terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

MEIA NOITE EM PARIS OU EM QUALQUER OUTRO LUGAR

Literatura: artigo


Publicado por Gisele Bellucci
Gisele Bellucci, paulistana, formada em Publicidade e Propaganda, yogini, escritora e completamente apaixonada por livros e pelas histórias que eles contam.


Gostaria de ser de outra geração. Da geração que olha nos olhos e realmente vê a outra pessoa, que realmente enxerga. E não dessa que apenas “analisa” seu perfil, curte e compartilha.





Sempre gostei de coisas antigas: livros, histórias, músicas, filmes, novelas, e por ai vai. Mesmo quando era mais nova e minha família e amigos achavam estranho eu gostar e conhecer coisas bem mais velhas para a minha idade. Eu, na verdade, nunca me interessei pelo futuro, mas só pelo passado, em como as histórias eram passadas de geração em geração, em como as crenças e os preconceitos mudavam em cada época em que eu percorria.

Como podia existir uma época em que as “mulheres de bem” não deveriam usar calça jeans mas somente saias, como? Como poderia ser difícil escolher com quem gostaria de se casar? Como poderia ser quase proibido se divorciar? Mudar a cor ou o corte de cabelo? Fazer tatuagem? Falar palavrão? Não aceitar as imposições da igreja ou mesmo tentar mudar de religião? Como podíamos ter de aceitar caladas a surra de um marido bêbado ou somente ruim por natureza? Não poder falar o que pensamos e nem mesmo ter direito a voto? Como as mulheres podiam ter passado por tudo isso e muito mais e ainda estarem inteiras para contar suas histórias? Isso me intrigava e eu as admirava. E ainda admiro. Não sou apenas feminista simplesmente pelo fato de acreditar que a vida sempre teve dificuldades para ambos os lados, e quem sabe eu já não tenha sido um homem em alguma outra vida, se isso existir?


Eu não julgava e não julgo, apenas analisava a situação de fora. O que eu faria se tivesse vivido naquela época? Será que eu seria rebelde ou aceitaria tudo de muito bom grado? Impossível descobrir… Mas creio que por esse motivo, gostei tanto do filme “Meia noite em Paris” do Woody Allen, de 2011. Imaginar que em alguma rua de Paris, à meia-noite, passaria um carro que nos levasse a uma belíssima viagem no tempo, para trás e não para frente, diga-se de passagem, para encontrar Ernest Hemingway, Gertrude Stein, F. Scott Fitzgerald, meu Deus, seria chegar a um lugar onde as coisas nasciam, de onde eram criadas, como eram vividas e sentidas, mesmo com toda a repressão natural de sua época!

Época, aliás, onde não existia telefone celular, onde não existia internet, onde as pessoas deveriam conversar olho-no-olho se quisessem se entender. Poderiam também escrever cartas… E isso me lembra que outro dia minha filha não tinha a menor ideia de como usar um envelope, onde era a “frente” e onde era “atrás”, onde se escreve o próprio nome e onde se escreve o destinatário. Parece engraçado, mas ela nunca terá essa experiência: mandar e receber cartas de verdade.


E nós vamos deixando de lado, deixando passar, coisas que foram importantes para uma pessoa, para uma época, para uma geração e até para uma nação toda. Vamos nos esquecendo de como chegamos até aqui, como tudo hoje em dia está mais fácil, como temos mais liberdade, mas devemos lembrar que, com essa modernidade, temos também menos compromisso. Compromisso com a vida, com os relacionamentos, com as histórias. Por uma tela de celular e uma wi-fi esquecemos com quem estamos e achamos melhor tirar foto do prato do que degustá-lo. Achamos muito mais fácil mandar um “whatsapp” do que se levantar e ir falar diretamente com a pessoa. Achamos muito mais bonito e coerente dizermos, através das redes sociais, se estamos felizes ou tristes, e conseguimos fingir bem melhor que está tudo bem com a gente, quando na verdade, não está.

Eu gostaria de ter nascido em uma época onde saberíamos como “consertar” as coisas, e não apenas trocá-las por coisas mais novas. E não, isso não é recalque, não sou uma mulher que foi abandonada pelo marido por uma mulher bem mais jovem, não, eu simplesmente não acreditei que poderia ser consertado e parti para a novidade, que era bem mais fácil de lidar. A novidade não tem história, não tem mágoa nem rancor, a novidade está ali, para ser explorada, até deixar de ser novidade, aí trocamos de novo. Queria ser de uma época onde os filhos obedeciam aos pais, onde só precisávamos falar uma única vez para eles entenderem que aquilo era sério. Hoje, nossos filhos e jovens, tem tanta liberdade, que muitos não acabam chegando à fase adulta. E isso me dá muito medo. Medo de estar errando como mãe, como alguém que indica o caminho, alguém que auxilia a jornada. Mas para me conformar com a minha mediocridade vejo que até no filme a personagem que vive naquela época, que acreditamos ser maravilhosa, prefere viver na “belle époque”.

Conclusão: nunca estamos satisfeitos! Boa sorte em cada um de nós em nossa jornada. Que façamos sempre o melhor que conseguirmos.



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