quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES E O AVANÇO DO TERRORISMO



Colaboração de Fernando Alcoforado*

O ataque terrorista ocorrido em Paris no dia 13 de novembro próximo passado cuja responsabilidade foi assumida pelo Estado Islâmico (EI ou ISIS) parece confirmar a previsão de Samuel Huntington, exposta no livro Choque de Civilizações (HUNTINGTON, Samuel. O Choque de Civilizações. Objetiva, 1997). Segundo a teoria proposta por Huntington, havia o iminente risco de um choque entre as oito civilizações, classificadas como Ocidental, Islâmica, Budista Confuciana, Africana, Xintoísta Nipônica, Eslavo-Ortodoxa, Hindu e Latino-Americana, e tal conflito se daria no período pós-Guerra Fria. O conflito entre essas culturas tão distintas seria inevitável por conta das diferenças entre essas civilizações, principalmente no que diz respeitos aos valores particulares de cada uma. Huntington aponta uma divergência particularmente profunda entre as civilizações Ocidental e Islâmica. 

É nesse contexto que se insere o Estado Islâmico que nasceu como uma derivação da Al-Qaeda, fundamentado nos mesmos princípios desta organização. Contudo, as ações do Estado Islâmico ficaram gradativamente mais radicais, até mesmo para os padrões da Al-Qaeda, o que provocou a separação entre estas duas organizações terroristas. Os objetivos do Estado Islâmico é expandir o seu califado por todo o Oriente Médio, que se pautaria pela Sharia, a Lei Islâmica interpretada a partir do Alcorão, e estabelecer conexões na Europa e outras regiões do mundo, com o propósito de realizar atentados que lhes possam conferir autoridade através do terror. A concepção de Jihad, ou Guerra Santa para o Islã, que o Estado Islâmico possui é a mesma de outras organizações terroristas, como a Al-Qaeda ou o Hamas: expandir o modelo teocrático radical islâmico de governo pelo mundo, por meio dos métodos terroristas. O avanço do Estado Islâmico com a formação de um califado em uma região que compreende territórios do Iraque e da Síria trouxeram de volta as preocupações do mundo ocidental com o fantasma do radicalismo islâmico e, de quebra, ressuscitou as advertências do teórico das Relações Internacionais, Samuel Huntington, sobre o choque de Civilizações. O Estado Islâmico não é apenas um grupo terrorista, mas um projeto de Estado com armas sofisticadas, com uma ideologia totalitária e recursos abundantes obtidos por meio de financiamento externo, o que lhe permite continuar sua ofensiva e lançar as bases de seu califado. O Estado Islâmico é financiado pela principal matéria-prima do Iraque: o petróleo. Mas o petróleo não é a única fonte de recursos para o Estado Islâmico. Na Síria, o Estado Islâmico está instalando um sistema de impostos em áreas conquistadas ao mesmo tempo em que promovem atividades ilegais como roubo de reservas de dinheiro de bancos locais, contrabando de carros e armas, sequestros e bloqueios de estradas. O apoio da Arábia Saudita e dos países do Golfo aos sunitas para combater xiitas e seus aliados está na raiz do sucesso econômico do Estado Islâmico. Esses países já teriam canalizado centenas de milhões de dólares para o Estado Islâmico. O califado desejado pelo Estado Islâmico mostra um território que não se limita ao mundo árabe: ele vai até o Mediterrâneo, englobando Roma, o centro do cristianismo e provavelmente o resto do mundo. E não para por ai: Abu Bakr al-Bagdadi, o recém-aclamado “califa” apareceu pela primeira vez em publico conclamando os militantes a prestarem lealdade e total obediência na luta contra o lixo ocidental, seus pecados e as democracias. O recémaclamado “califa” disse que “se Deus quiser, vamos tomar Roma e o mundo inteiro”. A 2 prova que alguns analistas liberais e idealistas queriam de que o choque envolve a diferença de valores das civilizações está aí. As pretensões do Estado Islâmico reforçam a tese de Huntington. A principal razão que explica a restauração do califado na região Síria/Iraque pelo Estado Islâmico resulta de dois erros estratégicos cometidos pelos Estados Unidos. O primeiro, pelo governo Bush, quando invadiu o Iraque, com os efeitos que se conhecem, e o segundo, cometido pelo governo Obama, ao promover uma insurreição contra o regime sírio, mas sem dar o apoio militar que os insurgentes requeriam fato este que permitiu a ascensão do Estado Islâmico na contestação do regime de Bashar El-Assad e a conquista do território por ele controlado. Os êxitos que o Estado Islâmico tem tido são de tal envergadura e projeção, que muitos integrantes da Al Qaeda que combatiam no Norte de África, no Iémen e em outras regiões, passaram a engrossar as suas fileiras, a que também se têm juntado numerosos muçulmanos europeus e norte-americanos. É preciso observar que o surgimento do Estado Islâmico é a consequência natural da escalada do terrorismo de Estado praticado pelo governo dos Estados Unidos no Oriente Médio. O cenário em que vivemos atualmente no planeta configura o que Thomas Hobbes denominou de estado de natureza ou estado de guerra de todos contra todos (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Editora Martin Claret, 2014). Cabe observar que, segundo Hobbes, no “estado de natureza”, reina a ausência do Direito, logo não há espaço para a justiça. Neste contexto, todos procuram defender seus direitos por meio da força. No “estado de natureza”, portanto, como concebera Hobbes, reina a guerra de todos contra todos. O estado de natureza é, portanto, o estado da liberdade sem lei externa, isto é, ninguém pode estar obrigado a respeitar os direitos alheios tampouco pode estar seguro de que os outros respeitarão os seus e muito menos pode estar protegido contra os atos de violência dos demais. Esta é a situação que prevalece nas relações internacionais atuais. Segundo Pascal Boniface (BONIFACE, Pascal. Vers La 4e. Guerre Mondiale. Armand Colin, 2009), na luta contra o terrorismo, são tratados os efeitos, mas não são atacadas as causas reais do problema. Isto não significa dizer que não haja necessidade de ter uma componente militar e judicial na luta contra o terrorismo. Um fato é indiscutível: obter proteção completa contra o terrorismo é impossível, porque locais oficiais podem ser protegidos, mas há sempre, escolas, hospitais, teatros, que são possíveis alvos, como ocorreu em Paris recentemente. Não é possível controlar, por exemplo, todas as aeronaves, todos os trens, os metrôs. Cabe observar que o terrorismo é utilizado por organizações como um meio para alcançar um fim. O terrorismo difere da guerrilha quanto aos alvos a atingir em suas ações. Enquanto a guerrilha escolhe alvos militares, as forças do adversário, sua logística, os depósitos de munições, o terrorismo procura atingir alvos civis e militares indiscriminadamente. O terrorismo não busca o ataque seletivo, mas sim o ataque em massa. Um movimento terrorista pode, em função da correlação de forças, utilizar simultaneamente ou separadamente terrorismo, guerrilha e operações militares clássicas desde que disponha da capacidade suficiente. Este é o caso do denominado Estado Islâmico que surgiu recentemente no Oriente Médio. Um fato que é preciso considerar é o de que há uma imperiosa necessidade da constituição de uma frente mundial visando o aniquilamento do Estado Islâmico, nos mesmos termos em que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial com a constituição de uma frente democrática antifascista sem 3 a qual o terrorismo como o que se abateu sobre Paris e em outras partes do mundo tenderá a se proliferar. É indiscutivel que estamos vivenciando atualmente a crise terminal da civilização capitalista associada ao choque entre as civilizações ocidental e islâmica. A situação atual do planeta é dramática. A humanidade se sente esmagada pelas grandes potências mundiais a serviço dos grupos monopolistas que comandam suas economias e que tudo fazem em defesa de seus interesses, desrespeitando leis, culturas, tradições e religiões. Invasões em países periféricos, de forma aberta ou sub-reptícia, com argumentos fracos ante pelo pode r mundial mesmo que para isso tenham que desrespeitar leis internas e tratados internacionais. Que fim terá nosso mundo, nossas vidas, se o mundo de hoje virou um caos ingovernável no qual os seres humanos só pensam em poder e riqueza? Pode o homem ser chamado de ser mais inteligente da Terra? Um ser inteligente pregaria a guerra e colocaria em risco seu futuro e dos seus descendentes? É o que fazem hoje com nosso mundo, destroem por dinheiro, matam por riqueza e poder, as vidas já não valem mais nada, nada mais tem valor, tudo isso por poder e riqueza! Enquanto prevalecer esta situação no mundo o terrorismo tende a proliferar em todos os quadrantes da Terra.

* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015)


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