Ciência/Tecnologia
Camilla
CostaDa BBC Brasil em Londres
Sistema rigoroso de criptografia torna mais
difícil ceder informações sobre mensagens para autoridades
O
serviço de mensagens WhatsApp anunciou na terça-feira que uma atualização do
aplicativo permitirá criptografar integralmente todas as comunicações,
incluindo mensagens de voz e outros arquivos, entre seus usuários.
Com
o que chamam de "criptografia de ponta a ponta", as mensagens são
embaralhadas ao deixar o telefone da pessoa que as envia e só conseguem ser
decodificadas no telefone de quem as recebe.
"Quando
você manda uma mensagem, a única pessoa que pode lê-la é a pessoa ou grupo para
quem você a enviou. Ninguém pode olhar dentro da mensagem. Nem cibercriminosos.
Nem hackers. Nem regimes opressores. Nem mesmo nós", disse a empresa em um
comunicado.
A
privacidade das comunicações em aplicativos de bate-papo tem sido objeto de
decisões judiciais polêmicas no Brasil e nos Estados Unidos. Entenda como o
anúncio do WhatsApp pode mudar o jogo:
1. Atinge muito mais pessoas
Desde
o escândalo de espionagem do governo americano revelado por Edward Snowden,
aplicativos de mensagens como Telegram traziam algumas opções de criptografia
e, por isso, vinham se tornando os prediletos de quem está mais preocupado com
privacidade.
A
Apple, por outro lado, oferece criptografia de ponta a ponta nas mensagens
trocadas em seu serviço iMessage, disponível exclusivamente nos cerca de 800
milhões de iPhones vendidos até hoje.
A
novidade do WhatsApp, no entanto, chegou de uma só vez para 1 bilhão de pessoas
em todo o mundo, que é a sua base atual de usuários.
"A
única empresa com mais acesso a comunicações é o Facebook, que é o dono do
WhatsApp. É uma coisa extraordinária", disse à BBC Brasil Mario Viola,
advogado especialista em privacidade e big data do Instituto de Tecnologia e
Sociedade (ITS-Rio).
A
criptografia na nova versão do WhatsApp é automaticamente habilitada para todos
– exceto em grupos ou conversas onde nem todos atualizaram o aplicativo. E não
é possível optar por não ter esta camada de segurança.
Mas
o que exatamente ela traz de novo?
Antes da criptografia de ponta a ponta, havia a
possibilidade de que mensagens fossem interceptadas no meio do caminho, caso os
servidores do WhatsApp fossem invadidos por hackers ou por agentes de governos.
"Agora,
se alguma informação conseguir ser interceptada, a pessoa só verá um bloco de
texto sem sentido algum", disse à BBC Brasil Gabriel Aleixo, pesquisador
de criptografia do ITS-Rio.
"Só
quatro ou cinco governos no mundo talvez consigam quebrar a criptografia que o
WhatsApp implementou. Para um hacker, a chance é muito pequena. É um sistema
bastante rigoroso."
Segundo
Aleixo, cada mensagem enviada no aplicativo – seja de texto, vídeo, foto ou
áudio – é criptografada usando uma única chave. Ainda que uma pessoa ou empresa
quebre essa chave e leia uma mensagem, não conseguiria ler a outra, mesmo que
esteja na mesma conversa.
Na
prática, a experiência de quem usa o aplicativo não muda. Nos bate-papos,
aparece uma mensagem informando que uma conversa está criptografada, a menos
que o destinatário das mensagens ainda não tenha atualizado o aplicativo.
2. Dificulta (ainda mais) o cumprimento de ordens
judiciais
No
início do mês de março, o vice-presidente do Facebook para a América Latina,
Diego Dzodan, ficou preso por cerca de 24 horas em São Paulo após mandado
expedido por um juiz da cidade de Lagarto (SE).
A
Polícia Federal havia solicitado a quebra do sigilo de mensagens no WhatsApp
para uma investigação de tráfico de drogas interestadual. O Facebook, no
entanto, não liberou as conversas.
Criptografia foi aplicada automaticamente para
todos os usuários do serviço e não é opcional
Em
novembro de 2015, o aplicativo foi bloqueado no Brasil por 12 horas por um
motivo semelhante.
"Eles
não conseguiam obedecer as decisões judiciais justamente porque já não
armazenavam as mensagens. Agora, mesmo que o hacker ou uma agência do governo
tentasse entrar numa comunicação e interceptasse o conteúdo, seria muito
difícil compreendê-lo, por causa da criptografia. É como um correio que não tem
condição de abrir as cartas", explica Mario Viola.
O
aplicativo já usava criptografia, em menor escala, desde 2012. As mensagens de
texto eram cifradas durante o curto
período em que ficavam armazenadas nos servidores da empresa.
Elas
são apagadas dos servidores assim que são entregues ao destinatário.
"A
partir de agora, a empresa pode comprovar, de maneira técnica, que não tem
acesso ao conteúdo das mensagens que transitam em seus servidores. Fica mais
fácil se defender das decisões judiciais", diz Gabriel Aleixo.
3. Torna a vida de hackers e autoridades mais
difícil (e a de ativistas ou criminosos que usam o app, mais fácil)
A
Anistia Internacional disse que o anúncio representa uma "grande
vitória" para a privacidade e a liberdade de expressão.
"Especialmente
para ativistas e jornalistas que dependem em uma rede de comunicações forte e
confiável para continuar seu trabalho sem colocar suas vidas em risco",
disse a organização em nota.
Mas
a notícia não deve ter agradado o Departamento de Justiça americano, que
recentemente se disse preocupado com a informação "inalcançável"
contida nos dispositivos. Questionado pela BBC, o Departamento não quis
comentar o tema.
No
caso da prisão de Diego Dzodan, a Polícia Federal brasileira argumentou que os
criminosos "não fazem mais ligações" e estão migrando para o
aplicativo.
O
delegado regional de combate ao crime organizado de Sergipe, Daniel Hortas,
disse à BBC Brasil que "os criminosos migram para o WhatsApp porque sabem
que tem uma proteção de alguma forma".
Agora
a proteção para eles aumentou – como também aumentou para ativistas que se
organizam por meio do aplicativo em países onde há perseguição política e para
cidadãos que obedecem as leis.
"Encontrar
o equilíbrio entre investigar crimes e manter a privacidade das pessoas é
difícil. É a pergunta de um milhão de dólares", afirma Viola.
"Depois
do caso Snowden as pessoas têm preocupação maior com o que governos podem fazer
com as suas informações. E casos pontuais de uso do aplicativo para cometer
crimes não justificam uma vigilância massiva."
Para
o especialista, ainda faltam estudos científicos mostrando que ter acesso a
conteúdos de conversas nas redes sociais é realmente essencial para
investigações criminais.
"Existem
outras maneiras de investigar criminosos: localizar os telefones que trocam
mensagens, fazer escuta em linhas de telefone não criptografadas ou mesmo
tentar acessar os próprios celulares", diz.
4. Faz com que proteger o celular seja mais
importante
Apesar
da criptografia, ainda é possível ter acesso às mensagens trocadas no WhatsApp
conferindo diretamente o celular de quem as enviou ou recebeu.
Por
isso, os especialistas alertam que é preciso atenção em como proteger o dispositivo.
"A
criptografia amplia a confidencialidade das informações que as pessoas trocam
para lidar com assuntos de trabalho, fotos pessoais, etc. Mas para a
privacidade isso não basta", diz Gabriel Aleixo.
"É
preciso tomar uma série de outros cuidados com seu celular. Ter senhas de
acesso, antivírus, selecionar bem os aplicativos que usa e conferir as
permissões que eles instalam no seu celular."
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