segunda-feira, 6 de julho de 2015

FOTÓGRAFO PAULISTANO REGISTRA ARQUITETURA DA CATEDRAL DA SÉ EM SÉRIE DE RETRATOS

Arte Fotográfica
  


Publicado em fotografia por Ligia Gielamo Oliveira

O fotógrafo Marcelo Sarmento, que também é designer gráfico, dá aulas de fotografia e já foi tatuador, queria apenas complementar o portfólio tentando autorização para uma ou duas sessões na Catedral da Sé. A “meia dúzia” de imagens virou um projeto que trouxe 900 registros de sua arquitetura e entorno, acompanhado de muita história para contar. Nesta entrevista, Marcelo fala sobre os motivos que fizeram o projeto tomar corpo, as limitações, as pausas para estudar fotografia de arquitetura e repensar ajustes, além de revelar curiosidades e desafios no registro de um dos maiores ícones da cidade de São Paulo.
  


Como surgiu a ideia de retratar a Catedral da Sé?
Tenho uma relação afetiva com igrejas. Quando criança frequentava semanalmente a casa de uma tia que morava em frente à igreja de Nossa Sra. do Bom Conselho no bairro da Mooca em São Paulo, e ficávamos eu e meus irmãos da sacada de seu apartamento assistindo às missas, batizados e casamentos acompanhados pela conversas e observações dos mais velhos.
Em 2014 vi um concurso sobre a escolha do ícone de São Paulo para a comemoração de aniversário da cidade e então pensei na possibilidade de uma sessão, associando uma antiga paixão à minha profissão. A ideia era tentar uma autorização para fazer apenas uma ou duas sessões e acrescentar em meu portfolio, apenas isso.
Você já tinha fotografado igrejas antes? Como sua criação artística impactou nesse projeto?
Não tinha experiência em fotografia de arquitetura, e fotografar a Catedral me acrescentou muito. A primeira e segunda sessões não saíram como esperava e tive que parar o projeto para estudar sobre fotografia de arquitetura e sobre arquitetura gótica. Era preciso entender novos elementos de composição, ângulos e enquadramentos, além dos símbolos e significados dos ícones góticos.

A cada nova sessão parava para estudar novamente. E estudar, para mim, é sempre um problema, pois tenho déficit de atenção, então é comum esquecer coisas simples ou me confundir no momento da execução. Acabei inventando “traquitanas” para superar limites do meu equipamento fotográfico e justamente por isso muitas vezes agi intuitivamente, procurando novas maneiras de encontrar soluções para problemas técnicos. No fim, percebi que me superei muito mais do que esperava, tendo um resultado muito bom para as fotos.
No final, foram 9 sessões executadas, totalizando quase 90 horas de trabalho e mais de 900 fotos registradas.
Como foi esse processo de conseguir as autorizações necessárias para as fotos? Não imagino que seja pouco burocrático esse trâmite...
Conseguir a autorização foi quase um lance de sorte porque pedi diretamente na secretaria e consegui uma permuta: a autorização dos padres Luiz Baronto e Eduardo Vieira em troca de ceder as fotos à Catedral. A justificativa era de que as fotos que eles próprios usavam eram as mesmas há muitos anos, e haviam ficado ultrapassadas. Os cuidados com o edifício e a dedicação dos funcionários e responsáveis pelo prédio são tão grandes e detalhados que talvez em uma outra época ou com outras pessoas envolvidas não conseguisse esta autorização.


Durante o trabalho, o que mais te impressionou e trouxe novas ideias?
Algumas vezes, fotografar parece fácil. Até mesmo nós, profissionais experientes caímos nesta armadilha de vez em quando. Fotografar a Catedral me trouxe justamente esta maturidade, esta noção de que, mesmo parecendo fácil, tudo deve ter a importância devida. A arquitetura gótica é de uma grandiosidade tamanha, e com tantos detalhes, que é necessário se manter atento. A Catedral da Sé, além da arquitetura, tem uma história, uma simbologia para a cidade da qual não se pode descuidar. Já foi palco de inúmeras manifestações politicas e sociais, e ainda hoje se mantém viva para os fieis que a frequentam. Era comum me ver entre pessoas emocionadas orando ou entre as missas durante as sessões. Isso dá uma vida ao prédio muito maior que a sua beleza arquitetônica e isso me sensibilizou muito. Compreendi que todo detalhe deve ser observado, esta é a diferença entre da boa foto e do bom fotógrafo: a atenção aos detalhes. Outro detalhe curioso sobre a Catedral são algumas de suas histórias. Segundo alguns funcionários é comum ouvir histórias de túneis ou passagens secretas nos porões do prédio ou vozes quando se está na cripta. Algumas vezes presenciei esta pergunta durante as sessões. No silêncio da cripta, é possível ouvir ecos e vozes distorcidas o tempo todo e era engraçado lembrar destas histórias, mas não era nada além dos sons vindos da rua pelas saídas de ventilação. Quanto às passagens, é realmente pura lenda.
De quais pontos do entorno da Catedral você aproveitou para enriquecer o ensaio com novos ângulos?
Além da autorização da catedral era preciso encontrar pontos próximos para fotografias externas e altas, já que as imagens mais comuns que existem são de pontos baixos, mas eu queria uma vista aérea. Tentei quase todos os prédios no entorno, fiz plantão à espera de responsáveis, liguei para inúmeros telefones, mandei e-mails e nada. Por fim, já estava quase desistindo quando duas significativas colaborações me ajudaram. Uma fotografia noturna da vista do prédio da Editora Unesp e de um outro prédio do outro lado da praça da Sé, que liberou o 15º andar de uma sala em reforma. Consegui fotos inéditas e muito bonitas, tanto da Catedral quanto da praça da Sé e de seu entorno .


Você disse certa vez que a ideia é fazer um livro com as fotos... Este trabalho é inédito? Há um histórico na literatura fotográfica sobre a retratação de igrejas, basílicas e catedrais no Brasil?
Durante o período de pesquisas e estudos para desenvolver as sessões percebi a ausência atualizada de material editorial sobre o prédio e me surgiu a ideia de ampliar o projeto para uma publicação envolvendo não somente as fotos, mas também um pouco de sua historia politica e social na cidade. Independentemente da religião, vejo que o Brasil tem uma cultura católica, envolvendo feriados, comemorações como as festas juninas, crenças populares e outras que envolvem o universo católico, mas devido à instabilidade econômica atual, ainda estamos captando recursos para viabilizar o projeto como livro.
Existem inúmeras publicações de outros países sobre o tema que envolvem arquitetura de catedrais, basílicas e outras construções religiosas. Talvez porque o foco seja diferenciado, elas sejam vistas também como um registro das mudanças da população em seu tempo e por isso também lá são mais comuns e valorizadas. Mas aqui, até o momento existe apenas uma ainda em catálogo, espero que eu possa fazer parte deste numero tão restrito.
Por fim, o que mais te marcou durante todo o projeto?
Este projeto me acrescentou muito profissionalmente, aguçou meu perfil observador e atento e me possibilitou desenvolver um tipo de fotografia documental que não imaginava ser capaz de exercer.
Vencer meu medo de altura também foi um grande desafio. Algumas passagens e escadarias, como as que dão acesso aos sinos e torres, são muito altas e estreitas e não foi nada fácil conseguir os ângulos e enquadramentos certos e controlar a tremedeira das mãos ao mesmo tempo. Superar vários limites do equipamento, limites físicos e psicológicos, despertou uma nova vontade e admiração e renovou minha crença no ofício de fotógrafo.
Atualmente, além das aulas de fotografia que ministro, comecei um novo projeto chamado Pessoas de São Paulo que registra as pessoas que vivem em São Paulo e sua interação com a cidade e suas histórias. Procuro também imprimir nas minhas imagens uma nova identidade e acrescentar nas fotos maneiras de expressão do homem e a pluralidade humana. Toda esta visão e nova maneira de ver meu próprio trabalho, obtive com este projeto. Portanto, posso afirmar que cresci muito com ele.


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