Mundo: cidades
O mirante de São Pedro de Alcântara, em Lisboa.
À sombra das magnólias
Por Javier Martín
Há ruas que são e ruas que levam; ruas do dia e
ruas da noite; ruas para crianças e ruas para amantes das compras; para
caminhar e para dirigir. Em seus escassos 500 metros, a Dom Pedro V reúne tudo isso. Começa com o melhor
mirante da cidade de um lado e o convento de São Pedro da
Alcântara do outro, pois nesta rua têm igual atrativo ambas as
calçadas, que nascem com exuberantes jacarandás roxos. Satisfeito o espírito, o
resto é para os pecados do corpo. Vale a pena desfrutar da confeitaria São Roque e também – o dinheiro não será obstáculo
– das empadas de frango da Doce Real um
pouco mais à frente; entre uma e outra, o início da rua Rosa, íntima de dia, diabólica de noite; deixem-na
para mais tarde, pois não convém desviar-se antes de chegar a uma fileira de
boutiques que competem em última moda, para depois, cruzando a pista,
retroceder cinco séculos.
Se há monumentos que justificam a visita a uma
cidade, em certas ocasiões também ocorre o mesmo com algumas lojas. É o caso
da Solar. Lucilia, sua apaixonada atendente, explica em um
minuto a história do azulejo do século XVI ao XX com essas obras-primas em
nossas mãos. A loja é uma tentação, pois quem não tem 20 euros para adquirir
uma antiguidade? Ao contrário de todo mundo, Lucilia se ofende com os turistas
que entram e saem em um piscar de olhos: "Mas se não viram nada!",
recrimina-os no idioma que convier. O velho e o novo combinam tão bem como o
luxo e os almoços econômicos de 5,95 euros (20 reais) por um correto arroz com
peixe mais água e café no Tascardoso, já no outro extremo da rua.
A Dom Pedro V desemboca
nos jardins do Príncipe Real, com seu velho cipreste e suas
imensas magnólias ao redor do café da Esplanada.
Ao cair da tarde, os dois quiosques da praça se enchem de gente bonita. É o
lugar e a hora de passear os poodles e os Porsches, jantar no A Cevicheria e rematar no Pavilhão Chinês, outro lugar ímpar; tudo isso do dia
para a noite, do convento para o bar, na Dom Pedro V, a rua
das ruas.
O profano e o sagrado, de mãos dadas
por Pablo Ordaz
Nas luxuosas lojas de antiguidades situadas no
início da Via dei Coronari, a dois
passos da praça Navona, Silvio Berlusconi
costumava comprar os presentes para as jovens convidadas de suas famosas
festas. E ao final da rua à esquerda, Jorge Mario Bergoglio rezou diante da
Madonna Dell'Archetto sua última oração antes de entrar no conclave de que saiu
vestido de branco. Como diz o humorista Maurizio Crozza, Roma é a única cidade
do mundo que é capital de dois Estados: "Um deles acredita em Deus e está
sempre à espera do grande milagre; o outro é o Vaticano". A rua que,
através da beleza, serve para unir esses dois mundos tão contraditórios se
chama Via dei Coronari. Reúne, em seu meio quilômetro de
estranha retidão – "na Itália, a distância mais curta entre dois pontos é
o arabesco", dizia o escritor Ennio Flaiano –, os alicerces sobre os quais
range a glória da cidade: o sagrado e o profano, o histórico e o efêmero, a
praça com fonte e igreja e o beco – que dizem ser o mais estreito da cidade –
que conduz a um palacete que no século XV pertencia a Fiammetta, a mais famosa
cortesã da cidade, e que agora abriga a sede de um instituto financeiro.
Na metade da rua, e logo depois do pitoresco beco
que abriga a Sorveteria do Teatro, está a igreja de San Salvatore in Lauro, construída no século
XVI sobre a velha paróquia do século XI. Ali dentro, para admiração dos
descrentes e devoção dos fiéis, são exibidas as relíquias de vários santos,
sobretudo do capuchinho padre Pio (1887-1968), famoso pelos estigmas que tinha
nas mãos. O percurso em direção à ponte de Sant'Angelo vai
deixando registrado semana após semana que o pesadelo denunciado pelos
moradores meses atrás já é uma realidade. Os velhos, discretos e belos
estabelecimentos comerciais estão sendo substituídos a uma velocidade
indemnizada por lojas de quinquilharias e bares de comida rápida. Também sobre
os sampietrini – os típicos paralelepípedos romanos – da Via dei Coronari se constata a cada dia que a
beleza de Roma é também sua maior ameaça.
Uma colina com atmosfera de povoado
Por José Miguel Roncero
Em grandes capitais como Viena, muitas ruas são
amplas e majestosas, lembranças de um passado glorioso (este ano se comemora o
150º aniversário da Ringstrasse, a via circular que articula a expansão
vienense). E outras ruas são pequenas, acolhedoras e evocam um passado em que a
cidade mais parecia um grande povoado. O Spittelberg (o
hospital da colina), situado no sétimo distrito vienense (Neubau) e a dois
passos do bairro dos museus, é um bom exemplo.
O
Spittelberg consiste, na realidade, de três ruas paralelas: Spittelberggasse,
Schrankgasse e Gutenberggasse. A sensação, ao chegar ali, é de ter entrado em
um pequeno povoado com calçamento de pedras, sem carros, silencioso. O passado
rural e camponês dessa colina ainda respira em suas casas, algumas do século
XVII. Vários edifícios parecem se erguer sobre a colina para obter a melhor
vista. O Spittelberg foi, em outros tempos, uma área bem conhecida pela
prostituição, frequentada por tipos suspeitos. O racionalismo burocrático
vienense só se impôs no século XIX, quando a zona sucumbiu à simplicidade e
elegância impostas pela arquitetura Biedermeier, da qual Spittelberg oferece
excelentes amostras.
Daqueles dias de malandragem para cá, as coisas
mudaram. Hoje se vai ao Spittelberg para
passear, tomar um café ou beber com amigos, ou encontrar algo único para aquela
pessoa especial. A colina se orgulha de oferecer gastronomia, diversão e
cultura: um teatro, um cinema, cafés e bares tradicionais e contemporâneos,
galerias de arte, lojas de design, chocolaterias e restaurantes. E há também
muitas atividades de rua. No inverno, um dos mais famosos e alternativos
mercados de Natal toma a colina. No verão é a vez das mesas na rua. E no
primeiro fim de semana de cada mês há um mercado onde se vendem desde produtos
de artesanato até antiguidades tiradas de algum porão próximo. Bem-vindos à
colina.
Cinco séculos em 600 metros
por Isabel Ferrer
Situada entre duas praças centrais, a Rembrandtplein e a Frederiksplein,
a rua de Utrecht (Utrechtestraat) nasceu em 1658
durante a grande ampliação de Amsterdã, uma das urbes mais prósperas da Europa
naquela época, em pleno Século de Ouro. Embora seus 600 metros atravessem três
dos canais mais importantes da cidade (Herengracht, Keizersgracht e
Prinsengracht), não é uma rua que costuma ser lembrada por quem
passeia pelo centro histórico. Seus edifícios são tipicamente holandeses, mas
sem a embalagem daqueles erguidos pelos comerciantes que enriqueceram
especulando com os tulipas. Além disso, é percorrida por uma linha de bonde e é
preciso ter cuidado ao atravessar. No entanto, reúne em vários aspectos a
essência de Amsterdã.
Sobrevivem
apenas alguns imóveis de cinco séculos atrás, mas a sorte da Utrechtestraat
está em seu comércio. Há moda, decoração, restaurantes, chocolaterias, joias e
ateliês de ourivesaria e bijuteria, flores, retratistas, tatuagens,
perfumarias, barbearias, confeitarias, delicatessen e sanduíches, lojas de
ferragens, vinhos, revistas, imprensas, livrarias... Os bondes puxados a cavalo
chegaram em 1877, e os elétricos, em 1904. Na atualidade, como também acontece
progressivamente por toda a cidade, as bicicletas competem com carros e bondes.
Há chocolates artesanais na Van Soest Chocolatier; pães
e bolos na Bakker Van Eijk; queijos na Kaashuis Tromp; roupa masculina sob
medida na Romeyn Tailors, uma alfaiataria fundada em 1898; roupa e botas
coloridas para mulheres na Lien & Giel;
presentes inusitados na Jan; discos de vinil, CDs e DVDs, novos e de segunda
mão, na Concerto, a maior loja do gênero no país. Aberto em 1967, o Sluizer é
um restaurante que mistura clássicos como a sopa de tomate com receitas contemporâneas.
A Utrechtsestraat fica a um passo do museu
Ermitage, a franquia holandesa da sala russa aberta em um antigo asilo. O
teatro Carré, em um antigo circo, também está muito perto. À margem do rio Amstel, são parte da oferta cultural que coroa uma
rua despretensiosa, mas com sabor autêntico.
A rua
de Straedet, em Copenhague.
Encontro no café do Beijo
Por Viveca Tallgren
No coração da parte medieval de Copenhague fica
a Strædet, uma das ruas mais encantadoras da capital
dinamarquesa. Paralela ao calçadão da Strøget, mas sem a
movimentação ruidosa desta. Na Strædet (o
beco) pode-se facilmente passar metade do dia entrando nas lojas e admirando
seus belos edifícios do século XVIII.
Strædet é a denominação conjunta de três ruas
seguidas, Farvergade, Kompagnistræde e Læderstræde, que desembocam na praça Amagertorv, perto do castelo de Christiansborg,
sede do Parlamento.
Na Strædet há
lojas de design de todo tipo: cerâmica, joias, roupa e móveis, além de
exclusivas livrarias de segunda mão. Vale a pena visitar a loja da ceramista
dinamarquesa Ditte Fischer, na Læderstræde 14. Quase em frente se encontra um
dos cafés mais populares de Copenhague, o Kafe Kys (Café do Beijo).
Para comprar presentes ou alguma coisa bonita para
a casa, a loja da desenhista Mette Grønlykke, na Læderstræde 5, tem grande
variedade de almofadas, joias, abajures e cestaria, tudo em vivas cores. Um
pouco mais adiante, na Kompagnistræde 8, fica a Kaiku, com sua exclusiva variedade
de móveis, floreiras e outros itens domésticos de design moderno escandinavo.
Na Frietzsches, com a fachada pintada de verde, são
vendidas delicadas obras de cristal feitas à mão.
Na Strædet abundam
os pequenos cafés e bares para todos os gostos, muitos com mesas na calçada
durante o verão. O que têm em comum é que quase todos são bastante informais.
O Hoppes, na
Læderstræde 7, é um dos restaurantes mais populares, como também o RizRaz, na
Kompagnistræde 20, que serve comida mediterrânea com um grande bufê vegetariano
a bom preço.
O Bertels Salon, na Kompagnistræde 5, oferece café
com seus famosas cheesecakes ao estilo nova-iorquino, e o Bar Maroc, um pouco mais à frente, serve chá de hortelã
ao estilo marroquino com doces orientais. A Strædet tem até uma boa barbearia,
a Atmosphair, onde trabalham três talentosas cabeleireiras.
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