sábado, 23 de janeiro de 2016

DÍVIDA PÚBLICA: EXISTE SOLUÇÃO?

Brasil/economia, finanças


Por Raymundo Pinto
É desembargador aposentado,  escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.




Há pouco tempo (dia 13), foi publicado aqui na Tribuna um artigo de minha autoria intitulado “Dívida pública: assunto proibido”, em que, após alinhar breves dados da vexatória situação econômica do país, procurei demonstrar que a dívida pública encontra-se entre os fatores que têm contribuído para o agravamento dos índices conhecidos, embora haja outros não menos importantes. Em síntese, citei que o volume total já ultrapassa a estratosférica cifra de três trilhões e que a soma das obrigações mensais, no ano, com juros e amortizações, chega a cerca de quinhentos bilhões, quantia que equivale a mais de vinte vezes o que é gasto com o bolsa família, além de estar acima dos orçamentos anuais de vários ministérios, incluindo os da educação e da saúde. O espaço do anterior trabalho não foi suficiente para fornecer outras informações ligadas ao tema. Sei ainda que existe a curiosidade de saber se o gritante problema teria alguma solução. Vou tentar, a seguir, sanar essas omissões.  

Vale recordar que o PT ficou escandalizado quando a dívida alcançou seiscentos bilhões no final do governo de FHC (2002). Os opositores de então bradavam que era necessária uma séria auditoria no setor. Depois de assumirem o poder, petistas e aliados passaram a manter comprometedor silêncio. Também para eles, o assunto tornou-se proibido...

Nas pesquisas que realizei a fim de colher dados para este e o artigo anterior, tive a grata surpresa de me deparar com um material bastante interessante. Na edição de 9/6/15, a revista CartaCapital publicou uma entrevista com uma auditora aposentada da Receita Federal chamada Maria Lucia Fattorelli, sob o título “A dívida pública é um mega esquema de corrupção institucionalizado” (disponível no Google). Trata-se de uma pessoa bem conhecedora do tema e até com experiência internacional. A introdução da matéria informa que ela, ao lado de 30 especialistas estrangeiros, foi a única brasileira convidada pelo partido “Syriza”, no ano passado, para compor um Comitê a fim de analisar como a dívida grega provocava desvio de recursos públicos para o mercado financeiro. Antes disso, em 2007, participou de um grupo de economistas e outros experts, a convite do presidente do Equador, Rafael Correa, para ajudar na identificação e comprovação de diversas ilegalidades na dívida daquele país. No Brasil, Maria Lucia é fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida”.

A leitura da extensa entrevista da ilustre compatriota nos traz revelações que estarrecem e revoltam. Como se sabe, a origem da dívida pública está na venda, pelo Banco Central, dos títulos que são lançados pelo Tesouro Nacional. Nós pobres mortais pensamos que qualquer cidadão poderia adquirir diretamente esses títulos. Ledo engano. A auditora esclarece que somente 12 (doze) instituições financeiras credenciadas participam dos leilões, havendo mudanças periódicas. É claro que apenas os maiores bancos do mundo (Citibank, HSBC, etc.) figuram entre os privilegiados, que são denominados pelo termo inglês “dealers”. Se um indivíduo ou empresa deseja entrar no rentável negócio terá de ser por intermédio de um dos bancos lealers, que, obviamente, usufruem gordas comissões para tanto. Os juros são calculados com base na taxa mínima fixada pelo Banco Central (denominada “Selic”), que foi mantida em 14,25% quarta-feira passada (dia 20). É um dos maiores percentuais do mundo, o que gera exagerados e indecentes lucros aos credores.

A entrevistada faz ainda uma grave denúncia que merece destaque. Ela esclarece que o chamado superávit primário corresponde à diferença ou sobra de recursos depois de computados todos os gastos do Governo Federal. Esse valor encontrado destina-se exclusivamente ao pagamento dos juros e possíveis amortizações da dívida pública. Acontece que, diante dos absurdos juros pagos, o superávit NUNCA é suficiente para quitar o total dos débitos. Então, o país contrai novas dívidas para cobrir o “buraco” e, como quase sempre nada amortiza, termina por pagar juros sobre juros (anatocismo, em linguagem técnica). Maria Lucia sustenta que isso é um escândalo, pois considerada conduta inconstitucional. Não cita o artigo da Constituição. Consultando-a, verifica-se que o art. 167, III, proíbe “a realização de operações de crédito que excedam o montante do capital...”, salvo uma rigorosa exceção. Se continuar esse procedimento ilegal, preconiza a auditora que “O problema vai explodir a qualquer momento”. Ela se refere a outros desmandos, mas o espaço aqui é pequeno para mencioná-los na totalidade.

A auditoria efetuada no Equador, referida no início deste artigo, da qual participou a nossa patrícia, conseguiu reduzir a dívida pública do indicado país – acreditem! – em 70%. Por que não fazer isso no Brasil? Solução, portanto, existe. Uma CPI que certa vez foi criada para investigar o assunto sofreu clara sabotagem e nada concluiu. Urge que os políticos e a opinião pública retornem a enfrentar o desafio. Chega de tanta ilegalidade e de tanta roubalheira!
   

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