Publicado por Gisele Bellucci,
é paulistana, formada em Publicidade e Propaganda, yogini, escritora e
completamente apaixonada por livros e pelas histórias que eles contam.
"Nossas dúvidas são
traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por
simples medo de arriscar." William Shakespeare
O ano era 1977. Eu nasci. E infelizmente
cresci com medo das profecias de Nostradamus para o ano de 1999. Eu fazia as
contas e sabia que viveria até os meus 22 anos, então, se o mundo ia mesmo
acabar, como eu acreditava, teria que “acelerar” o processo das coisas que eu
gostaria de realizar. Uma dessas frases assustadoras, dizia: “No ano de 1999,
sétimo mês, do céu virá o grande terror.” Lembrem-se que naquela época não
tinha internet, nem celular, nós vivíamos das notícias da TV, pura e
simplesmente, e quando esse ano foi se aproximando, só se falava disso. Eu
pensava ser muito injusto porque eu ia morrer na flor da idade e não eu não
teria tido tempo suficiente de fazer tudo o que eu gostaria de fazer. Não me
lembro bem dos anos, a ordem cronológica de tudo isso, minha mente é assim, me
desculpem, mas me lembro de ter procurado, a minha vida toda, para uma
explicação para tudo isso, uma explicação que fizesse sentido na minha mente,
quando veio o medo do cometa Halley, em 1986. Alguns diziam que tínhamos de ver
pois só passaria de novo em 75 ou 76 anos depois daquela data. Fiz as contas de
novo e vi que não estaria viva para apreciá-lo novamente. Mas algumas teorias
conspiratórias diziam que o cometa poderia se chocar com a Terra e destruir
tudo, antes mesmo do ano 2000. Aí fiquei apavorada. Vi que o tempo era meu
inimigo mesmo, e declarado. O cometa passou e eu fiquei viva.
Procurei nas religiões, em quase todas, e
continuei procurando até a morte do meu pai em 1997. Nem o fim do mundo poderia
ser pior que aquilo. Parei de procurar por um tempo, passei a ser cética. Só
sei que os anos passaram, chegou o ano 2000 e nada de terrível aconteceu, a não
ser a morte do meu futuro sogro, aquele a quem eu tinha adotado como pai, já
que tinha perdido o meu. Então eu comecei a perceber que sobrevivia às dores,
às perdas, pode ser que eu não soubesse lidar com isso da melhor maneira
possível, mas eu sobrevivia!
Depois do meu período cético, continuei minha
busca pela explicação onde tudo faria sentido na minha cabeça. Depois de ter
passado por uma dor muito grande, a de um aborto, cheguei a algumas respostas e
acreditei que poderia estar ali, que na verdade, sempre esteve tão perto de mim
e eu não enxergava. Aí fiquei tranquila. Estava tudo dentro de mim, eu escolhia
pelo que ia passar ou não, bastava escolher, decidir. Mas não era tão fácil
assim, a mente é uma máquina muito bem projetada, graças a Deus! Não bastava
querer, temos que sentir, que acreditar. E não é tão fácil de se acreditar
quando se tem mais de 30 anos. Vamos nos protegendo de tudo e de todos, que não
deixamos muitas coisas se aproximarem de nós por medo, medo até do amor que
sentimos. Porque vem a dúvida: “será que somos correspondidos? ”. Com os anos,
ficamos desconfiados dos sentimentos que os outros podem ter em relação à nós.
Só sei que cheguei ao amor ao próximo, ao amor por tudo e todas as coisas, amor
pela vida, amor incondicional. Como eu já tinha uma filha, foi fácil
identificar esse amor. Um amor não egoísta, um amor que deseja que todos
estejam bem, saudáveis e prósperos, um amor onde todos possam desfrutar do
melhor que a vida pode oferecer. E que não teria problema se eu não conseguisse
tudo o que queria nessa vida, porque eu era imortal, então isso não importava
mais. Eu teria muitas vidas ainda pela frente para atingir o meu objetivo.
Até que um dia, um amigo me propôs uma
simples brincadeira: “e se a única vida que existir for essa?”, “e se não
tivermos outra chance?”, “e se não formos imortais e nem tão importantes assim,
para Deus ou para o Universo?”, “se formos apenas mais uma forma de vida dentre
várias outras?” . E essa brincadeira me fez enxergar que tudo isso tem sim um
sentido, o de nos proteger da imensa dor que sentimos, quando por exemplo,
perdemos um filho. Essa crença serve sim para acalmar nossa ansiedade, afastar
um pouco a tristeza, a continuar a levantar da cama todos os dias, acreditar
que amanhã ou algum dia, poderemos reencontrar essa pessoa tão amada e que nos
deixou tão cedo, para continuarmos essa vida que não tem sentido sem ela. Sim,
para essas pessoas vale muito à pena, e acredito até que, se não fosse essa
crença, elas já teriam sucumbido à dor da perda. Mas chego a conclusão, aos 38
anos de idade, que vale mais à pena acreditar que só temos essa vida e mais
nada, só temos o agora, só temos esse instante para fazer tudo valer a pena ter
sido vivido. E se por acaso você for uma dessas pessoas que, como eu, tentou
ver tudo isso através das cartas de uma cartomante, meu conselho é: “se você
vir o futuro, este não mais existirá.” Se você o viu, ele deixará de ser
futuro, e será apenas algo que você quer que aconteça (ou não). Por esse
motivo, o conselho mais sábio que me cabe aqui nesse espaço é: não se preocupe,
a maior parte das coisas com que nos preocupamos, jamais acontece.
Levante-se da cama e agradeça por ter aberto
seus olhos, por ter tido uma cama confortável onde dormir, por ter comida em
sua mesa, por ter roupas para vestir, por ter animais de estimação que valem
uma companhia incrível, por ter quem se preocupe com você, por enxergar, por
ter braços e pernas, por ter seus movimentos, por respirar, por ter quem te
ame, por ter quem te visite no hospital, por ter amigos com quem desabafar, por
poder olhar de perto a morte e conseguir se esconder dela, agradeça por estar
vivo, agradeça inclusive se estiver sentindo dor, um bom sinal de que você está
realmente vivo.
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