições especiais, concordo, mas cada país precisa estudar
suas condições especiais e aproveitá-las”.
A cidade do futuro
sempre foi retratada como um pesadelo, seja a Los Angeles hostil e chuvosa de Blade
Runner, na qual é impossível distinguir os humanos dos replicantes, ou a
desoladora Londres de Filhos da Esperança, de P. D. James, no qual tudo
deu errado, os seres humanos não podem se reproduzir e os imigrantes são
confinados em guetos em uma cidade suja e interminável. No entanto, a aposta de
Copenhague é transformar o discurso, mudar a distopia pela utopia. O professor
de economia Robert J. Shiller, da Universidade norte-americana de Yale,
publicou há pouco no The New York Times um artigo focado na
cidade com o título “Como o idealismo, expresso em passos concretos, pode
lutar contra a mudança climática”. “Acho que os economistas são negligentes em
reconhecer o idealismo como uma força na sociedade”, explica por e-mail. “Acho
que toda a história do idealismo em Copenhague é muito complexa. Não é nova. A
resistência dinamarquesa durante o Holocausto é lendária e conseguiram salvar
quase todos seus judeus. Por que a Dinamarca é diferente? Não sei a resposta,
mas o que é relevante é que estão demonstrando um idealismo extraordinário para
impedir a mudança climática. As pessoas sabem que quando sobem na bicicleta
estão realizando um ato simbólico que ajuda a renovar seu idealismo. Em outros
países, quando vemos alguém andando de bicicleta pensamos em esporte. Talvez
seja possível exportar o idealismo dinamarquês; na verdade, acho que já está
sendo transportado para outros lugares. É uma questão de assumir a liderança”
Nenhum comentário:
Postar um comentário