Por
Joaci
Góes
Em meados do Século XIX, a corrupção grassou com tamanha intensidade nos
Estados Unidos que o sentimento predominante entre as pessoas era o de
desespero, de que se encontravam na casa do sem-jeito, reino do salve-se-quem-puder,
algo do tipo cada qual por si, porque nada havia a esperar de uma convivência
pautada pela degradação dos costumes, estimulada e imposta por instituições
nada respeitáveis. Os filmes de bang-bang captaram aquele espírito coletivo, quando
as cidades eram submetidas ao espúrio consórcio entre o prefeito, o xerife, o
juiz e um grande empresário, ora um grande fazendeiro, ora o proprietário de
uma estrada de ferro em construção, ou de uma mina de pedras preciosas. Quando
já não havia esperanças, eis que adentrava o cenário a figura do mocinho
salvador, valente, bonito, íntegro e excepcional atirador, culminando o enredo
com o triunfo do bem. É verdade que, em muitos casos, a vitória era regada com
o sangue do herói, quando não encerrada com uma grande frase de efeito, como no
filme em que o mocinho, John Wayne, sentenciou: “Se o mundo fosse de ouro, os
homens se matariam por um pedaço de barro”.
O tempo passou e a grande nação americana deu a volta por cima e se
afirmou como a maior potência econômica, política, militar, diplomática,
científica e democrática do Globo. Tudo isso na pregação e na prática do
princípio segundo o qual a lei vale para todos, na linha da Magna Carta inglesa
de 1215, documento histórico que celebra oito séculos, no corrente ano.
Princípio sempre presente no evangelho de Ruy Barbosa, com seu famoso aforismo:
“Com a lei, pela lei, dentro da lei, porque fora da lei não há salvação”.
Penso que, ainda que tenhamos alguns degraus a descer na escada dos
desmandos que caracterizam a prática do poder público brasileiro de nossos
dias, a crise política, econômica e moral que atravessamos tem tudo para
figurar na retrospectiva histórica que se fizer no futuro como o ponto de
inflexão para o retorno da prevalência de padrões éticos sem os quais os países
não passarão de arremedo de nações prósperas e felizes, como tem sido o estado
crônico da sociedade capenga que edificamos no Brasil.
A 14ª etapa da operação Lava Jato, batizada como Erga omnes,
traz embutida a mensagem de que o verdadeiro inspirador desse assalto sem
precedentes aos cofres públicos, que todos sabem ou intuem quem seja, será
alcançado e punido, do mesmo modo que estão sendo punidos e execrados alguns
dos maiores empresários brasileiros - reconhecidos responsáveis por substancial
parcela do desenvolvimento nacional-, por terem se submetido aos achaques dos
representantes do poder político dominante, na base do “ou dá, ou desce”, como
ficou claro na delação premiada de um grande empreiteiro, publicada meio às 28
páginas que Veja dedicou à crise brasileira, em sua edição desta semana.
A exemplo do que ocorreu com o Gigante do Norte, confio que a crise que
atravessamos poderá ter, também, o significado de oportunidade, como entendem
os chineses.
Quem sabe se o espírito da octocentenária Magna Carta inglesa,
travestido de avatar, não se encarnará em nosso sistema judiciário, fazendo o
povo brasileiro retomar os caminhos saudáveis da ética, sem a qual as nações
não amadurecem, nem se consolidam?
Se perdermos esta oportunidade única, o jeito é refletir sobre a
advertência de Sérgio Porto, o criativo Stanislaw Ponte Preta, ao sentenciar
profético: “Acabemos com a corrupção ou locupletemo-nos todos”.
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