Conferência do clima da ONU
(A presidente não tem jeito. Continua a arranhar a
verdade até no exterior)
Luiza BandeiraEnviada especial da BBC
Brasil a Paris
Sob
o impacto de duas más notícias na área ambiental, o desastre de Mariana (MG) e
o aumento nos índices de desmatamento, a presidente Dilma Rousseff fez na
Conferência do Clima da ONU um discurso correto – mas generalista e até um
pouco acanhado, na avaliação de especialistas.
"A
ação irresponsável de uma empresa provocou recentemente o maior desastre
ambiental da história do Brasil, na grande bacia hidrográfica do rio Doce.
Estamos reagindo ao desastre com medidas de redução de danos, apoio às
populações atingidas, prevenção de novas ocorrências e também punindo
severamente os responsáveis por essa tragédia", disse a presidente na
COP21, que a partir desta segunda reúne 150 chefes de Estado em Paris.
No
discurso, Dilma também citou o avanço no combate ao desmatamento no Brasil, mas
não mencionou os dados divulgados na última sexta-feira – que mostraram
justamente um aumento nos índices.
"É uma postura acanhada, quase
constrangida, que fala do desastre de Mariana e fala de combate ao desmatamento
quando os dados recentes mostram ampliação", diz Adriana Ramos, do ISA
(Instituto Socioambiental).
Mas
também houve acertos, dizem os ambientalistas. Entre eles, o pedido para que o
acordo global do clima, a ser firmado no evento, tenha força de lei – Dilma fez
a defesa de um documento "legalmente vinculante", quer dizer, de
cumprimento obrigatório, com revisão a cada cinco anos.
Confira
cinco pontos do discurso da presidente brasileira em que vale a pena prestar
atenção:
1) Desmatamento
"As
taxas de desmatamento na Amazônia caíram cerca de 80% na última década",
disse Dilma em Paris.
Isso
é verdade, mas a presidente não mencionou que, entre 2014 e 2015, houve um
aumento de 16% no índice – a área desmatada corresponde a cinco vezes à da
cidade de São Paulo.
"O Brasil não consegue mais falar de
algo que vai fazer de bom, fica só evidenciando o que aconteceu nos últimos dez
anos. A previsão para os próximos 15 anos, que é o período de que trata o
plano, não traz nada de bom para a área florestal. A lei é fraca, permite muito
desmatamento", afirma Marcio Astrini, do Greenpeace Brasil.
O
plano apresentado pelo país para colaborar com a mudança no ritmo do
aquecimento global promete acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até
2030, o que Astrini e outros especialistas criticam. Para eles, se há práticas
ilegais, já é uma obrigação do governo combatê-las.
"Ela
nem deveria falar de desmatamento ilegal, ainda mais só em 2030. O Brasil tem
condições de fazer isso muito mais rapidamente", avalia Paulo Barreto, do
Imazon.
2) Energia
"Todas
as fontes de energias renováveis terão sua participação em nossa matriz
energética ampliada, até alcançar, em 2030, 45%", afirmou Dilma, falando sobre
o plano apresentado pelo Brasil.
Mas,
para os ambientalistas, a fala não condiz com a realidade.
"Não acontece na prática, 70% dos
investimentos do plano decenal (para dez anos) de energia do Brasil são para
combustíveis fósseis. Pelo plano, a gente chega em 2030 com participação de
energias renováveis muito parecida com o que temos hoje", diz Astrini.
"Não
tem nenhuma grande revolução, isso segue a tendência atual", completa
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
3) Acordo, revisão e metas
A
presidente Dilma pediu que o acordo de Paris seja legalmente vinculante, ou
seja, que tenha força de lei.
Além
disso, defendeu uma "revisão quinquenal" nos planos dos países e
destacou que o brasileiro fala em termos absolutos.
"Nunca
ouvi isso (legalmente vinculante) tão explicitamente na boca da presidente. É
muito importante falar isso aqui. E pedir a revisão a cada cinco anos
também", diz Astrini, do Greenpeace.
A
questão da obrigatoriedade do acordo encontra resistência nos Estados Unidos,
já que um tratado teria de ser aprovado pelo Senado norte-americano, de maioria
republicana (oposição ao governo do democrata Barack Obama).
Já
a revisão das metas a cada cinco anos é importante porque, até o momento, os
planos nacionais não conseguem limitar o aquecimento global a 2°C acima dos
níveis pré-industriais. A expectativa é que, com essas revisões, surjam metas
mais ambiciosas e esse problema seja corrigido.
"Ela
também fez um chamado para que países entreguem metas absolutas, não vinculadas
ao crescimento de PIB ou outros fatores econômicos, como está no plano do
Brasil", completou Astrini.
4) Redd+
Durante
o discurso, Dilma também falou sobre o Redd+, mecanismo que permite a
remuneração daqueles que combatem o desmatamento.
"Nossos
esforços de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia ganham agora um novo
patamar de ação com a adoção da estratégia nacional da Redd+. O Brasil já
preenche todos os mecanismos da convenção do clima para tornar-se beneficiário
desse mecanismo", disse Dilma.
Mas os ambientalistas dizem que a
estratégia não está pronta.
"O governo publicou na sexta-feira a
criação de uma comissão para analisar isso", diz Adriana, do ISA.
"Esta
estratégia, em discussão há mais de cinco anos em Brasília, existe apenas nas
intenções do governo. Ainda nem sequer foi colocada em consulta pública",
complementa Rittl.
5) Responsabilidade
A
presidente afirmou em sua fala que o plano do Brasil tem como meta reduzir as
emissões em 43% no período entre 2005 e 2030.
"Ela
é, sem dúvida, muito ambiciosa e vai além da nossa responsabilidade pelo
aumento da temperatura média global", afirmou Dilma.
Mas, para Rittl, isso não é verdade. Ele
diz que, apesar de o Brasil ter uma meta ambiciosa em relação a outras economias
em desenvolvimento, nem o país nem nenhum outro está fazendo o suficiente.
"Se todo mundo fizesse um esforço
proporcional ao do Brasil, o aquecimento ainda ficaria acima de 2ºC. Pensar
assim é péssimo para o resultado da negociação, os países não podem achar que
estão fazendo o suficiente se a meta não foi atingida", diz Rittl.
6) Medidas de implementação
No
discurso, Dilma citou também a forma como as medidas para impedir o aumento da
temperatura global serão implementadas.
Trata-se
de um grande tema das discussões sobre clima: os países em desenvolvimento
lutam para que os desenvolvidos – que já poluíram muito para chegar onde estão
agora – ajudem a financiá-los na transição para uma economia menos poluente,
para evitar que isso prejudique seu avanço.
"Os
meios de implementação do novo acordo, financiamento, transferência de
tecnologia e capacitação devem assegurar que todos os países tenham as
condições necessárias para alcançar o objetivo", disse a presidente.
Essas
formas de implementação, segundo Astrini, devem ser uma questão-chave da
conferência, já que o que está em jogo não são as metas – pois cada país já
apresentou as suas, voluntariamente.
"Significa que o Brasil vai se
juntar fortemente a países como China e Índia para que eles cobrem dos
desenvolvidos colocar mais dinheiro na mesa", diz o especialista.
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