Publicado em sociedade por Brenda Bellani
Ler
pode deixar os leitores mais empáticos e sensibilizados com problemas alheios?
A matéria do New Yorker debate esta possibilidade e também explica sobre a
prática da biblioterapia - leituras receitadas por um terapeuta com o intuito
de ajudar enfrentar algum problema específico.
Quando comecei
a ler a matéria Can Reading Make You Happier do site The New Yorker,
escrita pela autora Ceridwen Dovey, achei que ela trataria do assunto de uma
forma mais genérica, talvez do tipo: leitores sabem apreciar a própria
companhia, vivem em diferentes mundos sem sair de casa, etc. Mas não. O artigo
é muito, muito interessante e menciona tratamentos e trabalhos científicos que
comprovam que a leitura pode, sim, tornar um indivíduo mais feliz.
Biblioterapia
Ceridwen
começa relatando uma experiência pessoal com sessões de biblioterapia – algo
que, até então, eu nem sabia que existia. A autora respondia um questionário,
contando detalhes sobre a sua vida e seus anseios, e a biblioterapeuta
receitava livros que poderiam ajudar especificamente no tratamento de Ceridwen.
A reading prescription deveria ajudar a amenizar alguma
preocupação do “paciente”, no caso se Ceridwen, o medo de não ter recursos
espirituais suficientes para enfrentar o inevitável luto pela perda de um ente
querido. Mas a biblioterapia pode tratar de outros impasses: uma crise na
carreira, um término de relacionamento, o que fazer na aposentadoria
recém-conquistada, a insegurança ao se tornar pai, etc.
Sei que a
Wikipédia não é uma fonte super confiável, mas a definição de biblioterapia cai
bem: a prescrição de materiais de leitura com função terapêutica. No texto de
Ceridwen, ela trouxe várias definições para o tratamento, de diferentes
profissionais. A própria biblioterapeuta da autora, Ella Berthoud, criou uma
das clínicas pioneiras na prática da biblioterapia em Cambridge, juntamente com
Susan Elderkin, profissional do mesmo ramo, e o filósofo Alain de Botton (autor
de “A arte de viajar”). Na época, 2007, “se realmente existente, a
biblioterapia tendia a se basear em um contexto mais médico, com uma ênfase
maior em livros de autoajuda”, como conta Berthoud. O que as duas profissionais
fizeram neste caso foi usar a ficção como a cura definitiva, uma vez que ela
proporciona uma experiência transformacional aos leitores. Atualmente, existem
profissionais especializados em biblioterapia em todas as partes do mundo
treinados pelas duas inglesas, que também escreveram juntas o livro “The Novel
Cure: An A-Z of Literary Remedies”.
A
biblioterapia pode tomar várias formas: cursos literários em cadeias, grupos de
leitura em asilos ou, simplesmente, sessões individuais ou grupais de leitores
relapsos que gostariam de retomar o prazer pela leitura com uma orientação mais
específica.
A
biblioterapia, então, nada mais é do que usar a leitura como uma forma de
terapia.
Empatia
Ceridwen,
ela própria uma ávida leitora, sabe que, como qualquer outro bookworm, não é
realmente uma surpresa que ler faz bem à saúde mental e aos nossos
relacionamentos. Mas por que e como eles fazem bem exatamente? Isto tem sido
retratado em vários estudos científicos recentes.
Na metade
dos anos 90, foram descobertos os “mirror neurons”, neurônios espelho que
disparam em nossos cérebros quando nós mesmos agimos e também quando vemos
outra pessoa agir; e, a partir daí, a neurociência da empatia se tornou mais
clara. Em 2011, um estudo publicado no Annual Review of Psychology demonstrou
que quando as pessoas leem sobre uma experiência, exibem estimulações nas
mesmas regiões neurológicas como se elas mesmas tivessem passado pela
experiência. Ou seja, nosso cérebro reage da mesma forma quando lemos e quando
tentamos adivinhar os sentimentos de outra pessoa.
Outros
estudos também mostram resultados semelhantes de que quem lê muita ficção tende
a se tornar mais empático (além do fato de que pessoas que já são mais
empáticas têm tendência a ler mais ficções). Um estudo de 2013 publicado em
Science descobriu que ler ficção literária (ao invés de ficção popular ou não
ficção) melhorou o resultado em testes que mediam a percepção social e a
empatia, cruciais à “teoria da mente”, a habilidade de adivinhar com exatidão o
que outra pessoa está pensando ou sentindo.
Todos estes
e outros estudos servem também para reforçar a ideia de que os livros são o
melhor tipo de amigo: eles nos permitem ensaiar interações com o mundo sem
nenhuma forma de dano e, assim, nos tornam pessoas melhores. Ceridwen fala
apenas de uma pesquisa que discorda das demais citadas acima. Autora do livro
“Empathy and The Novel”, Suzanne Keen é cética em relação às conexões empáticas
criadas pela leitura de ficções e de que elas podem realmente se transformar em
comportamentos pró-sociais na vida real. Ela acredita que esta hipótese é muito
difícil de ser comprovada. A autora diz: “Qualquer bookworm sabe que leitores
também podem ser considerados antissociais e indolentes. Ler romances não é um
esporte em equipe”. Fair enough.
Eu,
particularmente, concordo que ler é uma atividade “solitária”. No entanto,
também acredito que ler romances pode nos tornar mais empáticos. Talvez, uma
explicação mais neutra seria dizer que nos tornamos mais conscientes sobre
problemas alheios. Quando lemos sobre bullying, morte, términos de
relacionamentos e outros problemas, sofremos junto com os personagens e aprendemos
sobre questões que, por sorte, não tivemos que experimentar na vida real.
Concorde ou
não, eu super recomendo a leitura da matéria de Ceridwen Dovey no The New
Yorker, Can Reading Make You
Happier!
Todos os livros mencionados na matéria
O Guia – R.
K. Narayan
O Evangelho
Segundo Jesus Cristo – José Saramago
Henderson,
o Rei da Chuva – Saul Bellow
Sidarta –
Hermann Hesse
Em Defesa
de Deus – Karen Armstrong
A Soma de
Tudo – David Eagleman
Se um
Viajante numa Noite de Inverno – Italo Calvino
Archy and
Mehitabel – Don Marquis
Fragmentos
de uma Exposição – Patrick Gale
Room
Temperature – Nicholson Baker (não achei versão em português)
O Sol é
Para Todos – Harper Lee
Such Stuff
as Dreams: The Psychology of Fiction – Keith Oatley (sem versão em português)
Empathy and
The Novel – Suzanne Keen (sem versão em português)
O Hotel New
Hampshire – John Irving
O Perfume
de Jitterbug – Tom Robbins
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