Ciência/Tecnologia
João Fellet - @joaofellet
Da BBC Brasil em
Washington
Embaixador foi um dos principais negociadores brasileiros na
Cúpula de Segurança Nuclear
Os acordos globais para reduzir as emissões de
carbono e frear as mudanças climáticas devem impulsionar a construção de usinas
nucleares mundo afora e inclusive no Brasil, diz o embaixador brasileiro na
Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), Laércio Antônio Vinhas, em
entrevista à BBC Brasil.
Apesar do risco de acidentes - como o ocorrido na usina japonesa de
Fukushima em 2011 -, a energia nuclear não emite gases causadores do efeito
estufa (resíduos tóxicos da atividade costumam ser armazenados
indefinidamente).
No ano passado, o governo brasileiro se comprometeu a reduzir em 43% as
emissões desses gases até 2030 em comparação com níveis de 2005. Segundo o
embaixador, além de investir nas fontes solar e eólica, o Brasil precisará recorrer
a reatores nucleares para substituir usinas térmicas a carvão. Hoje a fonte
nuclear responde por 2,4% da geração de energia do país.
Vinhas foi um dos principais negociadores brasileiros da Cúpula de
Segurança Nuclear, que se encerra nesta sexta-feira em Washington e reuniu
líderes de 53 países. A presidente Dilma Rousseff representaria a delegação
brasileira, mas cancelou a presença após o agravamento da crise política no
país.
Físico nuclear, Vinhas trabalhou na Comissão Nacional de Energia Nuclear
por 47 anos e se tornou figura frequente em reuniões internacionais sobre o
tema. A experiência no setor lhe rendeu em 2011 um convite do governo para
assumir a missão brasileira na Aiea, em Viena, mesmo não sendo um diplomata de
carreira.
Em setembro, foi eleito presidente da junta de governadores da agência
por um ano. Confira abaixo sua entrevista à BBC Brasil.
BBC Brasil - Os acordos para a redução
de emissões de carbono tendem a estimular energia nuclear?
Laércio Antônio Vinhas - Não só a nuclear como
qualquer uma das chamadas energias limpas. Todos os países, para ter uma matriz
energética mais limpa, terão de reduzir usinas a óleo ou carvão, e as
principais alternativas são as fontes eólica, solar e nuclear. Principalmente a
China tem investido muito nessas três para cumprir os compromissos assumidos na
Conferência de Paris em 2015.
Dilma Rousseff não compareceu à cúpula por conta do agravamento da
crise política
BBC Brasil - O Brasil também investirá
mais em energia nuclear?
Vinhas - Grande quantidade de nossa energia é gerada
por hidrelétricas. É uma energia limpa em termos de geração de carbono, mas
hoje ambientalistas não são tão favoráveis a ela, porque alaga áreas férteis e
pode causar mudanças no microclima.
O Brasil, além de explorar bagaço de cana e as energias eólica e solar,
precisará da nuclear para substituir eventuais usinas térmicas. Não pode só
depender das hidrelétricas, porque quando há problemas de clima (como secas)
ficamos numa situação difícil. Para ter segurança energética, precisamos de um
leque de várias fontes de energia.
BBC Brasil - O acidente de
Fukushima, no Japão, não freou a construção de usinas nucleares?
Vinhas - Ele impactou mais do que os países
(defensores da) energia nuclear gostariam, mas muito menos do que quem é contra
a energia nuclear gostaria. Houve certa redução na expectativa do número de
reatores a serem construídos no futuro, mas lentamente isso já está sendo
recuperado.
BBC Brasil - A ausência da presidente
Dilma na cúpula gerou algum comentário ou constrangimento para a delegação
brasileira?
Vinhas - Não. Vários países estão representados por
seus ministros de Estado ou vice-presidentes. Isso é normal. Em todas as
cúpulas alguns vão e outros não. Depende muito da situação do país naquele
momento.
Presidente Barack Obama chega à reunião como representante dos
Estados Unidos
BBC Brasil - O Brasil articulou na
cúpula a elaboração de um comunicado paralelo em prol do desarmamento nuclear.
Qual a viabilidade da proposta?
Vinhas - Não somos naive (ingênuos)
para achar que seria aprovada, mas é para manter vivo o tema. Muitos países
acham que a segurança nuclear não tem a ver com desarmamento. Nossa opinião é o
contrário.
Se fosse possível roubar material nuclear ou roubar uma bomba pronta, o
que o terrorista roubaria? O material nuclear em todas as instalações com fins
civis representa 17%, enquanto 87% do material nuclear está sendo empregado
para fins militares.
Essa parte do material nuclear é tratada com muito sigilo. Em nome da
transparência, uma série de informações poderiam ser fornecidas sem revelar os
pontos fracos para os bandidos. O que queremos no horizonte é um mundo livre de
armas nucleares. Deve ser um objetivo de caráter permanente.
BBC Brasil
Como as potências reagiram às propostas
brasileiras?
Vinhas - Elas preferem isolar a parte militar da
segurança nuclear como um todo. Por isso não se chegou a consenso para incluir
elementos sobre o desarmamento no comunicado final. Frente a essa
impossibilidade, fizemos um comunicado conjunto e países com opiniões parecidas
se associaram a nós.
Cúpula contou com presença de líderes de 53 países, como China e
Chile
BBC Brasil - O mundo está mais seguro
hoje do que quando foi realizada a primeira cúpula nuclear, em 2010?
Vinhas - Quanto ao material nuclear, houve uma
melhoria muito grande. O principal objetivo atingido pela cúpula foi levar esse
assunto até os altos níveis dos países. Gerou uma conscientização das
autoridades quanto à "nuclear security" (segurança das instalações
nucleares). Todos os países adotaram medidas para fortalecer e difundir a
cultura de "nuclear security".
BBC Brasil - Qual o risco de grupos
extremistas se apossarem de material nuclear hoje?
Vinhas - Não é muito fácil de adquirir nem de roubar
material nuclear, e daí até chegar a uma bomba vai um caminho muito grande.
Quem advoga o risco argumenta que não se faria uma bomba como aquelas para
soltar de avião ou foguete, mas uma bomba rudimentar que pode causar comoção
social muito grande.
Outro risco é a bomba suja, em que você pega uma granada, coloca
material radioativo em volta e joga em algum lugar. Provavelmente não vai
morrer quase ninguém, mas vai haver uma contaminação razoável e gerar uma
ruptura social, com consequências econômicas e psicológicas muito grandes.
Quanto mais se melhorar o controle sobre fontes e materiais radioativos,
sobre o uso médico-hospitalar, na indústria, mais você reduz a probabilidade de
acidente. Quando começaram a pôr grades na frente dos prédios, quem não pôs
ficou enfraquecido, porque o ladrão vai escolher aquele que não tem a grade.
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