Fui tropeçar sem querer na
história dessa imagem na ilha francesa de Ouessant.
Um flagrante incrível, quase
dramático.
El País – o
jornal global
JEAN GUICHARD
Como essa foto foi feita? O
faroleiro morreu arrastado pela onda? Eu me fiz essas perguntas na primeira vez
em que vi essa impactante imagem em tamanho gigante em um cartaz não sei em
qual lugar. Depois voltei a vê-la centenas de vezes em inúmeros lugares
diferentes, da mesma forma que certamente vocês a viram: é um dos postais mais vendidos em lojas de decoração e lembranças.
E olhe onde fui tropeçar sem
querer na história dessa foto e a do faroleiro que a protagoniza, na ilha
francesa de Ouessant, no Finisterre da Bretanha.
O farol se chama La Jument e é uma das lanternas de mar mais
espetaculares da costa francesa. Está a dois quilômetros da ilha de Ouessant e foi
construído entre 1904 e 1911 para sinalizar perigosíssimos escolhos que
produziram inumeráveis naufrágios.
A história da foto se passa em 21 de dezembro de 1989. O fotógrafo francês especializado em
imagens de faróis Jean Guichard sobrevoava de helicóptero La Jument em um dia
de forte temporal buscando a foto perfeita das gigantescas ondas do Atlântico
golpeando a estrutura do farol. Dentro, o faroleiro Theophile Malgorn, que
na época tinha por volta de 30 anos, escutou as repetidas passagens do
helicóptero e pensou que algo anormal estaria acontecendo; talvez o piloto
estivesse tentando contatá-lo para avisar de algum naufrágio ou acidente. E em
uma ação disparatada abriu a porta para ver o que estava acontecendo.
A ação completa durou apenas
alguns segundos. Guichard viu aquele homem na porta e seu instinto de fotógrafo
lhe disse que ali estava a composição perfeita: o homem e a força da natureza.
Começou a disparar repetidamente sua câmera quase no momento em que uma nova
onda gigante começava a abraçar com toneladas de água enraivecida a estrutura
do farol. Nesse mesmo instante, o faroleiro
Malgorn – na soleira da porta – escutou um trovejar seco, como um estampido
brutal (o impacto da onda contra a frente do farol) e soube que havia cometido
um tremendo erro. Tão rápido como abriu voltou a fechar a porta, um
milésimo de segundo antes que a onda acabasse com ele. Estava vivo por um
milagre. Nove imagens ficaram impressas no filme de Guichard – as que o motor
da câmera lhe deu tempo de disparar – que o tornariam famoso para toda a vida e
com as quais em 1990 obteria o segundo lugar no World Press Photo (o primeiro foi para a
célebre foto de um manifestante chinês parando sozinho uma coluna de tanques na praça
Tianammen).
O faroleiro Theophile Malgorn
continua vivo na ilha de Ouessant e não quer que ninguém volte a lhe perguntar
sobre a maldita foto. Pessoas próximas a ele me contam que ficou muito irritado
naquele momento, pois o colocaram em perigo mortal de maneira irresponsável e,
além disso, por um motivo comercial; ele saiu para ver o que estava acontecendo
por profissionalismo e quase perdeu a vida. Mas pouco tempo depois Guichard o
visitou em sua casa, lhe presenteou com uma foto autografada daquele “momento
decisivo” – como diria Cartier Bresson – e ficaram muito amigos.
O último faroleiro abandonou La
Jument em 26 de julho de 1991. Desde então é um farol automático. Theophile
agora é controlador do farol de Creac´h, também em Ouessant. Os moradores
costumam vê-lo passar com seus cachorros pelo caminho que segue a costa da
ilha, com o olhar perdido no mar bravio que se choca contra essas escarpas,
observando a silhueta escura dos faróis nos quais quando jovem passou longos
tempos de solidão em um quarto úmido e escuro.
Os faroleiros são (ou eram) pessoas muito especiais. Seres solitários e de poucas
palavras, artistas com todo o tempo do mundo para escrever, pintar ou esculpir.
Filósofos de uma vida que poucos foram capazes de suportar.
Por isso eles têm dificuldade em adaptar-se a uma
vida sedentária, controlando um farol sentados diante de um computador em uma
sala asséptica com calefação depois de terem sido os últimos românticos do mar;
filósofos solitários que a cada noite acendiam luzes com as quais salvavam
vidas de navegantes anônimos que nunca os conheceriam ou teriam ocasião de
agradecer-lhes. Como Theophile Malgorn.
Nenhum comentário:
Postar um comentário