Arte Fotográfica
Publicado em fotografia por Ligia Gielamo Oliveira
O fotógrafo Marcelo
Sarmento, que também é designer gráfico, dá aulas de fotografia e já foi
tatuador, queria apenas complementar o portfólio tentando autorização para uma
ou duas sessões na Catedral da Sé. A
“meia dúzia” de imagens virou um projeto que trouxe 900 registros de sua
arquitetura e entorno, acompanhado de muita história para contar. Nesta
entrevista, Marcelo fala sobre os motivos que fizeram o projeto tomar corpo, as
limitações, as pausas para estudar fotografia de arquitetura e repensar
ajustes, além de revelar curiosidades e desafios no registro de um dos maiores
ícones da cidade de São Paulo.
Como surgiu
a ideia de retratar a Catedral da Sé?
Tenho uma
relação afetiva com igrejas. Quando criança frequentava semanalmente a casa de
uma tia que morava em frente à igreja de Nossa Sra. do Bom Conselho no bairro
da Mooca em São Paulo, e ficávamos eu e meus irmãos da sacada de seu
apartamento assistindo às missas, batizados e casamentos acompanhados pela
conversas e observações dos mais velhos.
Em 2014 vi
um concurso sobre a escolha do ícone de São Paulo para a comemoração de
aniversário da cidade e então pensei na possibilidade de uma sessão, associando
uma antiga paixão à minha profissão. A ideia era tentar uma autorização para
fazer apenas uma ou duas sessões e acrescentar em meu portfolio, apenas isso.
Você já
tinha fotografado igrejas antes? Como sua criação artística impactou nesse
projeto?
Não tinha
experiência em fotografia de arquitetura, e fotografar a Catedral me
acrescentou muito. A primeira e segunda sessões não saíram como esperava e tive
que parar o projeto para estudar sobre fotografia de arquitetura e sobre
arquitetura gótica. Era preciso entender novos elementos de composição, ângulos
e enquadramentos, além dos símbolos e significados dos ícones góticos.
A cada nova
sessão parava para estudar novamente. E estudar, para mim, é sempre um
problema, pois tenho déficit de atenção, então é comum esquecer coisas simples
ou me confundir no momento da execução. Acabei inventando “traquitanas” para
superar limites do meu equipamento fotográfico e justamente por isso muitas
vezes agi intuitivamente, procurando novas maneiras de encontrar soluções para
problemas técnicos. No fim, percebi que me superei muito mais do que esperava,
tendo um resultado muito bom para as fotos.
No final,
foram 9 sessões executadas, totalizando quase 90 horas de trabalho e mais de
900 fotos registradas.
Como foi
esse processo de conseguir as autorizações necessárias para as fotos? Não
imagino que seja pouco burocrático esse trâmite...
Conseguir a
autorização foi quase um lance de sorte porque pedi diretamente na secretaria e
consegui uma permuta: a autorização dos padres Luiz Baronto e Eduardo Vieira em
troca de ceder as fotos à Catedral. A justificativa era de que as fotos que
eles próprios usavam eram as mesmas há muitos anos, e haviam ficado
ultrapassadas. Os cuidados com o edifício e a dedicação dos funcionários e
responsáveis pelo prédio são tão grandes e detalhados que talvez em uma outra
época ou com outras pessoas envolvidas não conseguisse esta autorização.
Durante o
trabalho, o que mais te impressionou e trouxe novas ideias?
Algumas
vezes, fotografar parece fácil. Até mesmo nós, profissionais experientes caímos
nesta armadilha de vez em quando. Fotografar a Catedral me trouxe justamente
esta maturidade, esta noção de que, mesmo parecendo fácil, tudo deve ter a
importância devida. A arquitetura gótica é de uma grandiosidade tamanha, e com
tantos detalhes, que é necessário se manter atento. A Catedral da Sé, além da
arquitetura, tem uma história, uma simbologia para a cidade da qual não se pode
descuidar. Já foi palco de inúmeras manifestações politicas e sociais, e ainda
hoje se mantém viva para os fieis que a frequentam. Era comum me ver entre
pessoas emocionadas orando ou entre as missas durante as sessões. Isso dá uma
vida ao prédio muito maior que a sua beleza arquitetônica e isso me
sensibilizou muito. Compreendi que todo detalhe deve ser observado, esta é a
diferença entre da boa foto e do bom fotógrafo: a atenção aos detalhes. Outro
detalhe curioso sobre a Catedral são algumas de suas histórias. Segundo alguns
funcionários é comum ouvir histórias de túneis ou passagens secretas nos porões
do prédio ou vozes quando se está na cripta. Algumas vezes presenciei esta
pergunta durante as sessões. No silêncio da cripta, é possível ouvir ecos e
vozes distorcidas o tempo todo e era engraçado lembrar destas histórias, mas não
era nada além dos sons vindos da rua pelas saídas de ventilação. Quanto às
passagens, é realmente pura lenda.
De quais
pontos do entorno da Catedral você aproveitou para enriquecer o ensaio com
novos ângulos?
Além da
autorização da catedral era preciso encontrar pontos próximos para fotografias
externas e altas, já que as imagens mais comuns que existem são de pontos
baixos, mas eu queria uma vista aérea. Tentei quase todos os prédios no
entorno, fiz plantão à espera de responsáveis, liguei para inúmeros telefones,
mandei e-mails e nada. Por fim, já estava quase desistindo quando duas
significativas colaborações me ajudaram. Uma fotografia noturna da vista do
prédio da Editora Unesp e de um outro prédio do outro lado da praça da Sé, que
liberou o 15º andar de uma sala em reforma. Consegui fotos inéditas e muito
bonitas, tanto da Catedral quanto da praça da Sé e de seu entorno .
Você disse
certa vez que a ideia é fazer um livro com as fotos... Este trabalho é inédito?
Há um histórico na literatura fotográfica sobre a retratação de igrejas,
basílicas e catedrais no Brasil?
Durante o
período de pesquisas e estudos para desenvolver as sessões percebi a ausência
atualizada de material editorial sobre o prédio e me surgiu a ideia de ampliar
o projeto para uma publicação envolvendo não somente as fotos, mas também um
pouco de sua historia politica e social na cidade. Independentemente da
religião, vejo que o Brasil tem uma cultura católica, envolvendo feriados,
comemorações como as festas juninas, crenças populares e outras que envolvem o
universo católico, mas devido à instabilidade econômica atual, ainda estamos
captando recursos para viabilizar o projeto como livro.
Existem
inúmeras publicações de outros países sobre o tema que envolvem arquitetura de
catedrais, basílicas e outras construções religiosas. Talvez porque o foco seja
diferenciado, elas sejam vistas também como um registro das mudanças da
população em seu tempo e por isso também lá são mais comuns e valorizadas. Mas
aqui, até o momento existe apenas uma ainda em catálogo, espero que eu possa
fazer parte deste numero tão restrito.
Por fim, o
que mais te marcou durante todo o projeto?
Este
projeto me acrescentou muito profissionalmente, aguçou meu perfil observador e
atento e me possibilitou desenvolver um tipo de fotografia documental que não
imaginava ser capaz de exercer.
Vencer meu
medo de altura também foi um grande desafio. Algumas passagens e escadarias,
como as que dão acesso aos sinos e torres, são muito altas e estreitas e não
foi nada fácil conseguir os ângulos e enquadramentos certos e controlar a
tremedeira das mãos ao mesmo tempo. Superar vários limites do equipamento,
limites físicos e psicológicos, despertou uma nova vontade e admiração e
renovou minha crença no ofício de fotógrafo.
Atualmente,
além das aulas de fotografia que ministro, comecei um novo projeto
chamado Pessoas de São Paulo que registra as pessoas que vivem em São
Paulo e sua interação com a cidade e suas histórias. Procuro também imprimir
nas minhas imagens uma nova identidade e acrescentar nas fotos maneiras de
expressão do homem e a pluralidade humana. Toda esta visão e nova maneira de
ver meu próprio trabalho, obtive com este projeto. Portanto, posso afirmar que
cresci muito com ele.
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