Publicado por Mariana Silveira
“Aqui se reúnem escritos que buscam transparecer uma flanerie ativa existente na cidade e nos labirintos ocultos dos seres. Arte em todo o seu aspecto para ser experimentada e vivida intensamente. Literatura que escreve e reescreve as histórias dos aedos do abismo. Cinema que sintetiza contos que se cruzam e revelam-se como grandes surras ao estado psíquico do ser contemporâneo. Filosofia dos homens que contemplam o crepúsculo de um presente tardio.”
O artista paulistano é responsável por um dos primeiros happenings no Brasil, realizado no extinto João, além de ensinar em seu ateliê̂. Seu legado permeia toda uma estética de Sebastião Bar, e também criou inúmeros trabalhos de gravura, ilustração e publicidade vanguarda, sendo artista de excentricidade ímpar.
Foto: João Musa
No dia 23 de outubro de 1963, a Vila Buarque, simpático bairro próximo ao centro de São Paulo, ficou abalada. Wesley Duke Lee (1931-2010), recém chegado da Europa, realizou uma mostra bem ousada que resultou em caso de policia. Tratava-se de um happening (basicamente uma forma de arte em que o visual e o teatral acontecem com a participação do público, não podendo ser reproduzido, pois a ação ocorre em tempo e espaço únicos) em que as pessoas entravam no ambiente portando lanternas e viam os quadros um por um, uma vez que o bar era muito escuro.
Os quadros expostos em questão fazem parte da série intitulada Ligas, em que o nu feminino é celebrado, porém tachado de altamente obsceno. Pelo fato de os quadros terem sido rechaçados de algumas galerias de arte, o happening foi a ideia que melhor saciou a vontade de Duke Lee de expor suas obras. Cacilda Teixeira da Costa, grande estudiosa do artista, afirma que ele queria criar uma situação dramática que fosse levada à catarse, pois neste acontecimento também havia cinema, música, dança e tiros de espingardas de brinquedo. Com este cenário, em plenos anos 60, não foi muito difícil alguém chamar guardas para que acabassem com o evento.
Os tiros da espingarda de brinquedo lembram aquilo que André Breton anunciou no Segundo Manifesto do Surrealismo: “O mais simples ato surrealista consiste em ir para a rua, empunhando revolveres, e atirar ao acaso, até não poder mais, na multidão. Quem não teve, ao menos uma vez, vontade de assim acabar com o sisteminha de aviltamento e cretinização em vigor, tem seu lugar marcado nessa multidão, barriga à altura do cano da arma. A legitimação de um tal ato, a meu ver, não é de modo nenhum incompatível com a crença nesse clarão que o surrealismo busca revelar no fundo de nós. Quis somente incluir aqui o desespero humano, aquém do qual nada poderia justificar essa crença.”.
Foto: Otto Stupakoff
Devido a tais influencias, Duke Lee formou o grupo de realismo magico junto com o critico Pedro Manoel Gismondi, a pintora Maria Cecília Gismondi, o fotografo Otto Stupakoff e o escritor Carlos Saldanha. Thomas Souto Correia era grande amigo do artista neste período e foi o responsável por apresentá-lo a uma futura parceira artística, no caso com o poeta surreal-xamã-beatnik-exu-paulista Roberto Piva, autor de Paranoia, livro composto por 19 poemas que foram concebidos através de um método paranoico-crítico desenvolvido por Salvador Dali. Duke Lee havia lido Paranoia e manifestou a vontade de ilustrar o livro com fotografias. Passou cerca de 7 meses fotografando a cidade e desta junção pode-se ter, em uma só obra, uma São Paulo verbal e visual.
Na abertura da Rex Gallery em 1966 a qual montou junto aos artistas Nelson Leirner, Geraldo Barros, Frederico Nasser, Carlos Fajardo e José Rezende, transformou o espaço numa grande balada para que todos pudessem se expressar de alguma maneira, mesmo que fosse através da dança. A festa de abertura da galeria pode ter sido um meio de expressar crítica à ditadura que começou a assolar o país nos anos 60, embora Teixeira da Costa afirma que o artista sempre manteve atitude politica independente, ressaltando que a obra de arte deveria surgir da alma. Seu trabalho figurativo foi de encontro ao abstracionismo difundido na época. Para tanto, em vídeo de uma serie americana intitulada “The creative person”, Wesley é ressaltado pela qualidade de suas pinturas e a de seus alunos, sendo produto de exportação tão forte quanto a Bossa Nova e o café́.
Nos anos 70 e 80 realiza diversas experimentações com instalações, colagens e vídeos. Nos anos 90 participa da Bienal de Veneza. Continuou produzindo até onde conseguiu, pois teve Alzeimer e partiu em 2010. Mesmo doente, preocupava-se com o destino de suas obras. Esta sua preocupação transformou-se em sorte para os paulistanos, pois no dia 14 de dezembro de 2015 São Paulo ganhou um novo instituto que leva seu nome, casa aconchegante que reúne acervo e espaço de pesquisa.
Duke Lee merece ser melhor reconhecido e estudado como artista brasileiro não somente pelo fato de ter realizado o primeiro happening no pais, mas por ter explorado inúmeros materiais e técnicas que vão do medieval ao xerox, por ter criado uma mitologia própria evidenciada em suas obras e por ter difundido a pintura figurativa no mapa internacional das artes. Foi uma grande figura admirável, extravagente e que buscava sempre conciliar a diversão entre amigos e o trabalho artístico.
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