ENVELHECER
É CONTEMPLAR A LÓGICA DO TEMPO
Por Jordana Bizarro
Em muito se
fala de planos, daquilo que se quer ser quando cresce, de nossos sonhos, do que
fazer para ser feliz (como se fosse possível catalogar a felicidade). Mas o que
nunca nos foi orientado é o depois. Sim, o depois dos planos, do crescer, do
“ser ou não alguém”, do experimentar a realidade e saber diferenciá-la do
sonho, do entender que a felicidade vem de dentro e não o oposto.
"La reproduction interdite", obra surrealista de René
Magritte para ilustrar as aparências. O que, muitas vezes, não sobrevive ao
tempo, nem se sobrepõe ao reflexo do que aquilo que somos.
Ninguém nos
ensinou a cair. Uma hora ou outra, em estado grave ou leve, a gente se machuca
com alguma queda – e isso não é ruim. O clichê de que com as quedas se
levanta mais forte é fatídico. Ele fala sobre o que, em outras
palavras, as experiências mal sucedidas nos proporcionam: sabedoria para não
repeti-las da mesma forma. Mas o pior é que a vida é a junção de experiências
pra valer, ninguém vive por teste. Quem sabe da incerteza do amanhã, com
certeza, se preocupa com o compromisso que se deve ter com o hoje. É aí que se
aposta tudo. É aí que se deseja o mundo e quando um só passo dá errado, pronto!
É remédio pra cá, terapia pra lá, e qualquer outra medida que se diga eficaz
contra a decepção, vale.
O problema
é que não há ação externa que supra a falta que existe por dentro. Nem
psicólogo, tampouco droga (lícita ou ilícita) pode reparar um projeto
fracassado. Definitivamente, não estamos preparados para lidar com essa falta.
Ou vai dizer que é comum filhos que veem seus pais chorarem? A dinâmica é
contrária. O tempo todo somos ensinados a mirar e atacar, usando nossa força e
invencibilidade. Mas invencível é só quem já não aprende mais. E a vida é puro
aprendizado. Acontece que ele envolve erros e acertos, e só a partir deles se
dá continuidade à existência. Sob os acertos, cabem os méritos, e sob os erros?
Piedade? Automutilação? Autoajuda?
Não fomos
avisados que está tudo bem não acertar e talvez seja esse o maior monstro da
humanidade. Não sabemos lidar com a superação. Não nos orgulhamos por estarmos
em constante transformação, o que significa ganhos e perdas. Ninguém nos
apontou a beleza da experiência. Ninguém nos alertou que é normal estar cansado
e ter aspirado por conquistas que nunca vieram. Não tivemos aula de cuidados
próprios - aquilo que mais necessitamos quando a vida passa e o investimento
enérgico e financeiro se foi em carreira, bens e pessoas outras que não nós
mesmos -.
Tudo o que
ouvimos foram palavras que apontavam para o sucesso constante, o final feliz.
Mas envelhecer é tudo menos a constância ou o final. Envelhecer é o processo no
qual lidamos com o acúmulo do que já foi feito e com o que ainda pode se fazer.
A idade é uma delícia quando se aprende a perder. Isso porque quando somos
jovens, a maior parte do tempo é dedicada aos estímulos. Estamos sendo
ensinados a sentar na cadeira da sala de aula, obedecer aos sinais, comer
quando é todo mundo come e, é claro, desejar algo na vida. Algo maior do que
ela, algo que transcenda sua “limitabilidade temporal”.
Bem, envelhecer
já nos demanda outras tarefas. Quem envelhece já fez pedidos, por vezes cansou
de esperá-los. Quem envelhece já fugiu à regra, abriu exceção. Quem envelhece
já dormiu na cadeira da sala de aula, já jantou de madrugada e entendeu que
nenhum desejo vale mais a pena do que aquilo que nos vem sem que desejemos.
Aquilo que está em nosso caminho, seja ele desviado para o destino que for.
Aceitar
envelhecer, voltar atrás perante enganos, enxergar beleza no imperfeito e
felicidade no detalhe são coisas que nos tomam a consciência com a maturidade.
E maturidade leva experiência.
Experiência
leva tempo. Experiência leva muito tempo.
Só quem
lida bem com ele é que se contenta com aniversário. Só quem não briga com o
espelho e com o relógio é que está à vontade com aquilo que vê e pelo quê
corre. Por isso, vale o desapego às fórmulas, ao incorporar dos contos de
fadas. Mais ainda, vale o investimento naquilo que é real e humano, não
ilusório e perfeito.
Definitivamente,
nunca é tarde para aceitar a si e à vida como são.
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