Colaboração de Fernando Alcoforado*
O século XX
foi caracterizado, por Eric Hobsbawm, como a “era dos extremos”, sendo a sua
primeira metade (de 1914 a 1945) uma "era de catástrofes". Somadas as
duas guerras mundiais aos longos anos de Guerra Fria, genocídios, massacres e
etnocídios desvelaram o quanto as instituições formais, dos Estados às
Organizações Internacionais, não deram conta de evitar que o Homem fosse o
“lobo do próprio Homem”, chegando à borda da própria destruição civilizacional.
Em termos históricos, 2013 guarda o recorde mais negativo de refugiados em quase sete décadas. Em 2013, de acordo com o ACNUR (agência da ONU para refugiados), solicitantes de asilo, deslocados internos e refugiados somaram 51,2 milhões de pessoas em todo o mundo pela primeira vez desde o pós-Segunda Guerra Mundial. Parte deste resultado foi impulsionada pela guerra civil na Síria que já criou mais de três milhões de refugiados, além de conflitos na Líbia, República Democrática do Congo (RDC) e a longa instabilidade no Iraque.
Com a
ascensão do Estado Islâmico (Isis) no norte do Iraque e na Síria, o número
global de refugiados vem aumentando significativamente. O avanço do Isis elevou
a quantidade de iraquianos fugindo para países vizinhos. Esse cenário não é
exatamente novo, uma vez que tem havido uma alta no número de refugiados
globais em anos recentes. A história do grupo terrorista Estado Islâmico está
relacionada com o processo de crise política que se desencadeou no Iraque após
a invasão de tropas norte-americanas iniciada em 2003.
Historicamente,
todas as guerras ocorridas ao longo da história da humanidade mostram que uma
de suas consequências é o surgimento de refugiados das áreas de conflito como
ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial na Europa. A onda de refugiados
recentes tem como maiores responsáveis as potências ocidentais lideradas pelos
Estados Unidos que ocuparam e desorganizaram o Iraque, Afeganistão, Líbia, além
da tentativa de intervenção militar na Síria, entre outros países. Esta
situação faz com que se torne um imperativo o fim da desordem, do caos que tem
caracterizado as relações internacionais ao longo da história.
Urge a
criação de uma nova ordem mundial que seja capaz de evitar guerras e conflitos
internacionais das quais resultem crises humanitárias de grandes proporções como
as que se verificam no momento. A violência desenfreada e as crises que se
manifestam sob várias formas no mundo em que vivemos tem como causa o sistema
capitalista mundial. Por isso é fundamental romper com o atual modelo de
desenvolvimento, o capitalismo, que já se mostrou incapaz de regular e, muito
menos, de evitar e superar a violência e as crises que vem criando ao longo de
sua história. O grande desafio da era contemporânea é fazer a humanidade
evoluir do estágio de barbárie em que se encontra no momento ao de civilização.
Segundo Eric Hobsbawn, nos últimos 150 anos, a barbárie tem aumentado
permanentemente. Ano a ano, década a década, a violência e o desprezo pelo ser
humano têm aumentado parecendo não haver um limite para este fenômeno. Algo muitíssimo
pior: os homens e mulheres se acostumaram com a barbárie já não existindo
espanto, estranheza, nem horror frente aos atos desumanos. Marx escreveu em
1847 esta passagem surpreendente e profética: "A barbárie reapareceu, mas
desta vez ela é engendrada no próprio seio da civilização e é 2 parte
integrante dela. É a barbárie leprosa, a barbárie como lepra da
civilização" (Ver Barbárie e modernidade no século 20 de Michael Lowy,
publicado no Brasil pelo jornal "Em Tempo"- emtempo@ax.apc.org e,
originalmente em francês, na revista "Critique Communiste" nº 157,
hiver 2000).
A Primeira e
a Segunda Guerra Mundial estabeleceram uma nova forma de barbárie eminentemente
moderna, bem pior em sua desumanidade assassina do que as práticas guerreiras
dos conquistadores "bárbaros" do fim do Império Romano. Segundo Eric
Hobsbawn, a Grande Guerra (1914-1918) abre a etapa mais sanguinária da história
mundial. O ano de 1914 começa com os sacrifícios ilimitados no afã de eliminar
o inimigo. Sacrifício este que incorpora a própria população civil. 1914 começa
com a era da guerra total, a ausência de distinções entre combatentes e não
combatentes (Ver o artigo de Eric Hobsbawn sob o título La barbarie: guia del
usuario no site ). De 1914 a 1990, morreram 187 milhões de pessoas, em atos
bélicos ou extermínio sistemático.
A despeito
das reiteradas intenções de todos os países do globo em manter a paz mundial, o
Século XX foi palco de duas grandes guerras. Na Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), morreram cerca de 9 milhões de pessoas. Apenas vinte anos depois,
eclodia a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que matou entre 40 e 52 milhões
de pessoas. Além disso, a violência dos conflitos em nossa época não tem
paralelo na história. As guerras do século XX foram “guerras totais” contra
combatentes e civis sem discriminação. O historiador Eric Hobsbawm (A Era dos
Extremos, Companhia das Letras, 2008) complementa: "Sem dúvida ele foi o
século mais assassino de que temos registro, tanto na escala, frequência e
extensão da guerra que o preencheu, mal cessando por um momento na década de
20, como também pelo volume único das catástrofes humanas que produziu, desde
as maiores fomes da história até o genocídio sistemático".
A tragédia
das guerras no século XX atingiu a maioria das famílias ao longo de duas, três
ou quatro gerações. O apelo às armas levou milhões de filhos, maridos, pais e
irmãos para o campo de batalha, e milhões não voltaram. O genocídio nazista
contra os judeus, ciganos e comunistas, o uso da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki,
o Goulag stalinista, a guerra do Vietnã, o ataque terrorista ao World Trade
Center em New York, as duas guerras do Iraque, a guerra do Afeganistão, as
guerras civis recentes da Líbia e da Síria e a violência indiscriminada
praticada pelo Estado Islâmico exemplificam de maneira mais acabada a barbárie
que caracteriza o mundo em que vivemos. Nesse quadro de perspectivas sombrias,
urge atacar o mal da barbárie pela raiz com a construção de uma nova ordem
mundial civilizada em substituição à ordem capitalista dominante geradora dos
atentados à Civilização em todos os quadrantes da Terra que se registram há
mais de 500 anos.
Para fazer
frente à barbárie contemporânea e fazer com que a paz prevaleça nas relações
internacionais, é preciso constituir um governo mundial que teria por objetivo
a defesa dos interesses gerais da humanidade compatibilizando-os com os
interesses dos povos de cada nação. O governo mundial trabalharia no sentido de
mediar os conflitos internacionais e construir o consenso entre todos os
Estados nacionais, fazer com que cada Estado nacional respeite os direitos de
seus cidadãos, além de buscar impedir a propagação dos riscos sistêmicos
mundiais. Sem o surgimento de um governo mundial, as relações internacionais
serão regidas pela lei do mais forte como tem sido ao longo da história da
humanidade. A humanidade tem de entender que tem tudo a ganhar se unindo em
torno de um governo democrático no mundo representativo de todos os 3 povos que
opere acima dos interesses de cada nação, incluindo o mais poderoso, gerindo o
mundo em sua totalidade, no tempo e no espaço.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic
and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica
no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015)
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