sábado, 4 de julho de 2015

CONTRADIÇÕES TUPINIQUINS: A BRASILIDADE DIALÉTICA

 Publicado em literatura por Bruna Kalil Othero

O artigo que se segue é uma breve análise da constituição da Literatura Brasileira como produto da dialética entre contradições: desde o local e o universal até o nacional e o forasteiro.

"Operários" (1933), de Tarsila do Amaral. Foto: emcontrasenso.com

José de Alencar, renomado romancista do período romântico no Brasil, é mais conhecido pela face indianista e seu nacionalismo ufânico. O culto ao índio ideal, sensível às maravilhas da natureza, em contraste com as “ideias de homem civilizado” (ALENCAR, Cartas sobre A Confederação dos Tamoios), está presente em muitas de suas obras, como “Iracema” e “O Guarani”.
Essa dialética entre local e universal, geral e particular, foi e é amplamente discutida nos ambientes de Letras. Antonio Candido possui um livro no qual “procura estudar a formação da literatura brasileira como síntese de tendências universalistas e particularistas” (CANDIDO, Formação da Literatura Brasileira). Ele começa ao citar os escritores neoclássicos, que pretendiam retratar a realidade brasileira – por vezes, mais especificamente, a mineira – através de moldes universalistas que estavam em voga no momento. Assim, a própria mistura entre o neoclassicismo e o conjunto de elementos locais, a dita “brasilidade”, resultaram numa expressão mais ou menos autêntica da situação brasileira, somada à consciência do fazer literário que seus produtores já tinham.
Essas contradições começam a surgir no processo de colonização, quando o Brasil, então “terra virgem”, foi bombardeado pela cultura lusitana – e a literatura, já pronta, serviu aos portugueses como arma de dominação cultural. Porém, anos após o primeiro contato, na época dos árcades; os brasileiros, apesar de demonstrarem em suas obras o sucesso da implantação da cultura e dos valores europeus, ao mesmo tempo, se utilizavam delas (as obras) para contestar sua própria subserviência. Essa ambiguidade literária é fruto da ambiguidade do contexto tupiniquim no momento, que contrastava “a inteligência do homem culto e o primitivismo reinante, a grandeza das tarefas e a pequenez dos recursos, a aparência e a realidade” (CANDIDO, Literatura de Dois Gumes).

E a contradição não acaba aí: a própria negação do estrangeiro, ideologia do Romantismo de Alencar, foi uma ideia importada de autores franceses. Esse movimento romântico continuou trabalhando a dialética entre o local e o universal, na exaltação de uma alma particular, sobretudo nacional, se utilizando de tendências e estruturas europeias.

"A Negra" (1923), de Tarsila do Amaral. No fundo, influências das vanguardas europeias; na frente, a negra e a palmeira representando o Brasil. Foto: Wikipedia

Roberto Schwarz, no seu “Nacional por Subtração”, propõe uma nova reflexão frente às perspectivas já abordadas sobre a problemática brasileira da cópia, de não saber dosar a influência do estrangeiro – universal – no nacional. Após criticar os nacionalismos de subtração dos anos 60; a destruição filosófica da cópia de Silviano Santiago; a Antropofagia ingênua de Oswald e outras inclinações mais recentes da crítica, Schwarz esboça uma conclusão de que “a marca ubíqua de ‘inautenticidade’ veio a ser concebida como a parte mais autêntica do espetáculo brasileiro” (SCHWARZ, Nacional por Subtração).
Ou seja, a dialética entre as contradições foi a responsável pela formação de uma Literatura Brasileira, ainda que impulsionada, quase sempre, por influxos externos. A questão da cópia não pode ser resolvida, pois não é um problema; mas puramente um fato que contribuiu para criar a nossa originalidade. Oswald disse que “só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.” (ANDRADE, Manifesto Antropófago), porque o que é dele, ele já tem. O trunfo brasileiro talvez possa ser a capacidade de agregar novidades estrangeiras, universais, ao que aqui já existe. Portanto, a dialética entre os tantos opostos que nos compuseram – local e universal, barbárie e civilização, colônia e metrópole, Arcádia e a Minas Gerais rural, nacional e estrangeiro – não é a única questão, nem a principal. A contradição maior que impera desde os primórdios da nossa história é esta: a cultura presa nas mãos de uma elite literária erudita, que produz e consome em si mesma; e a realidade da turba brasileira: possíveis, mas impossíveis, leitores.
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