Literatura portuguesa
Gilmar, uma criatura hiperativa,
que teme procurar ajuda médica com receio de ser internado...
Publicado em literatura por Gilmar Luís Silva Júnior
Fernando Pessoa(s): o poeta português criou poetas
autônomos, com personalidades perfeitas; entretanto, não esqueceu de si,
erigindo uma faceta poética tão grandiosa quanto seus heterônimos.
#poesia #Portugal
O poeta Fernando Pessoa é afamado por criar
personalidades poéticas muito bem definidas. Possui, contudo, obra poética
denominada ortônima, ou seja, do próprio Fernando Pessoa. Há três momentos
distintos nessa seção da obra pessoana:
1.
poemas messiânicos (dos livros Mensagem, À Memória do Presidente-Rei Sidônio
Paes, e o Quinto Império): rememora as conquistas ultramarinas de Portugal e da
expectativa de uma reedição daquela época. Esse canto nacionalista escamoteia
uma busca da verdade e uma espera eivada de Cristianismo esotérico (hermético,
somente a iniciados). O nome do livro Mensagem se deve ao adágio latino Mens
agitat molem (A mente agita a matéria). Eis o mais conhecido poema dessa obra:
O'
mar salgado, quanto do teu sal/ São lagrimas de Portugal!/ Por te cruzarmos,
quantas mães choraram,/ Quantos filhos em vão rezaram!/ Quantas noivas ficaram
por casar/ Para que fosses nosso, ó mar!/ // Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se
a alma não é pequena./ Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da
dor./ Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ Mas nele é que espelhou o céu./
A
coragem do povo lusitano é exaltada à custa do sofrimento caseiro. Há o sentido
do exagero - o salgadio marítimo se deve às mães portuguesas -, concomitante a
outros casos de amor frustrados em virtude de uma empresa maior - a conquista
do mundo.
2.
poemas ocultistas (dos livros Cancioneiro e Poemas Ingleses): tece o paradoxo
da dúvida quanto à vida e a constante remissão ao sofrimento, à brevidade e ao
mistério daquela. Abaixo, o poema Não é ainda a noite ilustra essa perspectiva:
Não
é ainda a noite/ Mas é já frio o céu./ Do vento o ocioso açoite/ Envolve o
tédio meu./ // Que vitórias perdidas/ Por não as ter querido!/ Quantas perdidas
vidas!/ E o sonho sem ter sido.../ // Ergue-te, ó vento, do ermo/ Da noite que
aparece!/ Há um silêncio sem termo/ Por trás do que estremece.../ // Pranto dos
sonhos fúteis,/ Que a memória acordou,/ Inúteis, tão inúteis —/ Quem me dirá
quem sou?/
O
eu lírico se despe da ânsia colonizadora da vertente anterior, ao questionar as
aspirações e ambições, como se tal busca não fosse algo inerente ao homem, o
qual sente alijada de si a verdadeira razão da existência. O filósofo inglês
Bertrand Russel fala que não há angústia pior ao homem do que a indecisão na
própria vida. Diz Russel: "Os homens levam muitas vezes para a cama as
suas inquietações em matérias de negócios e, durante a noite, quando deviam
ganhar novas forças para enfrentar os dissabores do dia seguinte, é nelas que
pensam, repetidas vezes, embora nesse instante nada possam fazer; e pensam nos
problemas que os inquietam, não de forma a encontrar uma linha de conduta firme
para o dia seguinte, mas nessa semidemência que caracteriza as agitadas
meditações da insônia". Pessoa retrata essa situação; todavia, coloca na
seara do mistério a saída para tal problemática.
3.
poemas dramáticos (dos livros A Floresta do Alheamento, O Marinheiro e O
Primeiro Fausto): em linguagem teatral, o eu lírico convida o leitor a degustar
de um ceticismo violento, que tangencia limites imprecisos entre a realidade e
a ilusão. Há um amálgama de ismos que fomenta uma análise aguda do movimento em
busca do sentido da vida, sem, ainda, chegar a uma conclusão definitiva. Um
poema do Primeiro Fausto exemplifica isso:
Primeiro
Tema/ O Mistério do Mundo/ I/ Quero fugir ao mistério/ Para onde fugirei?/ Ele
é a vida e a morte/ Ó Dor, aonde me irei?/ // II/ O mistério de tudo/
Aproxima-se tanto do meu ser,/ Chega aos olhos meus d'alma tão [de] perto,/ Que
me dissolvo em trevas e universo ... /
Por
meio de um viés clássico, o poeta personifica entidades abstratas - Mistério e
Dor - e as põe como supra-humanas, a decidirem, como faziam as Moiras (três
irmãs que fiavam o fio do destino dos homens e dos deuses e cortavam essa linha
a bel-prazer) na mitologia grega. Vem do Simbolismo a análise acerada da
sensação de orfandade do homem, o qual não enxerga a Deus por falta de provas
cabais da existência Dele. O uso de itens difusos, sem uma expressão concreta -
como alma, universo -, faz parte do corolário simbolista. Pessoa depõe o
pensamento de São Tomás de Aquino, cuja filosofia dialoga uma intersecção entre
as obras cristãs e os ensinamentos aristotélicos (metafísica). Aquino
considerava que as ideias humanas poderiam ser imitadas da Ideia Primeira, do
Intelecto Original, ou seja, de Deus. Entretanto, não acreditava que o homem
pudesse ligar-se diretamente às ideias superiores; ele apenas poderia
imitá-las.
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