terça-feira, 2 de junho de 2015

FERNANDO PESSOA, O ORTÔNIMO: TÃO GRANDIOSO QUANTO OS HETERÔNIMOS

Literatura portuguesa

Gilmar, uma criatura hiperativa, que teme procurar ajuda médica com receio de ser internado... 


Publicado em literatura por Gilmar Luís Silva Júnior

Fernando Pessoa(s): o poeta português criou poetas autônomos, com personalidades perfeitas; entretanto, não esqueceu de si, erigindo uma faceta poética tão grandiosa quanto seus heterônimos.

#poesia #Portugal 
  
O poeta Fernando Pessoa é afamado por criar personalidades poéticas muito bem definidas. Possui, contudo, obra poética denominada ortônima, ou seja, do próprio Fernando Pessoa. Há três momentos distintos nessa seção da obra pessoana:
1. poemas messiânicos (dos livros Mensagem, À Memória do Presidente-Rei Sidônio Paes, e o Quinto Império): rememora as conquistas ultramarinas de Portugal e da expectativa de uma reedição daquela época. Esse canto nacionalista escamoteia uma busca da verdade e uma espera eivada de Cristianismo esotérico (hermético, somente a iniciados). O nome do livro Mensagem se deve ao adágio latino Mens agitat molem (A mente agita a matéria). Eis o mais conhecido poema dessa obra:
O' mar salgado, quanto do teu sal/ São lagrimas de Portugal!/ Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/ Quantos filhos em vão rezaram!/ Quantas noivas ficaram por casar/ Para que fosses nosso, ó mar!/ // Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena./ Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor./ Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ Mas nele é que espelhou o céu./

A coragem do povo lusitano é exaltada à custa do sofrimento caseiro. Há o sentido do exagero - o salgadio marítimo se deve às mães portuguesas -, concomitante a outros casos de amor frustrados em virtude de uma empresa maior - a conquista do mundo.
2. poemas ocultistas (dos livros Cancioneiro e Poemas Ingleses): tece o paradoxo da dúvida quanto à vida e a constante remissão ao sofrimento, à brevidade e ao mistério daquela. Abaixo, o poema Não é ainda a noite ilustra essa perspectiva:
Não é ainda a noite/ Mas é já frio o céu./ Do vento o ocioso açoite/ Envolve o tédio meu./ // Que vitórias perdidas/ Por não as ter querido!/ Quantas perdidas vidas!/ E o sonho sem ter sido.../ // Ergue-te, ó vento, do ermo/ Da noite que aparece!/ Há um silêncio sem termo/ Por trás do que estremece.../ // Pranto dos sonhos fúteis,/ Que a memória acordou,/ Inúteis, tão inúteis —/ Quem me dirá quem sou?/
O eu lírico se despe da ânsia colonizadora da vertente anterior, ao questionar as aspirações e ambições, como se tal busca não fosse algo inerente ao homem, o qual sente alijada de si a verdadeira razão da existência. O filósofo inglês Bertrand Russel fala que não há angústia pior ao homem do que a indecisão na própria vida. Diz Russel: "Os homens levam muitas vezes para a cama as suas inquietações em matérias de negócios e, durante a noite, quando deviam ganhar novas forças para enfrentar os dissabores do dia seguinte, é nelas que pensam, repetidas vezes, embora nesse instante nada possam fazer; e pensam nos problemas que os inquietam, não de forma a encontrar uma linha de conduta firme para o dia seguinte, mas nessa semidemência que caracteriza as agitadas meditações da insônia". Pessoa retrata essa situação; todavia, coloca na seara do mistério a saída para tal problemática.
3. poemas dramáticos (dos livros A Floresta do Alheamento, O Marinheiro e O Primeiro Fausto): em linguagem teatral, o eu lírico convida o leitor a degustar de um ceticismo violento, que tangencia limites imprecisos entre a realidade e a ilusão. Há um amálgama de ismos que fomenta uma análise aguda do movimento em busca do sentido da vida, sem, ainda, chegar a uma conclusão definitiva. Um poema do Primeiro Fausto exemplifica isso:
Primeiro Tema/ O Mistério do Mundo/ I/ Quero fugir ao mistério/ Para onde fugirei?/ Ele é a vida e a morte/ Ó Dor, aonde me irei?/ // II/ O mistério de tudo/ Aproxima-se tanto do meu ser,/ Chega aos olhos meus d'alma tão [de] perto,/ Que me dissolvo em trevas e universo ... /
Por meio de um viés clássico, o poeta personifica entidades abstratas - Mistério e Dor - e as põe como supra-humanas, a decidirem, como faziam as Moiras (três irmãs que fiavam o fio do destino dos homens e dos deuses e cortavam essa linha a bel-prazer) na mitologia grega. Vem do Simbolismo a análise acerada da sensação de orfandade do homem, o qual não enxerga a Deus por falta de provas cabais da existência Dele. O uso de itens difusos, sem uma expressão concreta - como alma, universo -, faz parte do corolário simbolista. Pessoa depõe o pensamento de São Tomás de Aquino, cuja filosofia dialoga uma intersecção entre as obras cristãs e os ensinamentos aristotélicos (metafísica). Aquino considerava que as ideias humanas poderiam ser imitadas da Ideia Primeira, do Intelecto Original, ou seja, de Deus. Entretanto, não acreditava que o homem pudesse ligar-se diretamente às ideias superiores; ele apenas poderia imitá-las.


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