Raymundo Pinto
É desembargador aposentado, é escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras
Ainda repercute a divulgação em jornais de grande circulação de uma Carta Aberta assinada por famosos advogados e outros nem tanto, alinhando uma série de ataques à condução da chamada Operação Lava Jato. São numerosas as queixas, mas é possível, em resumo, afirmar que se insurgem contra o que classificam como desrespeito a certos direitos e garantias fundamentais, além da inobservância das regras mínimas de um justo processo. As denúncias, a princípio, parecem bastante sérias, porém é preciso considerá-las sob um contexto que o público leigo em Direito tende a não perceber.
Surgiram incontáveis opiniões contra e a favor daqueles profissionais, bem como defensores e detratores dos que comandam os processos judiciais que ora figuram, com destaque, nas manchetes da imprensa. Como sempre acontece, torna-se inevitável o envolvimento emocional das pessoas que se manifestam. Acrescente-se que muitos não conseguem se libertar de seus preconceitos de ordem ideológica. Esforçando-me para ser isento, procurarei, nas linhas a seguir, tentar explicar, em breve análise, as possíveis razões que justificam tantos posicionamentos conflitantes.
Vale recordar que o Brasil ficou conhecido por séculos como o país da impunidade. Achava-se até natural que aqui, no geral, somente eram aprisionados pobres, pretos e prostitutas. Por ter muito dinheiro e poder contratar bons advogados, os ricos quase sempre se livravam de condenação pela prática de qualquer crime. Devemos, de logo, comemorar que a situação tem mudado a olhos vistos nos últimos tempos. Causou impacto quando um magistrado (aquele apelidado “Lalau”) foi processado e preso. Depois, empresários e políticos foram punidos em decorrência do “mensalão”. Na atualidade, acompanhamos, com vivo interesse, o desdobramento do “petrolão”.
No passado, para ingressar no serviço público, predominava o critério do nepotismo, ou seja, o candidato tinha de ter um “padrinho”, o que facilitava a nomeação ou contratação de incompetentes. A partir da Constituição de 88, passou a ser obrigatório o concurso público. Apesar das burlas a essa exigência, melhorou o nível do pessoal. O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, em especial, ampliaram seus quadros com um contingente jovem de elevado preparo. O juiz paranaense Sérgio Moro, já considerado um herói, é um exemplo de competência, equilíbrio e, sobretudo, coragem. Prevendo o papel que desempenharia nos dias atuais, ele estudou com afinco o movimento “Mãos Limpas”, ocorrido na Itália. Foi lá que ele percebeu a decisiva importância da “colaboração premiada” (entre nós mais conhecida como “delação premiada”). É óbvia a vantagem dessa medida, uma vez que o pagamento de propina se faz com dinheiro vivo em locais secretos ou mediante depósito em contas no exterior, circunstâncias que dificultam a prova.
Aquela colaboração por parte de criminosos foi introduzida na legislação brasileira há pouco tempo (Lei 12.850 de 2013). Por ironia, a sanção se deu pela presidente Dilma. A utilização desse instituto tem obtido claro êxito nos processos dirigidos pelo juiz Moro, o qual – faça-se justiça – conta com a ajuda decisiva de procuradores e delegados federais igualmente competentes. Somente assim, foi possível a prisão de numerosos empresários e políticos antes tidos como intocáveis. Outra lição aprendida com autoridades italianas é a de que a Polícia e o Judiciário, ao lutarem contra o crime organizado, devem ter o maciço apoio da opinião pública.Os advogados que firmaram a tal “Carta” têm certa razão em se surpreender e se indignar diante do novo e inusitado rigor observado nos processos judiciais contra seus clientes. Afirmam que o referido magistrado extrapola de sua competência e comete atos arbitrários, mas, em verdade, pouco mais de 4% dos mais de 300 habeas corpus impetrados obtiveram deferimento nos Tribunais Superiores, o que revela a consistência de suas decisões. Revoltam-se, ainda, acusando a mídia de submeter seus clientes à execração pública, ao divulgarem vazamentos seletivos. Há que se admitir que, por vezes, a imprensa, adepta do sensacionalismo, comete excessos. Contudo, como visto, faz parte da estratégia para condenar os corruptos conseguir o apoio da opinião pública, sendo impossível alcançar esse objetivo sem usar, com intensidade, os meios de comunicação.
Em suma, nós brasileiros conscientes temos de ficar orgulhosos de ver o braço da Justiça alcançar muitos indivíduos até então poderosos e influentes, significando que temos dado passos firmes de uma longa trajetória contra a impunidade. Por outro lado, como estamos numa democracia, assiste pleno direito aos advogados de extravasarem suas queixas. Afinal, ao enfrentar inéditas dificuldades ante um Judiciário renovado, é preciso justificar seus polpudos honorários.
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