quinta-feira, 4 de junho de 2015

OS BASTIDORES DA POLÍTICA NO CINEMA

 

Publicado em cinema por J. Douglas Alves,
em obviusmagazine.
É Escritor, Pedagogo, Cinéfilo, Desmistificador de Dálias.. 

Muitos são os filmes que tratam dos bastidores da política, seja dando ênfase a alguns personagens e situações, ou abordando de forma mais ampla todo o processo. Faço aqui uma reflexão sobre o processo eleitoral no cinema, contextualizando este cenário nos Estados Unidos e no Brasil.
  

Virada no Jogo e Tudo pelo Poder.

Recentemente assisti a dois filmes estadunidenses que tratam diretamente dos bastidores do processo eleitoral naquele país, “Virada no Jogo” (Game Change, 2012) e “Tudo pelo Poder” (The Ides of March, 2011). Não tem muito tempo, vi “O Super Lobista” (Casino Jack, 2010), outro que de certa forma retrata os bastidores da política nos EUA. A lista que se associa a esta perspectiva não é recente e pequena: “A Mulher Faz o Homem” (Mr. Smith Goes to Washington, 1939), “Vassalos da Ambição” (The Best Man, 1964), “O Candidato” (The Candidate, 1972), “Bob Roberts” (1992), “Segredos do Poder” (Primary Colors, 1998), “Recontagem” (Recount, 2008), “Os Candidatos” (The Campaign, 2012), entre outros, também trazem uma premissa semelhante.

Tudo pelo Poder e House of Cards. 


Ao pensar sobre estes filmes, podemos refletir sobre o quanto o cinema é importante para a política nos Estados Unidos – e não apenas no formato mais tradicional para este tipo de narrativa, como é o caso dos documentários. O cinema comercial, que abrange a grande massa da população, tem destaque neste cenário, diferentemente do que, até o momento, tem ocorrido no Brasil – inclusive destacamos a premiada série “House of Cards” (2013-), da Netflix, que também aborda as intrigas políticas para chegar ao cargo de Secretário de Estado dos Estados Unidos, considerada uma das mais altas posições do governo.

Il DivoNo e Escobar.

Il Divo: La Spettacolare Vita di Giulio Andreotti” (2008), filme italiano de Paolo Sorrentino e “No” (2012), filme chileno de Pablo Larraín, bem como o filme “Escobar: Paraíso Perdido” (Escobar: Paradise Lost, 2015), de Andrea Di Stefano, são outros exemplos recentes, fora do eixo hollywoodiano, a retratar a questão política contextualizando o que se passa além das salas fechadas e reuniões secretas e das propagandas eleitorais e discursos abertos dos sujeitos envolvidos.

O Candidato Honesto e Tropa de Elite 2.

No Brasil, os casos mais próximos de filmes semelhantes aos apresentados anteriormente, que possam contemplar os bastidores da política contemporânea em âmbito nacional, possivelmente são a comédia “O Candidato Honesto” (2014), de Roberto Santucci, “Lula, o Filho do Brasil” (2009), de Fábio Barreto e Marcelo Santiago e “Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro”, de José Padilha. O primeiro, uma comédia que por vezes utiliza de piadas estereotipadas para retratar o perfil do político profissional brasileiro; o segundo, inspirado na trajetória do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, trata mais da biografia do ex-presidente do que dos trâmites dele na presidência – ou para chegar até ela; e o terceiro, um trabalho mais bem acentuado sobre o sistema e sobre aqueles que se mantém nele (e dele).

Banksy.

Isto é algo a se pensar. Numa época em que “o entretenimento da política e a política do entretenimento”, como afirma Leonidas Donskis (2014, p. 89), são as únicas duas coisas que têm valor “no mundo da sociedade tecnológica e consumista”, notamos que enquanto outros países salientam este movimento através de produções cinematográficas e televisivas, o Brasil permanece tendo como fio condutor da memória coletiva e social, sobretudo, a mídia jornalística e as redes sociais.
Sabemos que o cinema pode ser uma arma política muito forte. Prova disso é o envolvimento de cineastas e atores/atrizes nas campanhas presidenciais. No Brasil também temos esse “efeito reality show” em ascensão, com campanhas cada vez mais caricaturais e com a participação de “celebridades”, não apenas do cinema e da televisão, demonstrando suas opções em relação aos partidos e candidatos/candidatas – estes, em muitos casos, outros(as) brilhantes atores/atrizes. Nada contra quem assume uma posição partidária, seja uma pessoa conhecida ou desconhecida; no entanto, é preciso ter cuidado quando mais do que uma posição pessoal, o que se assume pode ser na verdade somente mais uma engenhosa estratégia partidária do show business para atrair novos eleitores.

Banksy.

A política no Brasil chega a ser tão envolvente quanto o futebol e a novela, mas percebemos que poucos cineastas se aventuram a colocar em tela o jogo – ou as regras do jogo – deste processo que gera tanta audiência e polêmicas. O que estaria faltando? Coragem? Criatividade? Liberdade? Não sei, pela quantidade de bons profissionais que temos, acredito que o problema seja de outra ordem. Talvez a falta de incentivo financeiro para produzir tais filmes; a abertura das grandes produtoras e distribuidoras, que dominam o mercado cinematográfico; e até mesmo a pouca cultura estabelecida na “preferência nacional” – uma cultura aberta a receber um tipo de filme que esteja mais preocupada em pensar sobre ele do que somente rir dele – são fatores que devem pesar sobre isto.

Morpheus, Matrix.

Desde a Alemanha nazista e a União Soviética revolucionária ao Brasil Varguista e os Estados Unidos em guerra permanente, o cinema tem influenciado sobremaneira, no campo da política, o modo de pensar – e possivelmente de agir – de milhões de pessoas ao redor do mundo. O filme não é apenas um produto/documento histórico, mas como apontava o historiador francês Marc Ferro já na década de 1970, o filme deve ser considerado também um agente da história por meio da relação estabelecida entre o autor, o espectador e o tema.
Destacamos a relevância da sétima arte na contemporaneidade ao situarmos “o cinema como uma nova forma de pensamento histórico” (ROSENSTONE, 2010, p. 25), que influencia de forma direta no itinerário de formação humana (ALMEIDA; FERREIRA-SANTOS, 2011), sempre associando ao que Valesca G. Litz (2009, p. 27) ressalta: seu “contexto histórico, social, político e ideológico”.
Referências
ALMEIDA, Rogério de; FERREIRA-SANTOS, Marcos. O cinema como itinerário de formação. São Paulo, Képos, 2011.
DONSKIS, Leonidas; BAUMAN, Zygmunt. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
LITZ, Valesca Giordano. O uso da imagem no ensino de História. Universidade Federal do Paraná, Caderno Temático do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná – PDE. Curitiba, PR. 2009.


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