Enredo e análise crítica
Por Fernando Marcílio
Mestre em Teoria Literária pela
Unicamp
Capitães da Areia faz referência aos meninos de rua de
Salvador, menores cuja vida desregrada e marginal é explicada, de uma forma
geral, por tragédias familiares relacionadas à condição de miséria. O grupo de
meninos que forma os Capitães se esconde em um armazém
abandonado em uma das praias da capital baiana.
Os personagens que compõem o núcleo central da narrativa apresentam
algumas particularidades: João Grande possui uma força bruta, o professor é
lembrado pelo talento artístico, Sem-Pernas pela amargura existencial, a
opressão sertaneja é representada por Volta-Seca, a sexualidade precoce por
Gato, o malandro é o Boa-Vida e a tendência à religiosidade se manifesta em
Pirulito. Todos são liderados por Pedro Bala, o protagonista do romance.
Órfão desde muito cedo, Bala descobre o passado de seu pai, um líder
operário assassinado durante uma greve. Quem lhe dá a informação é João de
Adão, organizador de greves que abre ao menino as portas da luta trabalhista.
Bala prefere continuar a organizar os assaltos e roubos cometidos pelo bando,
participando das ações mais perigosas. Um dia, junta-se ao bando a menina Dora,
cujos pais tinham morrido em uma epidemia de malária. Vista inicialmente com
desconfiança, aos poucos Dora se integra ao grupo, ganhando o respeito de todos
e o amor de Pedro Bala.
Durante uma ação, Bala e Dora são presos. Ela é colocada em um orfanato,
enquanto o menino é submetido à violência de torturadores que tentam obter dele
o local do esconderijo dos Capitães. Bala sofre, mas nada revela. Foge do
reformatório e liberta Dora. A menina, no entanto, sai doente do lugar. Em sua
última noite de vida, pede ao namorado que a possua.
A morte de Dora
coincide com um momento de passagem para a vida adulta dos principais membros
do bando. João Grande vira marinheiro, Volta-Seca se torna cangaceiro, Pirulito
entra para uma ordem religiosa e Sem-Pernas se suicida para não cair nas mãos
da polícia. Por fim, Pedro Bala abandona o grupo, mas não a condição de líder,
agora voltada para a vida operária. Dessa forma, continua a obra inacabada do
pai.
CONTEXTO
Sobre o autor
Jorge Amado pertence à segunda geração da literatura modernista brasileira, identificada como aquela que abordou a temática nordestina. No caso do escritor baiano, essa temática foi focalizada sob o prisma do realismo socialista, que aplicava à visão artística da realidade os princípios do Marxismo, do qual o autor foi adepto, chegando a eleger-se deputado pelo Partido Comunista Brasileiro. Algumas de suas principais obras foram adaptadas para a televisão, é o caso de “Tieta do Agreste”, “Gabriela, Cravo e Canela” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos”. Pela grande contribuição literária, Jorge Amado ganhou o Prêmio Camões em 1994.
Importância do Livro
Capitães da areia estabelece uma analogia entre a aventura que é narrada e a mensagem política que se pretende transmitir ao leitor. Possui com isso, um sentido didático que é próprio do tipo de literatura que o romance representa: aquele que é voltado para o trabalho de conscientização política. No âmbito da literatura, Jorge Amado foi um dos primeiros a abordar a questão dos menores de rua de uma perspectiva social e não simplesmente policial.
Período histórico
Quando o romance foi publicado, em 1937, autoridades baianas queimaram exemplares em praça pública. O episódio dá o tom do clima político da época, com o início da ditadura getulista do Estado Novo a repressão começava a mostrar as suas garras.
ANÁLISE
O livro se inscreve na categoria do romance de aventuras, com a
narrativa estruturada em uma sucessão de episódios vividos pelo bando de
garotos, que vão desde ações criminosas, como roubos a residências, até a
recuperação de uma imagem de candomblé apreendida pela polícia.
Muito do livro faz pensar em Peter Pan, personagem de J. M.
Barrie. O armazém em Salvador é uma espécie de Terra do Nunca, onde só vivem
meninos abandonados, e o líder é homônimo: Peter = Pedro. Pode-se propor ainda
a semelhança com Robin Hood, que roubava dos ricos (as casas
chiques de Salvador) para distribuir entre os pobres (os próprios membros do
bando). A semelhança de nomes do melhor amigo do líder também pode ser
relacionada, Little John, isto é, Pequeno João, na narrativa
inglesa é um apelido irônico, já que se refere a alguém de estatura tão elevada
quanto a de João Grande do romance de Jorge Amado.
Pedro Bala possui muito do herói romântico: valentia, coragem e
capacidade de se sacrificar pelo grupo. Mas talvez fosse melhor vê-lo como mais
um anti-herói da nossa literatura, já que se dedica a crimes, chegando em uma
passagem do romance a estuprar uma garota. Outra marca forte do modelo
romântico é a figura de Dora, tanto por sua concepção idealizada, quanto pelo
final triste da morte.
Porém, de mãos dadas com a ficção está a realidade baiana, evidenciada
em traços como o preconceito das elites para com os meninos, as greves de
trabalhadores, a ação repressora da força policial e, elemento bastante
realçado na obra, o sincretismo religioso, que mistura referências católicas a
ritos afro-brasileiros. O esforço de conscientização do leitor é evidente na
obra de Jorge Amado, sendo conduzido com a perícia de um grande contador de
histórias, criador de narrativas envolventes.
Os adultos participam da narrativa, divididos em dois grupos bem
distintos. De um lado, aqueles que rejeitam os meninos: as beatas, os policiais
e todos aqueles ligados aos espaços repressivos do reformatório e do orfanato.
De outro lado, os cúmplices, como o amigo capoeirista Querido-de-Deus, o padre
João Pedro e Don’Aninha, mãe-de-santo.
A simpatia do
narrador pelos Capitães da Areia é bastante evidente. Ele os
vê como vítimas de uma sociedade injusta, aproximando-os da condição de
marginalizados, na qual se identificam com as classes trabalhadoras. O
resultado dessa aproximação é sugerido pela trajetória do líder Pedro Bala:
conforme cresce, toma consciência da realidade à sua volta, terminando por
integrar-se à luta política. Menino órfão, Pedro encontra uma família na
revolução socialista – ideal político do autor e explícito no livro.
PERSONAGENS
- Pedro Bala: chefe dos Capitães da Areia, descobre que o
pai foi morto durante uma greve sindical. Termina o romance como líder
socialista.
- Dora: única mulher do grupo, é namorada de Pedro Bala e vista com mãe
pelos outros meninos.
- João Grande: notável pela força física e pela obediência que devota a
Pedro Bala. É quem protege os novatos do bando.
- Professor: menino culto e pintor de talento, era o responsável por
planejar os roubos do bando.
- Sem-Pernas: garoto coxo, que manifesta ceticismo e amargura. Era muito
utilizado nos assaltos para enganar os moradores das casas.
- Gato: o sedutor do grupo, participava de planos arriscados e tinha um
caso com Dalva, uma mulher da vida.
- Pirulito: menino que, aos poucos, descobre a religião. Pratica apenas
os roubos necessários à sobrevivência.
- Boa-Vida: personagem marcada pela malandragem e pela capacidade de
sacrifício.
- Volta-Seca: de origem nordestina, torna-se cangaceiro ao sair do
bando.
- Padre José Pedro: religioso que manifesta genuíno interesse
pelos Capitães.
- João de Adão:
líder operário, o estivador conheceu o pai de Pedro Bala e contou ao menino
como foi a sua morte.
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