História
do Brasil
Fernanda
da EscóssiaDo Rio de Janeiro para a BBC Brasil
Os anos 1710 não foram fáceis para o
capitão Rodrigo de Freitas. Em 1711, com a segunda invasão francesa ao Rio de
Janeiro, os homens de posses foram chamados pela Coroa portuguesa a ajudar a
pagar o resgate exigido pelos invasores para que a cidade não fosse bombardeada.
Em 1717, morreu sua mulher, Petronilha Fagundes.
Das
terras do capitão também saíram os bairros de Ipanema, Jardim Botânico, Horto,
Gávea, Leblon, Lagoa, Copacabana e Fonte da Saudade. A história deles é contada
no livro A Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigo de
Freitas, dos historiadores Carlos Eduardo
Barata e Claudia Braga Gaspar (Editora Cassará).
O livro traz relatos, curiosidades e
imagens sobre como o engenho deu origem a uma fábrica de pólvora e depois a
vários bairros da região mais nobre do Rio de Janeiro.
O
projeto de A Fazenda Nacional foi selecionado pela Secretaria Municipal de
Cultura do Rio e lançado com o selo oficial da Biblioteca Rio 450 anos. É o
resultado de uma pesquisa de dez anos dos dois autores, que são primos,
cresceram em Ipanema e se dedicam a estudar a história dos bairros do Rio de
Janeiro. Juntos escreveram Villa
Ipanema, sobre a formação do bairro, e De Engenho a Jardim, sobre o Jardim Botânico. Claudia é também autora
de Orla Carioca e Praias
do Rio.
Barata,
especializado em genealogia, é diretor do Museu do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e autor do Dicionário
das Famílias Brasileiras, entre outros. Com
documentos, mapas e 180 ilustrações, o livro é concebido como uma espécie de
roteiro histórico, geográfico e sentimental do passado do coração da zona sul
carioca.
A seguir, algumas histórias sobre a
velha Fazenda Nacional e os bairros que dela se originaram:
Lagoa
Piraguá ou Sacopenapã foram os
primeiros nomes da lagoa, que depois foi tomando os nomes dos proprietários,
como era costume à época. O terreno primeiro pertencia à Coroa Portuguesa, que
criou ali, em 1575, o Engenho D'El Rei.
Em 1598 a área foi vendida a Diogo
Amorim Soares, e a Lagoa tornou-se conhecida como Lagoa do Amorim. O
proprietário vendeu o terreno ao genro Sebastião Fagundes Varella em 1609 e o
local passou a chamar-se Lagoa do Fagundes. Em 1707, seu genro, o capitão
Rodrigo de Freitas, casado com Petronilha Fagundes, adquire o engenho, que
passa a se chamar Engenho da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Com a morte de Petronilha, em 1717, e
já com as finanças combalidas depois de ter ajudado a pagar o resgate exigido
pelos invasores franceses, o capitão Rodrigo de Freitas retornou a Portugal.
Levou consigo o único filho, João, então com 13 anos. Outros três filhos que
tivera com Petronilha morreram muito pequenos.
De mudança, o capitão vendeu a parte
do terreno que daria origem a Copacabana. Voltou para sua cidade natal, São
Martinho de Penacova, e recuperou-se financeiramente em Portugal, pois um
capataz contratado por ele para as terras da Lagoa foi arrendando partes da propriedade
a várias famílias, o que garantiu a Rodrigo de Freitas e seu herdeiro uma boa
renda.
O capitão nunca se casou novamente,
concentrando-se na educação do filho e na administração de seus bens. Morreu em
1748.
Segundo os registros da antiga
Fazenda Nacional, o espelho d'água da Lagoa tinha 4,48 milhões de metros
quadrados. Mas foi sendo sucessivamente aterrado para construções e hoje tem
cerca de 2,3 milhões de metros quadrados. No ano 2000, a Lagoa foi tombada pela
União e sua geografia é preservada.
Jardim
Botânico
Em 1808, com a corte portuguesa de
mudança para o Rio fugindo do avanço napoleônico na Europa, a Coroa decidiu
construir uma fábrica de pólvora para melhorar as defesas da cidade.
Desapropriou o velho Engenho da Lagoa, área ainda pouco povoada e distante do
Centro do Rio, e deu ao lugar o nome de Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigo de
Freitas.
Na sede do velho engenho foi construída
a Fábrica de Pólvora e Munição, que funcionou ali de 1810 a 1828.
Dentro da Fazenda Nacional, D. João
6º criou um Jardim de Aclimação, transformado em Jardim Público e depois no
atual Jardim Botânico. O entorno da área era arrendado por famílias abastadas,
que mantinham ali suas chácaras, e pequenos arrendatários. Em 1868, eram 153
chacareiros na região.
O portal da fábrica de pólvora
sobreviveu à explosão do lugar, em 1831, e marca hoje o acesso ao parquinho
infantil do Jardim Botânico. A sede do engenho é a casa sede do Jardim
Botânico. Tudo o que restou da fábrica está tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Quando a Coroa desapropriou as terras
do engenho da Lagoa Rodrigo de Freitas, em 1808, foi estabelecido que os
herdeiros do capitão seriam indenizados. Mas o pagamento demorou: só em 1827 a
indenização foi paga. Faltava ressarcir o que era do Município do Rio, que
também possuía terras ali. Apenas em 1869 foi quitada, com apólices da dívida
pública, a dívida da União com o Município.
De
economia rural para área urbana
A partir do último quarto do século
19, foram estabelecidas regras para a venda dos terrenos da Fazenda Nacional da
Lagoa Rodrigo de Freitas, possibilitando que os arrendatários se transformassem
em proprietários. Com a República (1889), os arrendatários foram sendo
definitivamente chamados a pagar à União pelas terras, ou instados a
devolvê-las. Acelera-se então o processo de formação dos bairros de todo o
entorno da Lagoa.
"Dessa convulsão da área da
Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigo de Freitas, na virada do século 19 para o 20,
quando todos os terrenos são remidos (quitados) ou devolvidos à União,
resultará a sua transformação de uma propriedade de economia rural em uma área
urbana, origem de muitos dos atuais bairros da zona sul carioca",
contextualiza o livro.
"O
Barão de Ipanema, por exemplo, que já havia comprado uma parte da área de
Copacabana junto com Constante Ramos, compra também a faixa entre o Arpoador e
o Jardim de Alá e manda urbanizar a região, que chamou de Villa Ipanema, em
1894", conta o historiador Carlos Eduardo Barata, autor, junto com Claudia
Gaspar, de Villa Ipanema, lançado em 1994, quando o bairro completou cem
anos.
Já a Gávea, segundo Claudia Gaspar,
começou a se separar mais cedo, com a criação da Freguesia de Nossa Senhora da
Conceição da Gávea, em 1873. Aos poucos também foram se instalando na região do
Horto e do Jardim Botânico muitas fábricas de tecido, como São Félix, Carioca e
Corcovado.
Por decreto, foram concedidos
privilégios de isenção de impostos sobre importação de materiais de construção
e de concessão de terrenos e edifícios às empresas que se propusessem a
construir casas populares.
Joias
arquitetônicas
Dentro do terreno da antiga Fazenda
Nacional estão algumas preciosidades arquitetônicas. Uma delas é a Capela de
Nossa Senhora da Cabeça, uma das mais antigas capelas do Rio. Foi erguida no
princípio do século 17, na chácara da Cabeça, uma das muitas que foram surgindo
na área, e hoje está dentro da maternidade Melo Mattos, no Jardim Botânico.
Foi
num passeio na Chácara da Cabeça que a escritora e artista britânica Maria
Graham se apaixonou pela vista da lagoa e se inspirou para desenhar, em 1821,
uma panorâmica do local, em sépia e bico de pena. Maria Graham, a Lady Calcott,
foi preceptora da princesa Maria da Glória, filha de D. Pedro 1º e futura
rainha de Portugal. O desenho pertence ao acervo do British Museum e é uma das
180 ilustrações de A Fazenda Nacional.
Outra construção importante é o Solar
Grandjean de Montigny, onde morou o arquiteto francês August Henry Grandjean de
Montigny. Depois de chegar ao Brasil com a Missão Artística Francesa, em 1816,
o arquiteto francês adquiriu na Gávea um sobrado construído no século 18 pelo
português Joaquim Pereira da Cruz.
A data exata da construção do solar
que serviu de residência a Grandjean de Montigny é muito discutida até hoje.
Segundo Carlos Barata e Claudia Gaspar, que tiveram acesso à escritura de
compra da propriedade, Montigny se estabeleceu lá em 1817, mandando depois
reformar o imóvel e incorporando a ele elementos da arquitetura neoclássica, da
qual foi um grande mestre.
Lá, o arquiteto viveu com a família
por muito tempo, e aos poucos foi vendendo partes do terreno. O solar fica hoje
dentro da área da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e pertence à
universidade.
Leblon
e Ipanema
O Leblon herda o nome do nobre
francês Emmanuel Hippolyte Charles Toussiant Le Blon de Meyrach, o Charles
Leblon. Ele chegou ao Rio por volta de 1839 e foi proprietário da Cia. de
Seguros Marítimos.
Comprou
um sem-número de propriedades na região, conhecida pelo nome de Caminho da
Restinga – que, com o tempo, passou a ser chamar Caminho do Leblon, embora o
nobre francês tenha morrido sem ter a oportunidade de ver seu nome de família
perpetuado no bairro, conta A
Fazenda Nacional, citando o clássico História das Ruas do Rio de Janeiro, de Brasil Gerson.
Já Ipanema surge como um bairro
planejado. Satisfeito com o investimento que fizera para abrir várias ruas no
novo bairro de Copacabana (lembrando que essa foi a primeira área a ser vendida
por Rodrigo de Freitas, logo que se mudou para Portugal), o Barão de Ipanema
(José Antônio Moreira Filho) teve boas razões para comemorar a chegada do bonde
à região, em 1892, passando pelo Túnel Velho (entre Botafogo e Copacabana).
Decidiu então investir em outra área
desmembrada da velha Fazenda Nacional, a área da praia Funda. Em sociedade com
o coronel Antônio José da Silva, começou o novo empreendimento: um bairro
planejado em toda a extensão de areia entre Copacabana e Leblon. Em abril de
1894 foi lavrado o auto de fundação da Villa Ipanema.
Morador
de Ipanema, o escritor e jornalista João do Rio (João Paulo Emílio Cristóvão
dos Santos Coelho Barreto, 1888-1921) era apaixonado pelo bairro e trouxe para
conhecer o lugar a bailarina Isadora Duncan. Num artigo de 1917,
intitulado Praia Maravilhosa, o cronista descrevia as belezas do lugar e o
encanto de Isadora Duncan pela ainda pouco conhecida Ipanema.
Narra João do Rio: "O Rio
entendeu-se pelas praias. Contornou o Pão de Açúcar e continuou no Leme, em
Copacabana. O novo bairro é o derradeiro ponto dessa reticência de casarias.
Mas é o ponto final mais formoso de uma cidade – uma nova cidade toda bela num
pedaço de terra tão linda, que, sem exageros, é impossível contemplar sem lhe
dar o verdadeiro nome: a Praia Maravilhosa".
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