Mundo: Seminário
jurídico para analisar o impeachment de Dilma
Mamede
Filho
De Lisboa para a BBC Brasil
Seminário é organizado por instituto que tem
entre os fundadores o ministro do STF Gilmar Mendes, responsável pela decisão
que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil
Boa parte das atenções
relativas à crise brasileira estará voltada para Portugal nesta semana. Entre a
terça e a quinta-feira, Lisboa vai receber o IV Seminário Luso-Brasileiro de
Direito, um evento originalmente de âmbito acadêmico, mas que acabou por se
tornar o centro de uma controvérsia política nos dois lados do Atlântico.
O encontro é organizado pelo Instituto Brasiliense
de Direito Público (IDP) ─ que tem entre os seus fundadores o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ─ em parceria com a Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa. O tema não poderia ser mais atual: Constituição e Crise: A Constituição no contexto das crises
política e econômica.
A
polêmica em torno do seminário, no entanto, não diz respeito ao assunto que
será debatido, mas sim aos seus participantes. Algumas das principais
lideranças a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff aceitaram o
convite para palestrar ou discursar, assim como parte da elite política
portuguesa.
Do
lado brasileiro, foram anunciadas as presenças do senador tucano Aécio Neves e
do ex-governador paulista José Serra, também do PSDB, além do vice-presidente
Michel Temer, do PMDB.
Além
disso, foram confirmados os nomes do ministro do STF Dias Toffoli, do
presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz, e do presidente da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Entre os
governistas, somente o senador petista Jorge Viana e o ex-advogado-geral da
União Luiz Inácio Adams foram convidados.
Nos
últimos dias, o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Fiesp, Paulo
Skaf, anunciaram que não viajariam mais à capital portuguesa.
Já
entre as lideranças portuguesas, foram anunciadas as participações do
ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, do ex-vice-primeiro-ministro Paulo
Portas e do recém-empossado presidente da república, Marcelo Rebelo de Sousa,
responsável pelo discurso de encerramento do seminário. Todos ligados à
centro-direita.
Desistência lusa
Comissão Especial da Câmara vai analisar
pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff
Assim
que a lista de participantes começou a circular pela imprensa dos dois países,
setores da situação no Brasil passaram a tratar o encontro como uma 'desculpa'
para que líderes da oposição se reunissem no exterior para debater sobre o
impeachment da presidente Dilma e um possível governo de Temer.
A
data do início do seminário, 29 de março, também foi muito comentada, pois
coincide com o prazo estipulado sobre a decisão do PMDB de seguir ou não na
base governista.
A
polêmica no Brasil repercutiu negativamente em Portugal. Pouco depois, tanto o
presidente Rebelo de Sousa quanto o ex-premiê Passos Coelho indicaram que não
participariam mais do congresso.
A
justificativa oficial em ambos os casos é a de que existe um conflito de
agenda, mas analistas políticos portugueses acreditam que a decisão se deve às
controvérsias sobre a verdadeira finalidade do encontro.
"Não
há dúvidas de que eles desistiram de participar por causa da maneira como o
seminário tem sido tratado pela mídia e o governo brasileiro. Nem o presidente
nem o ex-premiê querem correr o risco de ficar associados a uma iniciativa que
possa ser entendida como um ato político da oposição", afirma à BBC Brasil
o cientista político luso António Costa Pinto.
"O
Brasil passa por um momento muito delicado, e a elite política portuguesa vai
adotar um posicionamento muito pragmático diante do atual cenário",
explica.
Na
opinião de Costa Pinto, uma eventual participação da liderança política
portuguesa teria uma implicação direta nas relações entre Brasil e Portugal.
"A
presença do presidente Marcelo certamente seria encarada pela presidente Dilma
e a situação brasileira como uma ação hostil, e justamente por isso ele
desistiu. Já Passos Coelho planeja ser primeiro-ministro novamente e, por isso,
não tem nenhum interesse em ficar associado a esse encontro", afirmou.
Já
o comentarista político luso José Adelino Maltez entende que a presença no
encontro seria um risco desnecessário para um presidente que tomou posse há
menos de um mês.
"Num
momento de elevada tensão, a presença de Rebelo de Sousa poderia ser vista como
um apoio aos defensores do impeachment, e isso não seria nem um pouco
interessante para ele", explica à BBC Brasil o professor da Universidade
Técnica de Lisboa.
Manifestação pró-Dilma
Aécio Neves (PSDB-MG) foi um dos convidados a palestrar no evento
Ainda
assim, brasileiros que vivem em Portugal prometem realizar um ato de apoio a
Dilma Rousseff em frente à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sede
do seminário. O protesto está marcado para começar às 9h (5h de Brasília) de
terça-feira, pouco antes do início das palestras.
Ouvidos
pela BBC Brasil, os manifestantes afirmaram que o ato tem como objetivo
aproveitar a presença de José Serra e Aécio Neves para "exigir a
normalidade democrática contra um golpe travestido de impeachment" no
Brasil.
A
mobilização do grupo está sendo feita por meio das redes sociais, e centenas de
brasileiros anunciaram a intenção de participar.
Nas
últimas semanas, grupos favoráveis e contrários ao impeachment da presidente
realizaram protestos na capital portuguesa. Ambos os casos despertaram um forte
interesse da imprensa local.
Repercussão na mídia
Recém-empossado presidente de Portugal,
Marcelo Rebelo de Sousa cancelou participação em seminário
Tanto
o anúncio do seminário como suas implicações políticas têm repercutido nos
últimos dias nos meios de comunicação portugueses. Emissoras de TV, rádios e
jornais locais foram os primeiros a questionar a presença de autoridades do
país europeu em um ato tratado no Brasil como político e não acadêmico.
"O
Brasil é um parceiro estratégico e importantíssimo para Portugal, então
naturalmente já gera muito interesse na imprensa local. Quando falamos de uma
situação que pode influir nas relações entre os dois países, esse interesse
aumenta ainda mais", explica Costa Pinto.
Em
Portugal desde a semana passada, o próprio Gilmar Mendes conversou com a mídia
para refutar a ideia de que exista um viés político no seminário.
O
ministro do STF, responsável pela decisão que suspendeu a posse do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Casa Civil argumenta que as
notícias veiculadas nos dois países tratam de uma "falsa polêmica".
Um
dos organizadores do congresso, o professor português Carlos Blanco de Morais,
da Universidade de Lisboa, também veio a público defender o âmbito acadêmico do
encontro.
"Algo
que está sendo organizado há meses não pode, de repente, ser manipulado por uma
questão meramente conjuntural da política brasileira. Isso não passa de uma
coincidência", afirmou, em entrevista à agência de notícias local Lusa.
Para
os analistas locais, no entanto, mesmo que o seminário tenha sido concebido de
maneira estritamente acadêmica, a abordagem política que recebeu nos últimos
dias não pode ser ignorada pelos líderes portugueses.
"Não
acredito que esse encontro tenha sido planejado com outros fins que não os
apresentados por seus organizadores, mas isso não significa que o momento e o
contexto em que ele acontece devam ser ignorados", defende António Costa
Pinto.
"A
situação é delicada, e um movimento em falso pode interferir nas relações entre
Brasil e Portugal. O próprio presidente português já se negou anteriormente a
comentar sobre a crise brasileira e assim deve ser. Esse é o momento de a elite
política lusa observar à distância o que acontece no Brasil", conclui
Adelino Maltez.
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