quinta-feira, 17 de setembro de 2015

OS PROJETOS BOLONHA DE ENSINO SUPERIOR DA UNIÃO EUROPEIA E DA UNIVERSIDADE NOVA NO BRASIL


  
Colaboração de Fernando Alcoforado*


O Projeto Bolonha de ensino superior da União Europeia foi analisado tomando por base o conteúdo dos artigos seguintes: 1) O processo de Bolonha disponível no website <http://www.dges.mctes.pt/DGES/pt/Estudantes/Processo+de+Bolonha/Processo+de+B olonha/>; 2) Processo de Bolonha, bacharelado interdisciplinar e algumas implicações para o ensino superior privado no Brasil de Rainer Marinho da Costa disponível no website <https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/processo-de-bolonha-bacharelado-interdisciplinar-e-algumas-implicacoes-para-o-ensino-superior-privado-no-brasil>; 3) O Processo de Bolonha, a avaliação da educação superior e algumas considerações sobre a universidade nova disponível no website
<https://ape.unesp.br/pdi/execucao/artigos/avaliacao/a02v13n1.pdf>.
A Declaração de Bolonha que desencadeou o denominado Processo de Bolonha — é um documento conjunto assinado em 19 de junho de 1999 pelos Ministros da Educação de 29 países europeus reunidos na cidade italiana de Bolonha. A declaração marca uma mudança em relação às políticas ligadas ao ensino superior dos países envolvidos e estabeleceu em comum um Espaço Europeu de Ensino Superior a partir do comprometimento dos países signatários em promover reformas dos seus sistemas de ensino. A declaração visa a tomada de ações conjuntas para com o ensino superior dos países pertencentes à União Europeia com o objetivo principal de promover equivalência entre os diversos sistemas de educação nacionais, buscando integrar os sistemas universitários nacionais, de forma a equiparar graus, diplomas, títulos universitários, currículos acadêmicos e a adoção de programas de formação contínua que tenham equivalência nos membros da União Europeia.
O Processo Bolonha contempla em síntese o seguinte: 1) Adoção de um sistema de graus facilmente compreensíveis e comparáveis; 2) Adoção de um sistema baseado em três ciclos de ensino: um primeiro ciclo, o Bacharelado (Bachelor), com um papel relevante para o mercado de trabalho europeu; um segundo ciclo, que conduz ao grau de mestre (Master); e, um terceiro ciclo, o doutorado; 3) Estabelecimento de um sistema de acumulação e de transferência de créditos (tal como o European Credit Transfer System (ECTS), já em uso nos programas Sócrates e Erasmus); 4) Promoção da mobilidade de estudantes, docentes, pesquisadores e outros trabalhadores, removendo os obstáculos administrativos e legais ao reconhecimento de diplomas; 5) Promoção da cooperação europeia na avaliação da qualidade da educação superior; e, 6) Promoção do Espaço Europeu de Educação Superior.
O Processo de Bolonha vai além do documento em si, assinado em 1999. A reforma do ensino superior europeu iniciou-se na prática um ano antes, na reunião da Sorbonne, em Paris, e previa sua implantação até 2010, contudo não se esgotou naquele ano e vai além do que foi escrito em Bolonha. Diversos documentos produzidos nos encontros bianuais realizados pela União Europeia aprofundaram e detalharam o que lá foi escrito. A reforma engendrada pelo Processo de Bolonha é no fundo a colocação em prática de uma reflexão feita pelos líderes da comunidade europeia de que ela deveria assumir um papel de relevância na educação mundial, tal qual vinha assumindo na economia mundial, e se tornar uma referência mundial, competindo com o sistema dos Estados Unidos recuperando assim o seu antigo status, perdido em parte no pós-guerra.
É oportuno observar que o modelo de universidades existente até o fim da década de 1990 na Europa era tributário do modelo engendrado por Humbolt na Alemanha, calcado no ensino e na pesquisa. A partir dessa matriz, criaram-se na Europa três modelos clássicos: francês, alemão e anglo-saxão do século XIX cada com suas características próprias descritas a seguir: a) o modelo francês, que se caracterizava pelo ensino público, leigo e padronizado, fortemente controlado pelo Estado e com ênfase na formação de profissionais para o mercado de trabalho e ocupações nos quadros do próprio Estado; b) o modelo alemão, em que a universidade se caracterizava pela autonomia e buscava ser um centro intelectual de alta cultura e de qualidade assim como de realização da pesquisa e da formação da elite com a responsabilidade do Estado pelo seu financiamento; e, c) o modelo inglês, em que o ideal universitário partia do princípio da formação integral dos estudantes mediante um método praticamente individual, onde a pesquisa científica bem como a formação profissional eram relegadas a um segundo plano.
Em contrapartida aos modelos europeus, o sistema universitário estadunidense, que historicamente pautou-se por seu caráter imediatista e de utilidade para a nação, na metade do século XX, começou a ser visto como um sistema competitivo, por caracterizar-se, entre outros fatores, pela diversificação e hierarquização de instituições de ensino superior (IES) que atendem a papéis diferenciados. Nesse sistema, estão presentes tanto universidades tradicionais, que realizam pesquisa e ensino e recebe uma elite, quanto uma gama de IES que oferecem cursos curtos e profissionalizantes para uma massa de indivíduos.
O que se buscou com a reforma do ensino superior na União Europeia é repetir na educação o que vinha ocorrendo na economia, isto é, a unificação do sistema de ensino superior num modelo que permitisse mobilidade e aproveitamento do que era feito de um país para outro. Foi criado um sistema que revisse as antigas tradições universitárias, transformando as instituições de ensino superior em centros, não só de excelência acadêmica, mas também de modelo de gestão, tal qual ocorria nos Estados Unidos, fazendo com que a Europa voltasse ao cenário internacional educacional em condições de competir com as grandes universidades norte-americanas.
Cabe ressaltar, contudo, que há várias críticas quanto à reforma do ensino superior na União Europeia com base no Processo de Bolonha. Muitos alunos e professores reclamam que a reformulação das durações dos diversos cursos oferecidos, por exemplo, as licenciaturas na França, que tinham uma duração de cinco anos, pelo novo sistema de ciclos caiu para 3 anos fazendo reduzir a qualidade de ensino, sobretudo pela redução de anos de estudos no ciclo inicial. Este fato repercutiu muito mal na sociedade francesa que valoriza a formação de professores. Dessa forma, o modelo de três ciclos tem a seguinte característica: ciclo inicial de formação no mínimo de três anos, segundo ciclo de pós-graduação ‘stritu senso’ de dois anos para o mestrado e o terceiro três anos para o doutorado. Em essência, a mudança proposta pelo Processo de Bolonha objetiva uma reestruturação para diminuir o tempo gasto na formação superior a fim de garantir uma competitividade com o sistema norte-americano, que pela sua formatação coloca mais rápido o jovem no mercado de trabalho e investe na pós-graduação para formação de ponta do aluno.
É oportuno observar que a educação superior enquanto bem público, que deveria assumir uma dimensão social e de política pública democrática, surge consideravelmente negligenciada no Processo de Bolonha. As associações representativas dos estudantes europeus têm-se afirmado como uns dos setores mais críticos, observando que as condições dos estudantes raramente têm melhorado, os entraves financeiros à mobilidade persistem, a participação estudantil nos processos de avaliação continua muito frágil e o acesso ao segundo ciclo (mestrado) e ao terceiro ciclo (doutorado) se encontra bastante dificultado em certos países, até pelo pagamento de taxas elevadíssimas por aluno.
Além disso, diversas medidas de “racionalização” e de downsizing têm sido levadas a cabo, através de lógicas gerenciais neoliberais que tendem a tornar ainda mais precários os vínculos laborais dos docentes, na sua grande maioria sem nomeação definitiva. A redução da duração dos cursos de primeiro ciclo (graduação), em certos casos na ordem de dois anos, parece constituir-se, conforme se temia, como uma boa oportunidade para adotar lógicas de redução de encargos por parte do Estado, e não para melhorar as condições de trabalho nas escolas. Se assim se mantiver, mesmo a pedagogia universitária proposta pelo Processo de Bolonha correrá o risco de ser uma mudança superficial ou cosmética sem grande substância e incapaz de promover mudanças na organização do trabalho docente e discente, na adoção de esquemas de apoio tutorial aos estudantes, na dimensão das turmas, na alteração dos processos de avaliação e na atenção à formação cultural, ética, política e cívica dos estudantes.
Inspirado no Projeto Bolonha de ensino superior da União Europeia, Naomar de Almeida Filho, ex-Reitor da UFBA, propôs a reestruturação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (Ver o artigo O que é afinal a Universidade Nova? Publicado no website <http://www.ces.uc.pt/bss/documentos/UFBA_universidade_nova.pdf). A principal alteração prevista é a implantação de Bacharelados Interdisciplinares (BI), cursos de pré-graduação que serão requisitos para a graduação de carreiras profissionais e para a formação acadêmica de pós-graduação. O BI deve durar três anos, abrangendo grandes áreas do conhecimento: Humanidades, Artes, Ciências, Tecnologias. O seu currículo será predominantemente optativo, com três componentes: formação geral (FG), formação diferencial (FD) e formação profissional (FP).
Os módulos FG poderão incluir filosofia (lógica, ética e estética), história, antropologia, estudos clássicos, pensamento matemático, princípios e uso de informática, política e cidadania, ecologia, iniciação científica, atividade curricular comunitária, além de uma sequência de cursos-troncos durante todo o programa, como língua e literatura brasileira e língua estrangeira moderna. Os módulos FD serão definidores das opções do BI. Nessa etapa, serão oferecidos módulos de introdução às profissões, a exemplo da “Introdução às Engenharias” já existente na Escola Politécnica e da “Introdução à Psicologia” na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Isso poderá contribuir para escolhas maduras de carreira profissional. Os módulos FP serão optativos e oferecidos somente aos alunos da área de conhecimento do BI correspondente que concluíram a FG. Como a prioridade de matrícula será concedida por rendimento do aluno nos módulos FG e FD, haverá permanente estímulo ao bom desempenho dos alunos que pretendem usar o BI como via de entrada à formação profissional.
Uma vez concluído o BI, o egresso poderá enfrentar o mercado de trabalho, com diploma de bacharel em área geral de conhecimento. Caso deseje, haverá opções de prosseguimento de estudos, se aprovados em processos seletivos específicos, para: a) licenciaturas (exemplos: do BI em Ciências da Matéria para Licenciatura em Física ou Química; do BI em Ciências da Vida para Licenciatura em Biologia), com mais 1 a 2 anos de formação profissional, o que habilita o egresso a lecionar no ensino básico; b)cursos profissionais, com mais 2 a 4 anos de formação específica, aproveitando todos os créditos do BI; c) alunos com excepcional talento e desempenho poderão ingressar diretamente nos mestrados profissional ou acadêmico, podendo prosseguir para o Doutorado, caso pretenda tornar-se professor ou pesquisador. Espera-se com o BI acolher maior proporção aluno/docente. Além disso, espera-se substancial redução nas taxas de evasão, pois as escolhas de carreira profissional serão feitas com maior maturidade e melhor conhecimento das respectivas formações.
Artigo de Madalena Guasco Peixoto, Coordenadora Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, sob o título A Proposta da Universidade Nova - Encantos, Perigos e armadilhas, publicado no website <http://www.contee.org.br/secretarias/educacionais/materia_56.htm>, faz elogios e críticas ao projeto Universidade Nova. Segundo Madalena Peixoto, “a proposta Universidade Nova tem alguns atrativos que diante de uma análise rápida acabam por nos encantar: Fim do vestibular, formação humanística e generalista, interdisciplinaridade, bacharelado universitário de dois a três anos e após esta formação geral a possibilidade de continuidade, dando ao aluno condições de uma escolha, bem mais amadurecida, de sua carreira universitária. Além disso, a proposta promete: alargamento dos estudos, flexibilização curricular, integração entre conteúdos, adiamento das escolhas profissionais e redução das altas taxas de evasão”.
A proposta da Universidade Nova divide a formação superior em três vocações básicas: A vocação da docência, a vocação para as carreiras específicas ou profissionais (arquitetura, enfermagem, direito, engenharia, medicina etc.) e a vocação para a pesquisa indicando a possibilidade de, após cursar o ciclo inicial, o aluno ir direto para os mestrados profissionalizantes ou acadêmicos e para o doutorado. Madalena Guasco Peixoto questiona o fato de o aluno com vocação para a docência estar sendo selecionado para cursar uma licenciatura para uma das diferentes áreas de conhecimento por um período de um ou dois anos. Como a formação inicial é generalista e interdisciplinar, a formação específica para o licenciado, que deve necessariamente concentrar toda a formação em pedagogia e a formação específica da área de conhecimento, ficaria reduzida para no máximo dois anos que seria insuficiente porque, hoje, pelas Diretrizes Curriculares para os cursos de licenciatura seria impossível uma formação pedagógica e específica em menos de três anos. O que representaria na prática uma formação bem mais aligeirada do que já existe hoje tanto para a Pedagogia como para as licenciaturas dos conteúdos da educação básica.
Outro problema real destacado da proposta da Universidade Nova por Madalena Guasco Peixoto é que o aluno que pretende seguir uma carreira profissional, após frequentar de dois a três anos de formação geral, que lhe conferirá um diploma de Bacharel interdisciplinar em Humanidades, Bacharel interdisciplinar em Artes, Bacharel interdisciplinar em tecnologias e Bacharel interdisciplinar em Ciências, terá que após a seleção interna, cursar mais quatro, cinco ou seis anos a depender da profissão que escolheu alongando seu acesso ao mercado de trabalho. Outra questão importante diz respeito ao que fará o aluno depois de diplomado em Bacharel em humanidades se não conseguir pela seleção cursar uma licenciatura ou um curso profissional ou uma pós-graduação?
Outra crítica à criação da Universidade Nova é a de que ao propor criar um ciclo básico humanístico e interdisciplinar para o desenvolvimento de uma formação generalista e crítica como pré-requisito para o amadurecimento do estudante antes de continuar o seu
curso universitário que o formaria como educador, historiador, sociólogo, psicólogo, advogado, médico, ele teria obrigatoriamente que participar de uma seleção, mas agora dentro da universidade, e se não tiver vagas suficientes, o aluno sairá da universidade, agora com um diploma de bacharel interdisciplinar, que não o prepararia efetivamente para o mundo do trabalho.
Com a Universidade Nova, seu mentor defende a tese de que ela diminuiria a evasão, hoje muito grande tanto no ensino superior publico como privado. Segundo Naomar de Almeida Filho, a evasão se dá pelo fato do aluno não ter amadurecido a sua opção, ou pelo fato dele abandonar a continuidade do seu curso por não estar tendo uma formação multidisciplinar. Trata-se de uma visão equivocada porque, na prática, a evasão ocorre na rede pública e privada porque o aluno não teve o preparo necessário na educação básica, também na rede privada porque o aluno abandona principalmente por dificuldades financeiras e na rede pública porque os alunos são obrigados a abandonar seus cursos para poderem trabalhar.
Madalena Guasco Peixoto afirma que a proposta de Universidade Nova encanta os empresários da rede privada, por três motivos: 1) Como a formação inicial é generalista e multidisciplinar será mais fácil administrar a relação professor aluno, um professor de qualquer área das humanidades para um grupo muito grande de alunos, que poderão cursar ao mesmo tempo, independente do bacharelado multidisciplinar que escolheram a mesma aula de interesse geral; 2) Em dois anos será conferido o diploma de Bacharel indisciplinar em humanidades, artes, etc. e se aluno quiser continuar terá que pagar mais quatro, cinco anos ou seis anos de mensalidades para poder ter seu diploma de psicólogo, médico, advogado etc..; e, 3) Este tipo de curso generalista de Bacharelado interdisciplinar tem maior facilidade de ser ministrado à distância.
É ganho garantido nas três pontas.
* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).


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