Mundo
Bethan
BellDa BBC News
Angela Wrightson viveu uma noite de terror
antes de ser morta por duas adolescentes
Aquela
noite parecia não ter nada de especial: começou, na verdade, bem parecida com
várias outras na vida das duas adolescentes britânicas. Mas elas chegariam à manhã
seguinte tendo espancado, durante sete horas, uma mulher vulnerável, que acabou
morrendo.
Então
com 13 e 14 anos, as garotas deram início à sua trágica jornada bebendo sidra,
fumando cigarros furtados e tirando selfies pelas ruas da litorânea cidade industrial
de Hartlepool, na Inglaterra.
Excluindo-se
o fato de que estavam bebendo e usando drogas – a mais velha também fez uso
ilícito de remédios prescritos –, elas não eram muito diferentes das demais
meninas: gostavam bastante de roupas, maquiagem e de estilizar o cabelo, e
prometiam no Facebook amor e amizade eterna a vários amigos.
Bem
mais tarde, quando as duas já eram rés na Justiça, veio à tona uma mensagem
enviada cinco semanas antes daquele fatídico 8 de dezembro de 2014. Nela, a
mais nova se referia à outra como sua “parceira no crime” e proclamava:
“Estaremos juntas para o que der e vier”.
Seria
um prenúncio do que viria depois? Ou trata-se do tipo de coisa que todo mundo –
principalmente adolescentes – escreve?
TV foi utilizada para espancar a vítima (Foto:
Cleveland Police)
Noite de terror
A
vítima, Angela Wrightson, de 39 anos, era uma alcoólatra cuja casa era
conhecida como ponto de encontro de adolescentes, que viam lá um refúgio onde
podiam beber à vontade. As jovens assassinas tinham estado lá outras vezes, e a
suspeita era que a mulher comprava bebidas alcoólicas para elas.
Ninguém
sabe o que exatamente ocorreu naquela noite. Mas ficou comprovado que o crime,
embora não premeditado, não foi reflexo de uma explosão de raiva: a sessão de
espancamento durou horas, houve diversas pausas para beber e fumar e as armas
do ataque foram meticulosamente escolhidas.
Além
disso, elas chegaram a deixar a casa por duas horas para visitar um amigo e, ao
voltar, retomaram o espancamento. O suficiente para afastar qualquer teoria de
defesa baseada na perda de controle.
Wrightson
foi deixada em um sofá embebido em seu sangue, coberta de cacos de vidro e
cercada por móveis e eletrônicos quebrados. Seu corpo tinha centenas de
ferimentos e estava nu da cintura para baixo. As paredes e até o teto tinham
marcas de sangue.
Dada
a brutalidade, algumas das fotos da cena do crime foram consideradas aflitivas
demais para serem mostradas no julgamento. Entre as 14 armas usadas, estavam
uma TV, um pedaço de madeira com parafusos, uma pá e um espelho.
Câmeras mostraram garotas voltando para
continuar o espancamento (Foto: Cleveland Police)
Nos
intervalos, as garotas posaram para selfies compartilhadas com amigos na rede
social Snapchat. Algumas chegavam a mostrar a vítima, parecendo aflita, ao
fundo. Ela não aparece em outras imagens, mas estava lá: é provável que
estivesse seriamente ferida e sangrando no chão enquanto as duas jovens bebiam,
fumavam e dançavam.
No
dia seguinte, contaram a amigos que Wrightson “implorou que parassem” enquanto
elas riam, faziam piadas e tiravam mais selfies.
Para
Elizabeth Yardley, professora de criminologia da Universidade da Cidade de
Birmingham (Reino Unido), esse comportamento sugere que as meninas não se
importavam com as consequências.
“Para
muitos jovens, as redes sociais são palco para uma ‘performance de si mesmos’”,
afirma. “Usam para narrar suas vidas em tempo real. E em geral eles são muito
espertos sobre o que é ou não apropriado para postar – sabem que fotos de atos
ilegais terão consequências”, explica.
“As
ações dessas garotas sugerem que elas não se importavam com as consequências, o
que simplesmente não pensavam nelas.”
Sem sinais
Não
havia nenhum sinal de que a dupla fosse capaz de um crime brutal como esse.
No
julgamento que recentemente sentenciou as duas a uma pena mínima de 15 anos de
prisão, o juiz aconselhou os jurados a ter em mente que a garota mais nova não
tinha nenhum histórico de violência.
E
que a outra, embora já tivesse atacado funcionários de um abrigo, também nunca
havia ferido ou tentado ferir alguém seriamente.
Pá suja de sangue foi encontrada próxima ao corpo (Foto: Cleveland
Police)
Por
motivos diferentes, ambas viviam sob a tutela das autoridades locais, acolhidas
por famílias postiças e recebendo suporte, que incluía centros educacionais
especiais. A mais velha, por exemplo, era atendida por uma equipe de saúde
mental e fazia terapia para aprender a lidar com sua raiva.
As
meninas se conheciam desde pequenas, mas só ficaram muito próximas poucos meses
antes do assassinato. Segundo a mais nova, a outra era “divertida”, “nada
entediante”.
Ela estava interessada em dois garotos e queria
mandar mensagens a eles. A mais velha adorava rap, mas também a banda One
Direction, hit entre adolescentes em geral. A música favorita delas era I Don't Care (“Eu não me importo”, em tradução
livre), da cantora pop britânica Cheryl.
Os
adultos próximos de cada uma não encorajavam a amizade – achavam que a garota
do outro lado era má influência. Não se tratava, porém, de um relacionamento
tão intenso ao ponto de causar estranheza: as duas se referiam a uma gama de
outras meninas como suas melhores amigas.
Em
comum, ambas sumiam às vezes para beber, fumar e ficar até tarde na rua – com
ou sem a companhia da outra.
Nascidas para matar?
Casos
similares lançam uma série de possíveis explicações para um crime como esse,
tais como famílias desestruturadas e doenças mentais.
Crianças
e adolescentes não tendem a matar pelos mesmos motivos que adultos – dinheiro,
amor ou vingança, por exemplo.
Imagens de loja mostram vítima comprando sidra
antes de ser morta (Foto: Cleveland Police)
A especialista Carol Anne Davis, que em seu famoso
livro Children Who Kill(“Crianças que matam”) perfilou
assassinos com idades entre 10 e 17 anos, afirma que muitos desses jovens são
produto de famílias desestruturadas.
“A
maioria das crianças que estudei cresceram em lares profundamente
disfuncionais, com pais que tinham formas brutais de educar, eram viciados ou
fanáticos religiosos.”
No
caso das meninas de Hartlepool, a mais nova fugira de casa aos 12 anos, após
uma série de brigas com a mãe.
A
outra, que tem um QI muito abaixo da média e foi descrita no julgamento por um
cuidador como “a pessoa mais volátil com quem trabalhei”, tem um histórico bem
mais difícil: viveu em uma série de lares postiços e protagonizou múltiplos
episódios de autoflagelo. Horas antes do crime, ouviu de sua mãe biológica que
deveria se matar.
Aos
11 anos, começou a consumir, por meio da mãe, drogas como anfetaminas e sidra
com alto teor alcoólico. Tem cinco irmãs de diferentes pais, das quais três
estão presas – uma delas por atacar a mãe e romper seu baço com um taco de
golfe.
Desde
crianças, as irmãs foram ensinadas a acreditar que havia um fantasma na casa em
que viviam. Desde a noite do assassinato, ela sofre alucinações que a fazem
acordar gritando e vendo sangue no teto. A jovem tentou se matar algumas vezes
desde a prisão, ouve fantasmas de meninas pequenas e acredita que homens estão
gritando com ela por meio do chuveiro e dos vãos de ventilação no teto.
Nesse
sentido, o caso das assassinas de Angela Wrightson tem algo em comum com o dos
três adolescentes que espancaram até a morte um morador de rua de Liverpool,
também na Inglaterra, em 2012, após se desafiarem entre si. Dois deles eram
irmãos integrantes de uma família formada por um preso por homicídio e outro
acusado de crime similar. Sua mãe foi chamada pelo juiz que os julgou de “um
patético e trágico personagem”.
Madeira
com parafusos foi uma das armas do crime (Foto: Cleveland Police)
Quebra-cabeça
No
entanto, um lar difícil, desorganizado ou uma educação abusiva não conseguem
explicar, por si só, por que pessoas tão jovens se tornam assassinas.
Um
exemplo é a morte, em 2014, de uma professora de Leeds, também na Inglaterra. O
responsável foi um aluno de 15 anos que, segundo o promotor, tinha “pais
decentes e responsáveis, que dolorosamente tentavam entender como e por que seu
filho se tornou quem ele era”.
O
garoto não demonstrou nenhum remorso: “Eu não estava chocado (após esfaquear a
vítima). Eu estava feliz. Eu senti orgulho. E ainda sinto”, disse a um
psiquiatra.
Para
a professora Yardley, é possível que algumas crianças cresçam sem qualquer tipo
de consciência.
“Muitos
especialistas citam o que chamam de psicopatia”, explica. “Psicopatia é uma
coleção de marcas e comportamentos negativos – mas psicopatas não são
mentalmente doentes. Eles são emocionalmente vazios e não têm a mesma gama
complexa de emoções que nós.”
Ninguém
sabe o que causa a psicopatia – pode ser o resultado de disfunções no cérebro,
genéticas ou pela falta de interação com adultos empáticos durante os anos
cruciais para sua formação.
Morte de Angela Wrightson chocou cidade inglesa
Brian
Masters, que escreveu biografias de alguns assassinos em série, assinala que há
muitos pais se comportando muito mal sem que, por isso, seus filhos se tornem
assassinos.
Ele
acredita que uma combinação de fatores faz de alguém uma pessoa que pode matar:
“Se essas três coisas estão juntas – você foi tratado muito mal na infância,
cresceu em uma comunidade violenta e tem uma desordem psicológica –, você não
tem uma chance”.
Separação
O
julgamento sepultou a amizade entre as duas jovens assassinas de Hartlepool.
A
mais nova disse várias vezes ao júri que “não se lembrava” do que aconteceu
naquela noite. Que estava no celular navegando no Facebook enquanto a outra
garota destruía a casa e usava móveis e eletrônicos para espancar Wrightson.
Embora
alegasse amnésia, não se esqueceu em nenhum momento de acusar a amiga. Mas
ficou claro que, se uma das duas era mais dominante na relação,era a mais nova.
Durante o crime, teria dito várias vezes à outra que chutasse a cabeça da
vítima e reclamado que a mulher ainda não havia sido nocauteada: “Continue...
mate ela. Esmague-a”.
Para
psiquiatras, a mais velha, ao ver tantas pessoas sendo atacadas e não morrendo,
passou a acreditar que alguém só pode morrer “esfaqueado no coração, com um
tiro na cabeça ou de câncer”.
Diferentemente
da outra, ela se manteve fiel. Em uma carta cheia de corações rabiscados
interceptada pelos funcionários do local onde estavam detidas, recomenda à
amiga que “mantenha o queixo erguido”.
“Espere
até a gente sair, eu e você nos divertindo por aí de novo. Mas dessa vez eu
estarei maior e melhor, te garanto.”
Porém,
após o crime chocante que ambas cometeram, é improvável que elas sejam
autorizadas a se ver novamente um dia.
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