Crime ecológico
O Estado mostrou incapacidade
de proteger a população no desastre de Mariana
FRANCISCO CÂMPERA é
jornalita
nascido
em Belo Horonte – Minas gerais
O Rio
Doce no dia 12 de novembro, depois do desastre em Mariana. / RICARDO MORAES (REUTERS)
Em seguida
foram criadas várias vilas, dentre elas surgiram as famosas cidades
históricas Ouro Preto e Mariana, locais onde estavam as barragens. A cobiça pelo ouro gerou uma disputa
feroz pelo controle das minas entre os descobridores Bandeirantes paulistas e
os portugueses. Os paulistas se renderam e entregaram as armas, mas mesmo assim
foram cruelmente assassinados.
Em pouco
tempo Portugal enriqueceu mais do que nunca, mas para se proteger dos inimigos
teve que fazer aliança com a poderosa Inglaterra. Enquanto Portugal gastava
como se não houvesse amanhã, a Inglaterra realizava a Revolução Industrial
financiada com o nosso ouro. Nesse período aconteceu a Inconfidência Mineira, o
primeiro grande movimento pela independência, que lutava contra os pesados
impostos (o quinto do ouro), que acabou com o esquartejamento do nosso herói
maior – Tiradentes.
Séculos
depois, a tragédia social e econômica continua. Uma das sócias da Samarco é uma
empresa inglesa BHP Billiton (Anglo-Australiana), a outra metade pertence à
Vale. Até o dia 13 foram confirmadas sete mortes e 18 pessoas estão
desaparecidas, dentre elas, crianças. O distrito Bento Rodrigues foi engolido
pela lama. Até uma Igreja do século XVIII foi destruída.
Além das
tristes mortes, o desastre ambiental do Rio Doce é incalculável, atingiu
dezenas de cidades de Minas Gerais e do Estado do Espírito Santo. Peixes mortos, invasão do leito
pela lama, contaminação da água...cidades inteiras estão sem água potável e sem
renda, porque muitas viviam do rio.
E o Estado sumiu... Não foi capaz de fazer o seu papel de fiscalizar e
proteger a população. Há muita corrupção nos órgãos de fiscalização no Brasil
ou falta de condições de trabalho. E muitas vezes quando um servidor público
quer fiscalizar uma empresa grande e poderosa, encontra resistência e sofre
perseguição.
Logo após a
tragédia um Secretário de Estado de Minas Gerais, Altamir Rôso, disse que a
Samarco foi vítima do acidente. Veja que inversão de valores, que acinte! Ainda
o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, deu uma coletiva à imprensa na
própria sede da Samarco. A presidente da República, Dilma Rousseff, lamentou a tragédia apenas pelo Twitter e só foi visitar o local uma
semana depois. O Ibama, órgão federal responsável pelo meio ambiente, anunciou
que as multas podem chegar a centenas de milhões, mas sabemos que elas
raramente são pagas, devido a manobras e instâncias para recorrer.
A situação é
a mesma que acontece em grandes tragédias no Brasil, no começo um estardalhaço,
depois o esquecimento e a falta de punição.
Não se viu
qualquer reação dura e indignada de políticos, sejam de direita, esquerda,
governo ou oposição. A maioria recebeu contribuições das mineradoras para as suas campanhas
eleitorais. As empresas economizam na manutenção, mas gastam fortunas com o
perverso lobby político.
Em Minas
Gerais mais de 80% da economia gira em torno da mineração, que paga poucos impostos em
relação ao lucro obtido com a atividade e aos danos ambientais. A MBR acabou
com a Serra do Curral, em Belo Horizonte; a CBMM que explora o nióbio é acusada
de esconder a verdade sobre os danos causados em Araxá; e tantas outras vêm
destruindo a nossa Minas Gerais. Agora ficou escancarado o fracasso do Estado e
a farsa das mineradoras.
Vergonha
Em uma
entrevista à imprensa os dirigentes da Samarco, Ricardo Vescovi; da Vale,
Murilo Ferreira; e da BHP, Andrew Mackenzie, pareciam que eram anjos da guarda
de moradores da região e nobres defensores do meio ambiente, mas não
responderam muitas perguntas e não deixaram claro até onde assumirão as
indenizações. O presidente da Vale teve coragem de dizer que é apenas um
acionista. Os três deveriam implorar perdão e pedir demissão, como acontece em
qualquer país sério. Basta lembrar do recente escândalo na adulteração dos
carros da Volkswagen. O presidente não durou muitos dias. Aqui não, eles se comportam como
se não tivessem nada a ver com o problema.
Não existe
competência no Estado brasileiro, que mais uma vez falhou. A empresa jamais
poderia deixar este desastre ter acontecido, ela assinou um atestado de
incompetência, de descaso e irresponsabilidade. Queremos que as empresas
admitam o erro e paguem caro para tentar compensar o estrago humano, ambiental
e material.
Os valores
no Brasil estão completamente invertidos, não podemos achar normal o que está
acontecendo. Não podemos aceitar isso passivamente. O brasileiro vem reagindo
diante de tantos desmandos dos governos, mas também deve lutar contra empresas
que não cumprem o seu dever com a sociedade.
Passado e
futuro se encontram novamente pela mineração, com as mesmas práticas de
corrupção, manipulação, mentira, injustiça e mortes. Enquanto as mineradoras
pagam uma mixaria de impostos, frente aos astronômicos lucros e danos
ambientais, o governo impõe novos impostos à população. Quem sabe a partir de
agora diante desse infame acidente bem no coração da Inconfidência Mineira os
brasileiros promovam mais um movimento para mudar o país para melhor.
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