Publicado em literatura por Bruna Kalil Othero
O artigo que se segue é uma breve análise da constituição da Literatura
Brasileira como produto da dialética entre contradições: desde o local e o
universal até o nacional e o forasteiro.
"Operários"
(1933), de Tarsila do Amaral. Foto: emcontrasenso.com
José de
Alencar, renomado romancista do período romântico no Brasil, é mais conhecido
pela face indianista e seu nacionalismo ufânico. O culto ao índio ideal,
sensível às maravilhas da natureza, em contraste com as “ideias de homem
civilizado” (ALENCAR, Cartas sobre A Confederação dos Tamoios), está presente
em muitas de suas obras, como “Iracema” e “O Guarani”.
Essa
dialética entre local e universal, geral e particular, foi e é amplamente
discutida nos ambientes de Letras. Antonio Candido possui um livro no qual
“procura estudar a formação da literatura brasileira como síntese de tendências
universalistas e particularistas” (CANDIDO, Formação da Literatura Brasileira).
Ele começa ao citar os escritores neoclássicos, que pretendiam retratar a
realidade brasileira – por vezes, mais especificamente, a mineira – através de
moldes universalistas que estavam em voga no momento. Assim, a própria mistura
entre o neoclassicismo e o conjunto de elementos locais, a dita “brasilidade”,
resultaram numa expressão mais ou menos autêntica da situação brasileira, somada
à consciência do fazer literário que seus produtores já tinham.
Essas
contradições começam a surgir no processo de colonização, quando o Brasil,
então “terra virgem”, foi bombardeado pela cultura lusitana – e a literatura,
já pronta, serviu aos portugueses como arma de dominação cultural. Porém, anos
após o primeiro contato, na época dos árcades; os brasileiros, apesar de
demonstrarem em suas obras o sucesso da implantação da cultura e dos valores
europeus, ao mesmo tempo, se utilizavam delas (as obras) para contestar sua
própria subserviência. Essa ambiguidade literária é fruto da ambiguidade do
contexto tupiniquim no momento, que contrastava “a inteligência do homem culto
e o primitivismo reinante, a grandeza das tarefas e a pequenez dos recursos, a aparência
e a realidade” (CANDIDO, Literatura de Dois Gumes).
E a
contradição não acaba aí: a própria negação do estrangeiro, ideologia do
Romantismo de Alencar, foi uma ideia importada de autores franceses. Esse
movimento romântico continuou trabalhando a dialética entre o local e o
universal, na exaltação de uma alma particular, sobretudo nacional, se
utilizando de tendências e estruturas europeias.
"A
Negra" (1923), de Tarsila do Amaral. No fundo, influências das vanguardas
europeias; na frente, a negra e a palmeira representando o Brasil. Foto:
Wikipedia
Roberto
Schwarz, no seu “Nacional por Subtração”, propõe uma nova reflexão frente às
perspectivas já abordadas sobre a problemática brasileira da cópia, de não
saber dosar a influência do estrangeiro – universal – no nacional. Após
criticar os nacionalismos de subtração dos anos 60; a destruição filosófica da
cópia de Silviano Santiago; a Antropofagia ingênua de Oswald e outras
inclinações mais recentes da crítica, Schwarz esboça uma conclusão de que “a
marca ubíqua de ‘inautenticidade’ veio a ser concebida como a parte mais
autêntica do espetáculo brasileiro” (SCHWARZ, Nacional por Subtração).
Ou seja, a
dialética entre as contradições foi a responsável pela formação de uma
Literatura Brasileira, ainda que impulsionada, quase sempre, por influxos
externos. A questão da cópia não pode ser resolvida, pois não é um problema;
mas puramente um fato que contribuiu para criar a nossa originalidade. Oswald
disse que “só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.”
(ANDRADE, Manifesto Antropófago), porque o que é dele, ele já tem. O trunfo
brasileiro talvez possa ser a capacidade de agregar novidades estrangeiras,
universais, ao que aqui já existe. Portanto, a dialética entre os tantos
opostos que nos compuseram – local e universal, barbárie e civilização, colônia
e metrópole, Arcádia e a Minas Gerais rural, nacional e estrangeiro – não é a única
questão, nem a principal. A contradição maior que impera desde os primórdios da
nossa história é esta: a cultura presa nas mãos de uma elite literária erudita,
que produz e consome em si mesma; e a realidade da turba brasileira: possíveis,
mas impossíveis, leitores.
P.S. Não se
esqueça de curtir a página do blog no Facebook! O link está lá em cima, do lado
do meu nome!
© obvious: http://obviousmag.org/poetiquase/2015/06/contradicoes-tupiniquins-a-brasilidade-dialetica.html#ixzz3epXP2w4x
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário