Literatura
“(Sei que só
me chamo Bruna / Porque rima com lacuna)
Estudante de Letras, amante de literatura e artes em geral, cinéfila, feminista, faladeira. É autora do livro de poesia "POÉTIQUASE", pela Editora Letramento.
http://brunakalilothero.weebly.com/”
Estudante de Letras, amante de literatura e artes em geral, cinéfila, feminista, faladeira. É autora do livro de poesia "POÉTIQUASE", pela Editora Letramento.
http://brunakalilothero.weebly.com/”
Resenha do livro "Criador
e Criatura", de Luigi Ricciardi.
O autor Luigi Ricciardi. Foto:
divulgação
O novo livro de Luigi Ricciardi, “Criador e
Criatura”, se assemelha a uma cobra mordendo o próprio rabo. Não pelo veneno –
mas pelo caráter circular e metalinguístico dessa cena. Assim como a imagem
reproduzida na sua capa, uma mão que desenha a outra, o ciclo clássico da
metalinguagem. Dono de uma prosa fluida, com bons diálogos e muita
verossimilhança, Luigi cria um abismo de autorreferenciação literária: seus
personagens têm a consciência ficcional de serem personagens, sempre presos no
eterno looping das páginas.
Criador e Criatura: Kazuá,
2015. Foto: divulgação
Uma das suas quatro epígrafes (além da
referência muito apropriada à Mary Shelley) é bíblica: “façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança”. Ao trazer o Gênesis para a conversa,
Luigi aproxima o escritor a Deus, atribuindo sentido sacro à literatura. A
estética de sagrado versus profano é uma das mais interessantes do livro, como
quando temos um rapazinho morrendo de tesão no meio da igreja (“O Rosário e a
Puta”). Aqui, erotismo e Deus andam lado a lado: “quis trepar com ela ali no
chão da capela” (p.104).
Aliás, sexo é o que não falta. Como um dos
narradores já nos adianta: “A literatura é meu sexo, meu sexo é a literatura.”
(p.95). Portanto, a estética da criação literária não é só santificada, mas
também se estende aos prazeres sexuais. Em alguns momentos, o sexo é a epifania
que dispara o gatilho da memória e estimula o nascimento do texto literário. Ao
ler que “aquelas pernas eram meus livros publicados” (p.38), nos deparamos com
uma estética do corpo, agora intimamente ligado à literatura, completamente
inserido no discurso. Uma estética antropofágica: o narrador quer comer. Não
disse em qual sentido.
Uma vez, ao participar de um concurso de uma
grande instituição, recebi um feedback assim: “seu conto não ganhou porque tem
uma linguagem muito chula, meio pornográfica”. Hoje, anos depois, não mudei de
pensamento – ainda gosto de linguagens chulas, meio pornográficas, que em
“Criador e Criatura”, reinam como trunfo máximo. Usando e abusando de
palavrões, detalhando cenas de sexo explícito, os narradores fazem criações
belíssimas como esta: “Meu pau latejava de lirismo.” (p.37). P*ta que pariu.
Coisa linda do car*lho.
Apesar da atmosfera lasciva ter me agradado,
meu maior elogio ao livro é em como o autor constrói o tênue limite entre
realidade e ficção, vida e literatura; pois “é isso: a vida é uma ficção. A
vida é inventada” (p.26). E o autor se confunde com o seu texto, com suas
palavras – “Eu não sou escritor, sou literatura. Eu sou a própria página que
escrevo” (p.95). A autoficção, presente em alguns contos, é primorosa, quando
se narra como um professor, escritor, ou simplesmente homem hétero: “Luigi,
suas personalidades múltiplas me irritam nesse jogo de ideias” (p.111).
Porém, o pecado surge quando se pesa a mão.
Minha única crítica é sobre as temáticas, mais ou menos clichês, principalmente
nos contos em primeira pessoa, sempre pela perspectiva hétero e masculina. Numa
época em que se celebra a diversidade, eu, como leitora, sinto falta de ver
personagens e pontos de vista diferentes entre si. Entretanto, no conto “Os
Mortos de Treeway Town”, Luigi foca em personagens tradicionalmente
marginalizados, e isso foi bem interessante, pois fugiu do dilema do homem
escritor dos outros contos.
Últimos comentários: “A Plenos Pulmões”,
conto lindíssimo, tem uma linguagem mais poética; “Agora e na Hora de Nossa
Morte” se encerra de maneira sensacional; “Conversas Inacabadas III” e “Ficções
que (provavelmente) nunca serão escritas, pois são ruins” são os títulos
incríveis da obra, com miolos que fazem jus a sua abertura. Nesse último, há um
recurso bem legal: escrever e riscar, mas expor o riscado, esse texto cortado,
aos olhos do leitor.
Cecilia Meireles, em seu “Motivo”, postula:
“Eu canto porque o instante existe”. Luigi Ricciardi, no alto de sua
contemporaneidade, pergunta algo parecido: “Viver é algo a mais do que
fabular?” (p.34). A vida, em “Criador e Criatura” é a fabulação, a constante
criação de um novo universo – literário, poético, físico, transcendente. “Não
seria melhor nunca ter tido nada do que nos dar um néctar para que a gente se
delicie e depois nos tirá-lo da boca nos grandes momentos de tesão?” (p.23)
Não. Porque a literatura, porque o livro de Luigi Ricciardi, o criador que se
criou criatura, porque tudo isso é o tesão efêmero que nos impulsiona – a ler o
livro, a ler-nos a nós mesmos. Como criadores e criaturas, criados enfim no
texto literário.
Uma das suas quatro epígrafes (além da
referência muito apropriada à Mary Shelley) é bíblica: “façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança”. Ao trazer o Gênesis para a conversa,
Luigi aproxima o escritor a Deus, atribuindo sentido sacro à literatura. A
estética de sagrado versus profano é uma das mais interessantes do livro, como
quando temos um rapazinho morrendo de tesão no meio da igreja (“O Rosário e a
Puta”). Aqui, erotismo e Deus andam lado a lado: “quis trepar com ela ali no
chão da capela” (p.104).
Aliás, sexo é o que não falta. Como um dos
narradores já nos adianta: “A literatura é meu sexo, meu sexo é a literatura.”
(p.95). Portanto, a estética da criação literária não é só santificada, mas
também se estende aos prazeres sexuais. Em alguns momentos, o sexo é a epifania
que dispara o gatilho da memória e estimula o nascimento do texto literário. Ao
ler que “aquelas pernas eram meus livros publicados” (p.38), nos deparamos com
uma estética do corpo, agora intimamente ligado à literatura, completamente
inserido no discurso. Uma estética antropofágica: o narrador quer comer. Não
disse em qual sentido.
Uma vez, ao participar de um concurso de uma
grande instituição, recebi um feedback assim: “seu conto não ganhou porque tem
uma linguagem muito chula, meio pornográfica”. Hoje, anos depois, não mudei de
pensamento – ainda gosto de linguagens chulas, meio pornográficas, que em
“Criador e Criatura”, reinam como trunfo máximo. Usando e abusando de
palavrões, detalhando cenas de sexo explícito, os narradores fazem criações
belíssimas como esta: “Meu pau latejava de lirismo.” (p.37). P*ta que pariu.
Coisa linda do car*lho.
Apesar da atmosfera lasciva ter me agradado,
meu maior elogio ao livro é em como o autor constrói o tênue limite entre
realidade e ficção, vida e literatura; pois “é isso: a vida é uma ficção. A
vida é inventada” (p.26). E o autor se confunde com o seu texto, com suas
palavras – “Eu não sou escritor, sou literatura. Eu sou a própria página que
escrevo” (p.95). A autoficção, presente em alguns contos, é primorosa, quando
se narra como um professor, escritor, ou simplesmente homem hétero: “Luigi,
suas personalidades múltiplas me irritam nesse jogo de ideias” (p.111).
Porém, o pecado surge quando se pesa a mão.
Minha única crítica é sobre as temáticas, mais ou menos clichês, principalmente
nos contos em primeira pessoa, sempre pela perspectiva hétero e masculina. Numa
época em que se celebra a diversidade, eu, como leitora, sinto falta de ver
personagens e pontos de vista diferentes entre si. Entretanto, no conto “Os
Mortos de Treeway Town”, Luigi foca em personagens tradicionalmente
marginalizados, e isso foi bem interessante, pois fugiu do dilema do homem
escritor dos outros contos.
Últimos comentários: “A Plenos Pulmões”,
conto lindíssimo, tem uma linguagem mais poética; “Agora e na Hora de Nossa
Morte” se encerra de maneira sensacional; “Conversas Inacabadas III” e “Ficções
que (provavelmente) nunca serão escritas, pois são ruins” são os títulos
incríveis da obra, com miolos que fazem jus a sua abertura. Nesse último, há um
recurso bem legal: escrever e riscar, mas expor o riscado, esse texto cortado,
aos olhos do leitor.
Cecilia Meireles, em seu “Motivo”, postula:
“Eu canto porque o instante existe”. Luigi Ricciardi, no alto de sua
contemporaneidade, pergunta algo parecido: “Viver é algo a mais do que fabular?”
(p.34). A vida, em “Criador e Criatura” é a fabulação, a constante criação de
um novo universo – literário, poético, físico, transcendente. “Não seria melhor
nunca ter tido nada do que nos dar um néctar para que a gente se delicie e
depois nos tirá-lo da boca nos grandes momentos de tesão?” (p.23) Não. Porque a
literatura, porque o livro de Luigi Ricciardi, o criador que se criou criatura,
porque tudo isso é o tesão efêmero que nos impulsiona – a ler o livro, a
ler-nos a nós mesmos. Como criadores e criaturas, criados enfim no texto
literário.
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