segunda-feira, 30 de novembro de 2015

CAPÍTULO DO LIVRO A INVEJA NOSSA DE CADA DIA – COMO LIDAR COM ELA – DE AUTORIA DE JOACI GÓES

Livro: ensaio
                                                                                                                                                  


A INVEJA DE NICOLAS FOUQUET
(1615 – 1680) 

“Fouquet, ministros das finanças de Luís XIV, passou os últimos dezenove anos de sua vida, de 1861 1680, lamentando a infeliz iniciativa de dar uma festa de arromba no seu recém-decorado castelo de Vaux, nos arredores de Paris, onde nascera.
De origem aristocrática, Fouquet alcançou precoce  projeção a partir dos treze anos, quando foi nomeado defensor do parlamento. Daí em diante, foi avançando de posto, ocupando diferentes e importantes funções na administração pública até 1650 quando, com o apoio do cardeal Mazarino, passou a ocupar o importante cargo  de procurador geral do parlamento de Paris.
Durante o exílio de Mazarino, responsabilizado pela sedição dos Frondes, ao tempo da regência da rainha Ana da Áustria, por ocasião da menoridade de Luís XIV, Fouquet deu-lhe secreta cobertura, pondo-o ao corrente de tudo que acontecia na cúpula do governo.



Nicolas Fouquet

Quando do retorno de Mazarino, em 1653, Fouquet recebeu, como compensação por sua lealdade, o posto de superintendente das finanças, o que o tornou ainda mais bem situado meio aos ricos da época, ele que já tivera aumentado  sua riqueza em razão do casamento, em 1651, com a rica e nobre Marie de Castille.
A fortuna pessoal e o charme de sua personalidade contribuíam sobremaneira para a elevação do crédito da administração pública. Sua influência era tão destacada que até seu protetor, o cardeal Mazarino, solicitava-lhe liberação de verbas.
Em pouco tempo, Fouquet, cada vez mais rico, já não fazia distinção entre suas contas e as do governo que servia. Como sói acontecer, em casos tais. Fouquet, deixa-se enlear por um sentimento de inefável impunidade. Praticamente, não havia quem estivesse em posição de opor-lhe embaraços ou cobranças que não tivesse sido beneficiário de uma ou mais das facilidades que, a seu exclusivo critério, prodigalizava. O próprio Mazarino, enfermo, encontrava-se envolvido até o pescoço razão pela qual preferia deixar qualquer acerto de contas para a gestão do seu potencial sucessor, Jean-Baptiste Colbert. Fouquet, por seu turno, considerava favas contadas substituir Mazarino, quando, facilmente, poderia imputar-lhe a responsabilidade pela faltas que pudessem vir a ser descobertas. Morto Mazarino, em março de 1661, quem assume o seu lugar é Colbert, que não fazia segredo da antipatia que votava a Fouquet, em razão do seu estilo de vida.
Luís XIV acomodava-se, com desconforto, aos excessos de Fouquet, por levar em conta, talvez, seu prestígio como mecenas da literatura e das artes em geral que descobrira e projetara para o mundo nomes como os arquitetos Le Vau, Le Nôtre, Le Brun e Pierre Puget, este último, como François Anguier, também escultor, além do pintor Nicolas Poussin, e dos geniais Molière e La Fontaine, até quando, a 17 de agosto de 1661, Fouquet ofereceu, no seu novo castelo, um banquete cujo brilho apoteótico fez dele uma das três maiores recepções realizadas em solo francês, em todos os tempos.



Luís XIV

Os convivas, o melhor da nobreza, inteligência, riqueza e aristocracia europeias, à frente Luís XIV – porfiavam em escolher o que mais esplendia: o paisagismo dos jardins, exuberantes de vegetação e beleza? A arquitetura triunfal, os detalhes do rico acabamento, os móveis, as tapeçaria, os quadros, os vitrais? A alexandrina biblioteca de treze mil volumes, ricamente encadernados? Ou a qualidade da música produzida pela diferentes orquestras que se distribuíam nos vários ambientes internos e externos do colossal palácio? E que lugar ocupariam os acepipes, de raro sabor, que compunham o ágape babilônico?
Luís XIV, com apenas 23 anos, mas já há dezoito no poder (isso mesmo, herdou o trono aos cinco anos de idade), a tudo testemunhava iracundo. Pensadores, poetas, pintores, arquitetos, escultores, músicos, príncipes, generais, diplomatas se alternavam nos elogios torrenciais prodigalizados àquele novo Petronius, espicaçando a inveja do rei.
Fouquet, radiante, mal disfarçava a sensação de triunfo ao superar o futuro Rei Sol, como centro das atenções, naquele momento glorioso.. Sim, a vida é bela e vale a pena ser vivida, sobretudo quando se é Nicolas Fouquet, senhor das finanças e do bom gosto, na França e na Europa, nesta segunda metade do século XVIII.
Três semanas depois da grande festa, a 5 de setembro, Luís XIV convida Nicolas Fouquet para acompanha-lo a Nantes, onde, imediatamente após a chegada, ordena sua prisão por desfalcar o Erário.
Ao longo de três anos, Fouquet respondeu, preso, a um processo realizado ao arrepio da lei em vigor. A pressão da opinião pública e de várias personalidades influentes em favor, durante as quais La Fontaine e Madame de Sevigné, conseguiu a mais branda das penas possível diante da inveja irada do rei: a 20 de dezembro de 1664, Fouquet recebeu a pena de banimento e confisco de bens. Inconformado, Luís XIV “comutou “ a pena de banimento pela, muito mais grave, de prisão perpétua. Em começos de 1665, Nicolas Fouquet foi transferido para a fortaleza de Pignerol, onde morreu a 23 de março de 1680.



O cardeal Mazarino

Movido, provavelmente, pelo propósito de fazer esquecer o mecenato de Fouquet, Luís XIV, o Grande Rei Sol, que exprimia sua postura autoritária e ególatra dizendo: l’État c’est moi e suas preocupações com o futuro afirmando: aprés moi,  le deluge, fez da França, ao longo de seu reinado de setenta e dois anos, o grande centro da inteligência mundial do século XVII e começo do XVIII.
Não se discute a suficiência dos motivos que justificaram a prisão de Fouquet. O que se quer evidenciar é que o envolvimento pessoal do rei, agindo fora de sua conduta habitual, nunca teria ocorrido não fosse a inveja que transbordou do coração do monarca, naquela festa que se transformou para Fouquet em pesadelo de uma noite de verão. Para sempre (U. V. Châtelain, Le Superintendant Nicolas Fouquet, 1905).”

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