Política: Como o povo fica?
AGU questiona TCU, juiz do STF
critica PGR e Planalto se digladia com o Congresso. Os ‘políticos de pijamas’ do TCU ganham status inédito com a crise
POR RODOLFO BORGES
Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes.
/ GERALDO MAGELA (AGÊNCIA
SENADO)
A presidenta
Dilma Rousseff não tem condições de terminar o Governo, dispara a oposição. Os
governistas rebatem: a Câmara dos Deputados não tem moral para abrir um
processo de impeachment, já que seu presidente, Eduardo Cunha (PMDB), foi denunciado pelo procurador-geral da República por
receber propina e está cada vez mais enrolado no caso. No meio do tiroteio, os
defensores do Governo receberam uma forcinha do ex-presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa: para ele, que virou símbolo de justiça
ao comandar o processo do mensalão, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de onde podem sair razões para a queda da
presidenta, não têm "estatura" para tanto. Em meio à crise, que
instituição se salva em Brasília?
A crise de
comando no Executivo, um poder que se acostumou a reinar soberano na capital
federal nas últimas décadas, parece ter aberto espaço para a atuação mais
decisiva de instituições que viviam à sua sombra. Com a posse do dissidente
Eduardo Cunha na presidência da Câmara, em fevereiro, o Legislativo passou
a conduzir sua própria pauta após anos e, à revelia do Palácio do Planalto, o
peemedebista calibrou sua popularidade entre os bônus e ônus de aprovar temas
polêmicos como a redução da maioridade penal e a tentativa de emplacar o
financiamento privado de campanha. O mesmo pode ser dito sobre o TCU, uma instituição cujas deliberações não interessavam
ao Congresso Nacional até surgir o questionamento sobre as pedaladas fiscais do
Governo.
Neste
domingo, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, deu um passo na direção
do choque institucional ao defender o afastamento do relator do processo sobre as contas de 2014 da
presidenta no TCU, Augusto Nardes. A análise das pedaladas deve
ocorrer na quarta-feira, mas a Advocacia Geral da União (AGU) informou que
pedirá a suspeição de Nardes por "conduta típica de um agente político, e
não de um magistrado". O pedido se baseia no fato de que Nardes tem dado
várias declarações em que deixaria claro seu voto pela rejeição das contas em
análise. Adams diz que a AGU reuniu mais de duas mil páginas de declarações em
que o ministro do TCU antecipa seu voto, o que não é permitido. Nardes repudiou
as declarações de Adams e disse, em nota, que "não antecipou sua opinião final
acerca da apreciação dessas contas".
Tudo funcionando
Apesar de
tantos atritos, que põem em questão desde a suposta rigidez da Polícia Federal,
do Ministério Público e da Justiça Federal na operação Lava
Jato até a
partidarização da AGU, o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, não
enxerga risco de crise institucional. "A Lava Jato mostra que o Ministério
Público e a Polícia Federal estão funcionando. O Tribunal de Contas está tendo grande
cautela na análise das contas do Governo. E o Congresso Nacional votou muitas
coisas no primeiro semestre, inclusive o ajuste fiscal", diz Ismael.
Para o
professor da PUC-Rio, a população tende a enxergar o mundo político de maneira
muito crítica e com desconfiança, especialmente o Congresso Nacional, mas
"nenhuma decisão que o Congresso tomou neste ano, incluindo a agenda mais
conservadora, deixou de ser fruto de debate". O problema, segundo ele, é
que "o Brasil amanheceu janeiro de 2015 com a presidente da República
mudando o discurso". "Uma coisa é avaliar as instituições dentro de
um quadro de normalidade. Outra é avaliar dentro de uma crise", pondera
Ismael.
A leitura de
que as votações passaram por debate no Congresso, contudo, é controversa. Entre
alguns parlamentares, a opinião é de que nunca se ultrapassou tantos limites no
regimento da Câmara, aprovando assuntos relevantes em manobras sinuosas. No dia
6 de agosto, por exemplo, Cunha colocou em votação as contas públicas de
Governos anteriores, em sessões expressas. Essas votações eram necessárias para
liberar a análise das contas de Dilma, que podem dar encaminhamento a um pedido
de impeachment.
Mesmo diante
de fatos como esse, o jurista Modesto Carvalhosa considera que as instituições
brasileiras estão se saindo muito bem. Duro crítico da atuação Controladoria
Geral da União (CGU) natentativa de
fechar acordos de leniência no caso Petrobras, Carvalhosa é outro que assegura que o Brasil não
atravessa uma crise institucional. Muito pelo contrário. "É
impressionante, mas as instituições têm mostrado uma força enorme de se
manterem firmes, apesar de seus titulares serem absolutamente contra a lei e
muitas vezes contrários aos interesses públicos", diz o advogado de 82
anos, que estuda a corrupção na administração pública brasileira há mais de 20
anos.
Carvalhosa
destaca que apesar de o TCU ser formado por políticos aposentados e de sua
composição não respeitar qualquer critério de mérito — o que levou o
ex-ministro Joaquim Barbosa a classificá-lo como um "playground
de políticos fracassados" —, os quadros técnico e de fiscalização do
tribunal são "fantásticos". Segundo o jurista, que subscreveu neste
ano um manifesto que pede a renúncia de Dilma Rousseff, instituições como o TCU
e o Congresso podem até sair mais fortes da atual crise, desde que o eleitorado
saiba interpretar e reagir ao quadro de adversidade que se apresenta.
Atritos
No balanço
da crise, Carvalhosa destaca a atuação do Judiciário, aquele poder cujos
titulares estariam demonstrando mais aptidão e disposição para cumprir a missão
que deles se espera. Mas isso não é garantia de calmaria ou harmonia — as
indicações de ministros para o STF permanecem tema constante de intrigas
político-partidárias. Por conta do julgamento, no TSE, das contas da campanha
de reeleição da presidenta (um dos caminhos possíveis para o impeachment), o ministro Gilmar Mendes, que
atua no TSE e no STF, abriu guerra verbal com o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, que já vinha sendo alvo de parlamentares como o senador Fernando
Collor (PTB) e o deputado Eduardo Cunha, ambos denunciados ao STF no âmbito da Lava Jato (o presidente do Senado,
Renan Calheiros, é outro na mira do STF no mesmo caso).
Ao arquivar
pedido de investigação de Mendes, Janot falou em "judicialização
extremada" e disse que "não interessa à sociedade que as
controvérsias sobre a eleição se perpetuem". Para Mendes, o despacho de Janot
"vai de infantil a pueril" e a PGR atua de forma "viciada"
na questão sobre as contas da campanha da presidenta. É nesse ambiente de
desconfiança mútua que cada decisão das autoridades de Brasília, como a
recondução de Janot para o cargo —algo dado como improvável até um mês antes de ocorrer —, é interpretada à luz do
jogo político, um indicativo de que as coisas podem não estar funcionando tão
bem assim.
Personalismo
Para o
cientista político Carlos Melo, professor do Insper, a impressão de
funcionamento pleno da República brasileira leva a um discurso perigoso,
“porque escamoteia a necessidade do aperfeiçoamento institucional, que é um a
tarefa permanente”. “O Judiciário está funcionando, mas há uma sobrecarga sobre
algumas figuras, como Joaquim Barbosa [no caso do mensalão] e Sérgio Moro. E
mesmo na Justiça há desconfianças, por exemplo quando se desmembra no STF a Lava Jato. Nesses momentos, mesmo aqueles
que falam que a justiça funciona ficam temerosos”, diz Melo.
O professor
do Insper lembra ainda que os partidos políticos também são instituições, e que
existem 34 no país, 28 deles com representação na Câmara, o que “dificulta
terrivelmente a construção da governabilidade“. Segundo Melo, os poderes
executivos em todos os níveis (federal, estadual e municipal) também funcionam,
mas “com alto grau de patrimonialismo, uma burocracia enorme e com lideranças
que, em alguns momentos, se apropriam do público em virtude de seus próprios
interesses”.
“Tem de relativizar essa história
de dizer que as instituições funcionam. É preciso pensar de um forma mais
ampla. As instituições parecem funcionar melhor do que no passado, e também
funcionam bem quando analisadas em relação a vários países da América Latina e
dos chamados Brics (grupo composto por Brasil, Rússia, China, Índia e África do
Sul), porque houve melhora institucional nos últimos 20 ou 30 anos”. É um
ambiente mais saudável, reconhece Melo, que pondera: “ainda estamos longe da
perfeição, de dizer que nossas instituições funcionam plenamente”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário