quinta-feira, 29 de outubro de 2015

COMO COMBATER E DERROTAR O TOTALITARISMO MODERNO



 Fernando Alcoforado*
  
Na história da humanidade, todas as lutas contra a opressão foram sempre direcionadas contra um inimigo claramente identificado, seja ele pessoas, governos ou classes sociais. No passado, as forças que se opunham ao poder opressor dominante lutavam para conquistar o Estado através do qual o poder passasse a ser exercido a fim de mudar a realidade política, econômica e social em que viviam. Foi desta forma que aconteceram as revoluções sociais e a independência nacional em inúmeros países do mundo. Na era contemporânea, a opressão imposta pelo totalitarismo moderno não tem um responsável único sobre o qual possam ser imputadas responsabilidades pela servidão por ele imposta contra a quase totalidade dos seres humanos conforme foi demonstrada no artigo de nossa autoria O totalitarismo moderno e a servidão humana publicado no website .
No passado, era mais fácil mobilizar uma classe social ou todo um povo contra um inimigo opressor claramente identificado. Na era contemporânea, o inimigo opressor está fragmentado e atua abertamente e também de forma subliminar sobre a mente das pessoas. Trata-se de um grande desafio para os povos oprimidos do mundo inteiro se organizar para combater e derrotar um inimigo não claramente definido que está presente em todos os quadrantes do planeta e atua globalmente. Há vários responsáveis pelo totalitarismo moderno destacando-se, entre eles, os governos das grandes potências capitalistas e dos países capitalistas periféricos e semiperiféricos a eles associados, os responsáveis pelo sistema financeiro mundial e nacional a eles associados, os empresários detentores das grandes empresas multinacionais e empresários nacionais a eles associados, entre outros. Como o sistema capitalista mundial opera globalmente em rede envolvendo governos, empresas, bancos e outros tipos de organizações, não se pode atribuir a responsabilidade apenas a um governo ou organização pela opressão que se espraia pelo mundo e afeta a maioria da população mundial física e mentalmente.
O primeiro passo para combater o totalitarismo moderno consiste em desencadear em escala mundial uma luta no campo ideológico denunciando o caráter da ideologia neoliberal imposta globalmente pelo sistema capitalista mundial como responsável pela servidão da quase totalidade dos seres humanos. O segundo passo consiste em destruir o mito de que não há outra alternativa para a humanidade a não ser o capitalismo neoliberal apresentando outro modelo de desenvolvimento da sociedade que representa sua antítese. Este modelo de desenvolvimento da sociedade apresentaremos no próximo artigo sob o título Novo modelo de sociedade a ser edificado no futuro. O terceiro passo diz respeito à caracterização em cada país do mundo dos inimigos a serem combatidos localmente e globalmente dentro da perspectiva de derrotar o totalitarismo moderno. Finalmente, o quarto passo consiste em estabelecer alianças com organizações governamentais, partidárias, sindicais e da sociedade civil de cada país do mundo comprometidas com a luta contra o totalitarismo moderno visando a construção de uma rede mundial de luta pela construção de um novo modelo de sociedade que contribua para o verdadeiro progresso da humanidade.
A luta contra o totalitarismo moderno vem sendo assumido pelo que Imannuel  Wallerstein denomina movimentos antissistêmicos (WALLERSTEIN, I. M. O que significa hoje ser um movimento antissistêmico. In: LEHER, R.; SETÚBAL, M. (Org.). Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogos para uma nova práxis. São Paulo: 2 Cortez, 2005. p.263-276). Segundo Wallerstein, desde a década de 1960, os movimentos antissistêmicos são divididos em dois tipos diferentes: os chamados movimentos sociais e os movimentos nacionais. O termo movimentos sociais refere-se às organizações sindicais e aos partidos socialistas, tendo como objetivo impulsionar a luta de classes contra a burguesia e contra o capitalismo no interior de cada Estado nacional. Já os movimentos nacionais buscavam a criação de um Estado nacional, pelo agrupamento de unidades políticas pertencentes à nação e independência em relação a Estados que eram considerados impérios opressores da nacionalidade.
 Wallerstein, evidencia que a situação mundial destes movimentos na década de 1960 se caracterizaram por chegarem ao poder e não conseguir transformar o mundo. A conclusão dos povos do mundo sobre o desempenho dos movimentos socialistas e nacionalistas no exercício do poder foi negativa. Perderam não somente sua crença de que o futuro seria glorioso, mas também a confiança nestes movimentos e deixaram de crer que estes partidos os conduziriam a um mundo mais igualitário. E por terem perdido sua fé neles perderam também sua fé na conquista do poder dos Estados como mecanismo de transformação (WALLERSTEIN, 2005). No entanto, Wallerstein esclarece que, desde 1968, tem havido uma busca persistente por um novo e melhor modelo de movimento antissistêmico ou anticapitalista, pois a velha esquerda havia falhado, por não ter sido bem sucedido ao aplicar a doutrina da revolução. O fracasso da velha esquerda aconteceu também no esforço que fez de promover o real progresso econômico e social em países onde alcançou o poder através de eleições como é o caso do Brasil, entre outros.
O movimento operário foi um paradigma fundador dos movimentos sociais historicamente estabelecidos de 1848 até meados da década de 1960. No entanto, com a desestruturação que vem ocorrendo no movimento operário em todo o mundo, outro modelo de movimento social entrou em cena ao longo das décadas de 1970 e 1980. Houve quatro tipos de tentativas de movimentos antissistêmicos ou antiglobalização, algumas ainda em curso: (1) surgimento dos múltiplos maoismos, inspirados na Revolução Cultural Chinesa, movimentos que não existem mais; (2) o surgimento, da New Left (nova esquerda), os Verdes e outros movimentos ecológicos, os movimentos feministas, os movimentos de minorias raciais/étnicas, com destaque maior a partir dos anos setenta; (3) emergência de movimentos de organizações de direitos humanos, adquirindo maior força a partir dos anos 1980; (4) movimentos antiglobalização, com maior força a partir dos anos 1990. Sendo assim, os movimentos antissistêmicos na atualidade se apresentam de uma forma muito diferente dos movimentos dos séculos XIX e XX.
No momento atual, existem inúmeras manifestações contra o sistema capitalista mundial em escala global em consequência da expansão das tensões e aprofundamento de suas contradições. Movimentos de libertação nacional, insurgências proletárias, resistências e desafios civilizacionais, contraculturas, revigoramento de religiosidades são alguns exemplos dessas contradições. Neste contexto, qual deveria ser o lugar das lutas contra o totalitarismo moderno? Primeiramente, há de se considerar que nesta incessante luta contra o capital os movimentos contra o capitalismo local e global devem assumir, na prática, múltiplas formas. Nem sempre o que está em jogo é a derrubada da hegemonia do capitalismo ou a tentativa de por em prática os ideais socialistas via partidos políticos visando a derrubada do neoliberalismo e da hegemonia capitalista. 3 O movimento contra o totalitarismo moderno não deve se reduzir apenas a um movimento contra-hegemônico que tenha suas bases materiais no plano econômico. Ele deve ser mais amplo e invadir todos os campos da vida como faz o totalitarismo moderno para se impor globalmente. Ao invés de buscar a emancipação social via socialismo haja vista que vivemos em uma era marcada pelo esgotamento de energias que visem revolucionar o status quo através do socialismo, é preciso adotar, como transição para uma sociedade verdadeiramente progressista e democrática no futuro, um modelo aperfeiçoado de social democracia nos moldes escandinavos no qual os interesses do capital e da sociedade civil sejam compatibilizados com a presença de um Estado neutro mediador de conflitos. Este seria o caminho da transição no sentido de romper com a lógica neoliberal.
A questão política e teórica mais importante atualmente, na luta pela construção de um mundo melhor é aquela referente à construção de um modelo alternativo ao modelo neoliberal que já revela sinais claros de esgotamento. É preciso que se estabeleça em todo o mundo o debate dos temas ligados a um modelo de sociedade alternativo ao modelo neoliberal. É preciso também que haja o convencimento de que nenhum projeto nacional de desenvolvimento será exitoso se for tratado de forma isolada e não estiver relacionado com o desenvolvimento de todos os países de forma articulada em escala global. É preciso centrar a luta pela destruição do sistema mundial capitalista em vigor e suplantá-lo por um sistema diferente social democrata nos moldes escandinavos evitando que dela resultem apenas ajustes e recomposição do sistema capitalista atual, atacando parcialmente alguns de seus principais defeitos e aparando apenas suas arestas mais cruéis e destrutivas.


* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).

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