“Quando ele pega um punhado de
pólvora, consegue criar uma bomba atômica”, diz Fux.
AFONSO BENITES Brasília
Jornal El País – O Jornal Global
Quando o ministro Gilmar Mendes
pega um punhado de pólvora, ele consegue criar uma bomba atômica. A frase teria
várias interpretações, dependendo da boca de quem ela saísse. Sendo dita pelo
ministro Luiz Fux, seu colega no Supremo Tribunal Federal(STF), ela paira como uma
ressalva sobre a postura de Mendes no último julgamento do qual participou,
sobre o financiamento empresarial de campanhas. Na ocasião, depois de segurar o
processo por um ano e cinco meses com um pedido de vista, Mendes mais criticou
o PT pelo seu envolvimento nos desvios bilionários da Petrobras descobertos
pela Lava Jato, do que analisou a constitucionalidade das doações
de empresas para candidatos e partidos políticos.
Mendes não se intimida de expor suas posições, que por vezes transcendem
a análise técnica, seja no tribunal ou em entrevistas. Por isso, nos últimos
anos, Mendes tem sido visto como um bastião da oposição aos governos petistas
no Judiciário, algo que é dito constantemente nos corredores do STF e do
Congresso Nacional. Seu discurso é similar ao de um congressista do DEM ou do PSDB.
A sua ascensão na carreira
começou quando se tornou advogado-geral da União no Governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e acabou
indicado por ele para o Supremo no ano de 2002, quando ainda tinha cabelos
negros e usava barba da mesma cor. Agora, com poucos fios de cabelos, a maioria
grisalhos, e sem barba, o ministro, de 59 anos de idade, demonstra cada dia
mais raiva contra o partido que há quase 13 anos governa o Brasil e que tem se
envolvido em uma série escândalos. Na quarta-feira passada, quando em seu voto
no caso do financiamento eleitoral ficou cinco horas criticando os petistas por
serem investigados na Lava Jato, Mendes afirmou que quase se emocionava ao ver
um partido que foi tão beneficiado por esquemas ilícitos pedirem a proibição da doação empresarial nas campanhas.
“O partido [PT] que mais leva
vantagem, pela mais valia, para captar recursos [de campanha] agora, como madre
Teresa de Calcutá, defende o encerramento das doações das empresas privadas.
Quase que me emociono. Quase vou às lágrimas. É uma conversão que merece algum
tipo de canonização. Será que eles nos tomam como idiotas?”, disse um Mendes
irônico, durante o seu voto. E completou: “A rigor esse partido [o PT] é um
partido de vanguarda. Porque instalou o financiamento público de campanha antes
de sua aprovação. Recursos de estatais diretamente para o partido”. A ligação
entre o público e o privado é uma das linhas de investigação da Lava Jato: se
os doadores de campanha de Rousseff teriam apostado recursos na reeleição da
presidenta com receio de perder negócios com a Petrobras. A tese é polêmica,
pois muitos deles doaram exatamente o mesmo valor para o principal adversário
da petista, Aécio Neves, do PSDB.
Um dos colegas de Corte, Marco
Aurélio Mello afirmou que esses argumentos de Mendes eram “metajurídicos”,
extrapolavam a legislação e quaisquer decisões já tomadas anteriormente.
Em artigo publicado no
jornal O Estado de S. Paulo, o professor de direito Rubens Gleizer, da
Fundação Getúlio Vargas, criticou o posicionamento do ministro anti-PT. “Ainda
que juízes não sejam neutros, eles possuem deveres de imparcialidade que
ancoram a sua legitimidade democrática. Desabafos políticos são importantes,
mas são cabíveis em apenas em dois edifícios da Praça dos Três Poderes.”
Proximidades
Próximo do senador e ex-ministro
de FHC, José Serra (PSDB-SP), Mendes também tem criado vínculos
com entidades que a cada dia mais flertam com o impeachment de Dilma Rousseff.
A mais recente foi a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
presidida pelo peemedebista Paulo Skaf. Na última sexta-feira, o ministro
participou de um evento no qual repetiu boa parte de seu voto a favor do
financiamento empresarial de campanhas. Disse que o PT tinha um projeto de se
perpetuar no poder e, levando em conta os desvios da Lava Jato, já teria mais
de 2 bilhões de reais para usar nas campanhas eleitorais até o ano de 2038.
Os ataques ao PT chegaram ao
ponto de ele acusar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que entrou com a ação
contra o financiamento eleitoral, de estar atuando em nome do partido de Lula e
Dilma. O que tanto a entidade quanto o partido refutaram.
Os argumentos e a postura de
Mendes neste último caso assustaram inclusive boa parte de seus colegas que
convivem quase diariamente com ele. Em dois momentos, as expressões dos
ministros que o cercavam eram de surpresa.
No primeiro episódio, na
quarta-feira passada, ele tentou bater boca com o advogado que representava a
OAB e disse que este não tinha direito a se manifestar. Como o defensor teve o
direito à fala garantido pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski,
Mendes se retirou do plenário. No dia seguinte, ele também saiu da Corte antes
do fim da sessão sob o argumento de que tinha uma viagem marcada, justamente em
um dos poucos dias em que há sessões plenárias previamente agendadas. Os demais
ministros se entreolharam assustados com a abrupta saída e disseram que, mesmo
sem Mendes, o julgamento da causa terminaria e que ele não poderia se
manifestar sobre o caso na outra semana, como disse que pretendia fazer.
Holofotes acessos
Mato-grossense da cidade de
Diamantino, Mendes começou a ganhar os holofotes nacionais no ano 2000, quando
como advogado-geral da União teve de defender o Governo FHC nos processos
contra o racionamento energético. Em 2008, já na presidência da Corte, voltou a
receber destaques quando soltou o banqueiro Daniel Dantas, preso no Caso
Satiagraha, um dos principais escândalos de corrupção do Brasil que acabou sendo
invalidado pelo Supremo por conta de irregularidades na coleta de provas.
Vaidoso, ele é um dos dois
ministros do STF que possuem páginas pessoais na internet, na qual publica notícias elogiosas
a ele, seus artigos e sua história profissional. O outro ministro é Luís
Roberto Barroso. Além de ministro, Mendes também é professor na Universidade de
Brasília e no Instituto Brasiliense de Direito Público, o qual fundou.
Gilmar Mendes
Para o desagrado da cúpula
petista, Mendes também é ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Nessa Corte,
ele foi um dos que votou a favor de uma ação que pede a impugnação da
candidatura de Dilma Rousseff e Michel Temer por suspeita de terem recebido
recursos ilícitos na campanha de 2014. O processo deve voltar ao julgamento
nesta terça-feira, dia 22. Neste mesmo caso, o ministro pediu que o Ministério
Público aprofundasse as investigações contra o a campanha dilmista para apurar
a ligação entre o financiamento privado e os interesses na Petrobras. Ele usou
os depoimentos de delatores da Lava Jato, como Ricardo Pessoa, sócio da
empreiteira UTC, como base para sua acusação. Pessoa teria doado recursos,
segundo sua delação, por temer a perda de contratos com a Petrobras. A oposição
aposta nessa linha de argumento para comprovar que o financiamento seria
similar a propina.
Na semana passada, quando indagado se esperava que
seus argumentos contra o PT e a sua ode à Lava Jato seriam capazes de convencer
seus colegas a declararem votos a favor do financiamento empresarial de
campanha ele respondeu: “O voto-vista não é apenas para o plenário. É um voto
para a história. Tem o compromisso com a história de se advertir sobre essa
situação e de usar o Supremo em uma questão política”. Ainda assim, ele só teve
apoio de dois dos colegas do Supremo, contra 8 que derrubaram o financiamento
empresarial.
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