Colaboração de Fernando
Alcoforado*
<https://ape.unesp.br/pdi/execucao/artigos/avaliacao/a02v13n1.pdf>.
A Declaração de Bolonha que desencadeou o
denominado Processo de Bolonha — é um documento conjunto assinado em 19 de
junho de 1999 pelos Ministros da Educação de 29 países europeus reunidos na
cidade italiana de Bolonha. A declaração marca uma mudança em relação às
políticas ligadas ao ensino superior dos países envolvidos e estabeleceu em
comum um Espaço Europeu de Ensino Superior a partir do comprometimento dos
países signatários em promover reformas dos seus sistemas de ensino. A
declaração visa a tomada de ações conjuntas para com o ensino superior dos
países pertencentes à União Europeia com o objetivo principal de promover
equivalência entre os diversos sistemas de educação nacionais, buscando
integrar os sistemas universitários nacionais, de forma a equiparar graus,
diplomas, títulos universitários, currículos acadêmicos e a adoção de programas
de formação contínua que tenham equivalência nos membros da União Europeia.
O Processo Bolonha contempla em síntese o
seguinte: 1) Adoção de um sistema de graus facilmente compreensíveis e
comparáveis; 2) Adoção de um sistema baseado em três ciclos de ensino: um
primeiro ciclo, o Bacharelado (Bachelor), com um papel relevante para o mercado
de trabalho europeu; um segundo ciclo, que conduz ao grau de mestre (Master);
e, um terceiro ciclo, o doutorado; 3) Estabelecimento de um sistema de
acumulação e de transferência de créditos (tal como o European Credit Transfer
System (ECTS), já em uso nos programas Sócrates e Erasmus); 4) Promoção da
mobilidade de estudantes, docentes, pesquisadores e outros trabalhadores,
removendo os obstáculos administrativos e legais ao reconhecimento de diplomas;
5) Promoção da cooperação europeia na avaliação da qualidade da educação
superior; e, 6) Promoção do Espaço Europeu de Educação Superior.
O Processo de Bolonha vai além do documento
em si, assinado em 1999. A reforma do ensino superior europeu iniciou-se na
prática um ano antes, na reunião da Sorbonne, em Paris, e previa sua
implantação até 2010, contudo não se esgotou naquele ano e vai além do que foi
escrito em Bolonha. Diversos documentos produzidos nos encontros bianuais realizados
pela União Europeia aprofundaram e detalharam o que lá foi escrito. A reforma
engendrada pelo Processo de Bolonha é no fundo a colocação em prática de uma
reflexão feita pelos líderes da comunidade europeia de que ela deveria assumir
um papel de relevância na educação mundial, tal qual vinha assumindo na
economia mundial, e se tornar uma referência mundial, competindo com o sistema
dos Estados Unidos recuperando assim o seu antigo status, perdido em parte no
pós-guerra.
É oportuno observar que o modelo de
universidades existente até o fim da década de 1990 na Europa era tributário do
modelo engendrado por Humbolt na Alemanha, calcado no ensino e na pesquisa. A
partir dessa matriz, criaram-se na Europa três modelos clássicos: francês,
alemão e anglo-saxão do século XIX cada com suas características próprias
descritas a seguir: a) o modelo francês, que se caracterizava pelo ensino
público, leigo e padronizado, fortemente controlado pelo Estado e com ênfase na
formação de profissionais para o mercado de trabalho e ocupações nos quadros do
próprio Estado; b) o modelo alemão, em que a universidade se caracterizava pela
autonomia e buscava ser um centro intelectual de alta cultura e de qualidade
assim como de realização da pesquisa e da formação da elite com a
responsabilidade do Estado pelo seu financiamento; e, c) o modelo inglês, em
que o ideal universitário partia do princípio da formação integral dos
estudantes mediante um método praticamente individual, onde a pesquisa
científica bem como a formação profissional eram relegadas a um segundo plano.
Em contrapartida aos modelos europeus, o
sistema universitário estadunidense, que historicamente pautou-se por seu
caráter imediatista e de utilidade para a nação, na metade do século XX,
começou a ser visto como um sistema competitivo, por caracterizar-se, entre
outros fatores, pela diversificação e hierarquização de instituições de ensino
superior (IES) que atendem a papéis diferenciados. Nesse sistema, estão
presentes tanto universidades tradicionais, que realizam pesquisa e ensino e
recebe uma elite, quanto uma gama de IES que oferecem cursos curtos e
profissionalizantes para uma massa de indivíduos.
O que se buscou com a reforma do ensino
superior na União Europeia é repetir na educação o que vinha ocorrendo na
economia, isto é, a unificação do sistema de ensino superior num modelo que
permitisse mobilidade e aproveitamento do que era feito de um país para outro.
Foi criado um sistema que revisse as antigas tradições universitárias,
transformando as instituições de ensino superior em centros, não só de
excelência acadêmica, mas também de modelo de gestão, tal qual ocorria nos
Estados Unidos, fazendo com que a Europa voltasse ao cenário internacional
educacional em condições de competir com as grandes universidades
norte-americanas.
Cabe ressaltar, contudo, que há várias
críticas quanto à reforma do ensino superior na União Europeia com base no
Processo de Bolonha. Muitos alunos e professores reclamam que a reformulação
das durações dos diversos cursos oferecidos, por exemplo, as licenciaturas na
França, que tinham uma duração de cinco anos, pelo novo sistema de ciclos caiu
para 3 anos fazendo reduzir a qualidade de ensino, sobretudo pela redução de
anos de estudos no ciclo inicial. Este fato repercutiu muito mal na sociedade
francesa que valoriza a formação de professores. Dessa forma, o modelo de três
ciclos tem a seguinte característica: ciclo inicial de formação no mínimo de
três anos, segundo ciclo de pós-graduação ‘stritu senso’ de dois anos para o
mestrado e o terceiro três anos para o doutorado. Em essência, a mudança
proposta pelo Processo de Bolonha objetiva uma reestruturação para diminuir o
tempo gasto na formação superior a fim de garantir uma competitividade com o
sistema norte-americano, que pela sua formatação coloca mais rápido o jovem no
mercado de trabalho e investe na pós-graduação para formação de ponta do aluno.
É oportuno observar que a educação superior
enquanto bem público, que deveria assumir uma dimensão social e de política
pública democrática, surge consideravelmente negligenciada no Processo de
Bolonha. As associações representativas dos estudantes europeus têm-se afirmado
como uns dos setores mais críticos, observando que as condições dos estudantes
raramente têm melhorado, os entraves financeiros à mobilidade persistem, a
participação estudantil nos processos de avaliação continua muito frágil e o
acesso ao segundo ciclo (mestrado) e ao terceiro ciclo (doutorado) se encontra
bastante dificultado em certos países, até pelo pagamento de taxas
elevadíssimas por aluno.
Além disso, diversas medidas de
“racionalização” e de downsizing têm sido levadas a cabo, através de lógicas
gerenciais neoliberais que tendem a tornar ainda mais precários os vínculos
laborais dos docentes, na sua grande maioria sem nomeação definitiva. A redução
da duração dos cursos de primeiro ciclo (graduação), em certos casos na ordem
de dois anos, parece constituir-se, conforme se temia, como uma boa
oportunidade para adotar lógicas de redução de encargos por parte do Estado, e
não para melhorar as condições de trabalho nas escolas. Se assim se mantiver,
mesmo a pedagogia universitária proposta pelo Processo de Bolonha correrá o
risco de ser uma mudança superficial ou cosmética sem grande substância e
incapaz de promover mudanças na organização do trabalho docente e discente, na
adoção de esquemas de apoio tutorial aos estudantes, na dimensão das turmas, na
alteração dos processos de avaliação e na atenção à formação cultural, ética,
política e cívica dos estudantes.
Inspirado no Projeto Bolonha de ensino
superior da União Europeia, Naomar de Almeida Filho, ex-Reitor da UFBA, propôs
a reestruturação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (Ver o artigo O que é
afinal a Universidade Nova? Publicado no website <http://www.ces.uc.pt/bss/documentos/UFBA_universidade_nova.pdf).
A principal alteração prevista é a implantação de Bacharelados
Interdisciplinares (BI), cursos de pré-graduação que serão requisitos para a
graduação de carreiras profissionais e para a formação acadêmica de pós-graduação.
O BI deve durar três anos, abrangendo grandes áreas do conhecimento:
Humanidades, Artes, Ciências, Tecnologias. O seu currículo será
predominantemente optativo, com três componentes: formação geral (FG), formação
diferencial (FD) e formação profissional (FP).
Os módulos FG poderão incluir filosofia
(lógica, ética e estética), história, antropologia, estudos clássicos,
pensamento matemático, princípios e uso de informática, política e cidadania,
ecologia, iniciação científica, atividade curricular comunitária, além de uma
sequência de cursos-troncos durante todo o programa, como língua e literatura
brasileira e língua estrangeira moderna. Os módulos FD serão definidores das
opções do BI. Nessa etapa, serão oferecidos módulos de introdução às profissões,
a exemplo da “Introdução às Engenharias” já existente na Escola Politécnica e
da “Introdução à Psicologia” na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Isso
poderá contribuir para escolhas maduras de carreira profissional. Os módulos FP
serão optativos e oferecidos somente aos alunos da área de conhecimento do BI
correspondente que concluíram a FG. Como a prioridade de matrícula será
concedida por rendimento do aluno nos módulos FG e FD, haverá permanente
estímulo ao bom desempenho dos alunos que pretendem usar o BI como via de
entrada à formação profissional.
Uma vez concluído o BI, o egresso poderá
enfrentar o mercado de trabalho, com diploma de bacharel em área geral de
conhecimento. Caso deseje, haverá opções de prosseguimento de estudos, se aprovados
em processos seletivos específicos, para: a) licenciaturas (exemplos: do BI em
Ciências da Matéria para Licenciatura em Física ou Química; do BI em Ciências
da Vida para Licenciatura em Biologia), com mais 1 a 2 anos de formação
profissional, o que habilita o egresso a lecionar no ensino básico; b)cursos
profissionais, com mais 2 a 4 anos de formação específica, aproveitando todos
os créditos do BI; c) alunos com excepcional talento e desempenho poderão
ingressar diretamente nos mestrados profissional ou acadêmico, podendo
prosseguir para o Doutorado, caso pretenda tornar-se professor ou pesquisador.
Espera-se com o BI acolher maior proporção aluno/docente. Além disso, espera-se
substancial redução nas taxas de evasão, pois as escolhas de carreira profissional
serão feitas com maior maturidade e melhor conhecimento das respectivas
formações.
Artigo de Madalena Guasco Peixoto,
Coordenadora Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Ensino, sob o título A Proposta da Universidade Nova -
Encantos, Perigos e armadilhas, publicado no website
<http://www.contee.org.br/secretarias/educacionais/materia_56.htm>, faz
elogios e críticas ao projeto Universidade Nova. Segundo Madalena Peixoto, “a
proposta Universidade Nova tem alguns atrativos que diante de uma análise
rápida acabam por nos encantar: Fim do vestibular, formação humanística e
generalista, interdisciplinaridade, bacharelado universitário de dois a três
anos e após esta formação geral a possibilidade de continuidade, dando ao aluno
condições de uma escolha, bem mais amadurecida, de sua carreira universitária.
Além disso, a proposta promete: alargamento dos estudos, flexibilização
curricular, integração entre conteúdos, adiamento das escolhas profissionais e
redução das altas taxas de evasão”.
A proposta da Universidade Nova divide a
formação superior em três vocações básicas: A vocação da docência, a vocação
para as carreiras específicas ou profissionais (arquitetura, enfermagem,
direito, engenharia, medicina etc.) e a vocação para a pesquisa indicando a
possibilidade de, após cursar o ciclo inicial, o aluno ir direto para os
mestrados profissionalizantes ou acadêmicos e para o doutorado. Madalena Guasco
Peixoto questiona o fato de o aluno com vocação para a docência estar sendo
selecionado para cursar uma licenciatura para uma das diferentes áreas de
conhecimento por um período de um ou dois anos. Como a formação inicial é
generalista e interdisciplinar, a formação específica para o licenciado, que
deve necessariamente concentrar toda a formação em pedagogia e a formação
específica da área de conhecimento, ficaria reduzida para no máximo dois anos
que seria insuficiente porque, hoje, pelas Diretrizes Curriculares para os
cursos de licenciatura seria impossível uma formação pedagógica e específica em
menos de três anos. O que representaria na prática uma formação bem mais
aligeirada do que já existe hoje tanto para a Pedagogia como para as
licenciaturas dos conteúdos da educação básica.
Outro problema real destacado da proposta da
Universidade Nova por Madalena Guasco Peixoto é que o aluno que pretende seguir
uma carreira profissional, após frequentar de dois a três anos de formação
geral, que lhe conferirá um diploma de Bacharel interdisciplinar em
Humanidades, Bacharel interdisciplinar em Artes, Bacharel interdisciplinar em
tecnologias e Bacharel interdisciplinar em Ciências, terá que após a seleção
interna, cursar mais quatro, cinco ou seis anos a depender da profissão que
escolheu alongando seu acesso ao mercado de trabalho. Outra questão importante
diz respeito ao que fará o aluno depois de diplomado em Bacharel em humanidades
se não conseguir pela seleção cursar uma licenciatura ou um curso profissional
ou uma pós-graduação?
Outra crítica à criação da Universidade Nova
é a de que ao propor criar um ciclo básico humanístico e interdisciplinar para
o desenvolvimento de uma formação generalista e crítica como pré-requisito para
o amadurecimento do estudante antes de continuar o seu
curso universitário que o formaria como
educador, historiador, sociólogo, psicólogo, advogado, médico, ele teria
obrigatoriamente que participar de uma seleção, mas agora dentro da
universidade, e se não tiver vagas suficientes, o aluno sairá da universidade,
agora com um diploma de bacharel interdisciplinar, que não o prepararia
efetivamente para o mundo do trabalho.
Com a Universidade Nova, seu mentor defende a
tese de que ela diminuiria a evasão, hoje muito grande tanto no ensino superior
publico como privado. Segundo Naomar de Almeida Filho, a evasão se dá pelo fato
do aluno não ter amadurecido a sua opção, ou pelo fato dele abandonar a
continuidade do seu curso por não estar tendo uma formação multidisciplinar.
Trata-se de uma visão equivocada porque, na prática, a evasão ocorre na rede
pública e privada porque o aluno não teve o preparo necessário na educação
básica, também na rede privada porque o aluno abandona principalmente por
dificuldades financeiras e na rede pública porque os alunos são obrigados a
abandonar seus cursos para poderem trabalhar.
Madalena Guasco Peixoto afirma que a proposta
de Universidade Nova encanta os empresários da rede privada, por três motivos:
1) Como a formação inicial é generalista e multidisciplinar será mais fácil
administrar a relação professor aluno, um professor de qualquer área das
humanidades para um grupo muito grande de alunos, que poderão cursar ao mesmo
tempo, independente do bacharelado multidisciplinar que escolheram a mesma aula
de interesse geral; 2) Em dois anos será conferido o diploma de Bacharel indisciplinar
em humanidades, artes, etc. e se aluno quiser continuar terá que pagar mais
quatro, cinco anos ou seis anos de mensalidades para poder ter seu diploma de
psicólogo, médico, advogado etc..; e, 3) Este tipo de curso generalista de
Bacharelado interdisciplinar tem maior facilidade de ser ministrado à
distância.
É ganho garantido nas três pontas.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic
and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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