Volta à década de 60 do
século anterior
Guilherme
Aquino De Verona para a BBC Brasil
Conhecida por ser o cenário escolhido por
William Shakespeare para a tragédia Romeu e Julieta –
e por lucrar bastante com isso –, Verona, no norte da Itália, atrai milhares de
turistas anualmente também por sua arquitetura, que inclui uma arena do século I.
Mas, pelo menos por quatro dias, a cidade vive ares, digamos, menos dramáticos.
Praças,
ruas, calçadas, museus e até mesmo as margens do rio Ádige e os pátios internos
de palácios e igrejas tombados são palco do evento, reconhecido pela Unesco
como patrimônio imaterial da humanidade.
A
edição deste ano começou na última quinta, vai até o domingo e espera atrair
aproximadamente 300 mil pessoas. São 220 mil metros quadrados – o equivalente a
cerca de 20 campos de futebol – tomados por brincadeiras de rua, parte delas
populares em todo o mundo e outras já tidas como mortas.
Algumas
delas têm laços com a história. Um exemplo são as pernas de pau, chamadas ali
de "trampol". No passado, eram usadas por agricultores na travessia
de uma zona de pântano em Schieti, na Toscana, centro da Itália. Hoje, são
celebradas anualmente na mesma localidade, entre o fim de abril e o começo de
maio, com desfiles e brincadeiras.
Paolo
Avigo, presidente da Associação dos Jogos Antigos, organizadora do evento,
conta história semelhante sobre os carrinhos de rolimã: "Os filhos de
famílias ricas, dos antigos romanos, já faziam brinquedos semelhantes, puxados
por animais domésticos na tentativa de imitar as corridas de bigas".
Bolinhas de gude são usadas em um palco teatral –
na peça Um Saco de Bolinhas de Gude, baseada no romance de
Joseph Joffo – para ajudar a contar a história de duas crianças que fogem da
perseguição nazista na França.
"Temos
registros de bolinhas de terracota e de pó de mármore já nos tempos dos
egípcios", conta Avigo.
Coisa de gente grande
Curiosamente,
o evento de Verona é dedicado ao público adulto. A ideia é reatar os laços com
a infância e, se possível, apresentar as brincadeiras aos filhos e netos a
tiracolo – menores de 12 anos só podem participar caso estejam acompanhados por
um responsável.
Os
jogos são o fio condutor de todo o festival, que inclui apresentações de dança,
teatro e cinema e exposições. Há ainda laboratórios didáticos nos quais as
crianças aprendem a construir seus próprios brinquedos.
Cada
edição do evento, que é anual, homenageia uma realidade local, seja nacional ou
internacional. Em 2011, o Brasil esteve presente com um grupo de capoeira.
Neste ano, o destaque é a região espanhola da Catalunha.
Uma
instalação criada por Victor Ténez Ybern, arquiteto e paisagista da
Universidade Politécnica da Catalunha, em conjunto com o Laboratório de
Arquitetura Contemporânea de Verona, trouxe seis câmaras de ar de pneus de
caminhões à beira do rio Ádige.
A
ideia é remeter às brincadeiras na água. O nome do trabalho, "O
Retorno", refere-se à ideia de se voltar a fazer uso recreativo do rio.
Porém, como o pedido para usá-las no Ádige foi negada, a brincadeira ocorre
mesmo em terra firme.
A
primeira edição de Tocatì ocorreu em 2003, e teve seu principal fruto colhido
seis anos depois. Moradores de um bairro, o Borgo Venezia, conseguiram
transformar uma rua em campo de recreação permanente, na qual carros não
circulam.
"(A
rua é) onde gente do Sri Lanka joga críquete ao lado de italianos que batem uma
pelada", contou à BBC Brasil Giuseppe Giacon, vice-presidente da
Associação de Jogos Antigos.
Brincadeira regrada
É
um festival de brincadeiras, mas nem por isso faltam regras. Há
"conceitos-padrão" que devem ser seguidos para que elas possam fazer
parte do evento.
Segundo
os organizadores, um jogo tradicional deve refletir as raízes de uma
determinada área geográfica, priorizar mais o aspecto lúdico e menos o
competitivo, estar bem disseminado em uma comunidade e, entre outros, ser uma
atividade cada vez mais rara, ou seja, que precisa ser preservada.
"No
jogo tradicional, compartilha-se a presença das pessoas. Há um grande respeito
pelo adversário, até porque, sem ele, não existe jogo", explica Giacon.
A
tecnologia é usada apenas para divulgar o evento. Mas, décadas após a invenção do
videogame, o festival se mantém firme na decisão de não abrir espaço a esse
tipo de divertimento.
"Não
interessa tanto com qual instrumento se vai brincar, jogar. E sim o que está
por trás desse instrumento e, no caso (do videogame), há um grande negócio. Não
podemos aceitar uma brincadeira na qual seja preciso investir dinheiro para
tê-la", diz o organizador.
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